‘Gostar de vários esportes ajudou na minha trajetória’, diz Luiz Alfredo
Ao L!, narrador com passagens por Record, Globo, SBT e Rede TV! recorda grandes momentos que vivenciou e como teve de superar desafios
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Dar espaço para as vozes dos diversos esportes se tornou um marco na carreira de Luiz Alfredo. Com quatro Copas do Mundo, quatro Jogos Olímpicos e competições de diversas modalidades no currículo, o narrador (que está fora dos holofotes desde que deixou a Rede TV!) tem como herança de família a ânsia para contar as histórias vividas nos esportes. Ele é filho de Geraldo José, locutor esportivo com trajetória no rádio e na TV.
Nas homenagens do LANCE! aos 70 anos da televisão brasileira, Luiz Alfredo, dono de bordões como "corre para a galera!" e "repete!" relembra como deixou a engenharia para iniciar na narração de batalhas tanto pela audiência quanto por mostrar o que há de melhor no esporte.
LANCE!: Você é filho do Geraldo José, um narrador que era do rádio e migrou para a televisão. Houve uma influência na sua carreira e na sua forma de narrar?
Luiz Alfredo: Lembro que ele captou muito rapidamente a diferença entre o rádio e a televisão. No rádio, você tem a imaginação, enquanto na televisão, o narrador sublinha o que está na imagem. Agora, por mais que eu tivesse a admiração pelo meu pai e isso tenha me influenciado ao escolher a carreira, tínhamos formas diferentes de narrar, até por eu ter começado diretamente na televisão.
L!: Como você teve a oportunidade de iniciar a carreira no esporte?
Um dia, minha mãe pediu para eu cumprimentar o doutor Paulo Machado de Carvalho, que era o maioral da Record (além de um dos fundadores da emissora, foi empresário da área de mídia e chefe das delegações da Seleção Brasileira em 1958 e 1962). Fui lá, o cumprimentei e estava lá o Paulinho Machado de Carvalho (filho de Paulo Machado de Carvalho e responsável pela articulação de programas como "Família Trapo", "O Fino da Bossa" e "Jovem Guarda", além dos festivais da emissora), o "manda-chuva" de lá. Aí o Paulinho perguntou: "escuta, você não quer trabalhar aqui?". Perguntei: "começo aonde e quando?". Aí falei que tinha um problema: "sou engenheiro, trabalho na Eletropaulo (na época, era a Light)". Seria o certo pelo incerto, né?! Ele me disse que eu iria trabalhar de noite. Comecei fazendo reportagem, mas logo fui colocado para narrar. Para mim, foi muito legal.
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L!: Você narrou o Pan-Americano de 1983, em Caracas, ainda na Record e foi só o começo para ser designado para estas coberturas mais extensas...
Sempre fui muito ligado a esporte. Eu falava de tudo. Atletismo, basquete, vôlei, procurava acompanhar tudo que estivesse ao meu alcance... Nesse Pan eu fiquei de stand by porque o Silvio Luiz (narrador esportivo e que era coordenador de esportes da emissora na época) contratou o Fernando Solera e aquilo me chateou. Só que no dia do Brasil e Uruguai, que valia medalha de ouro no futebol, o áudio de Caracas não chegava. Fui, assumi a transmissão e demos um baita Ibope. Não vou ter a presunção de dizer que foi por minha causa. Mas ao menos não atrapalhei (o Brasil, que tinha nomes como Jorginho, Dunga e Neto, perdeu por 1 a 0)...
'Por mais que eu tivesse a admiração pelo meu pai e isso tenha me influenciado ao escolher a carreira, tínhamos formas diferentes de narrar, até por eu ter começado diretamente na televisão', diz Luiz Alfredo
L!: No ano seguinte, você acertou sua ida para a Rede Globo. Como foi essa mudança de ares?
Tive um inevitável desentendimento com o Silvio Luiz e aí saí. Aí um amigo fez o convite para ir para a Globo. Só perguntei o seguinte: "Como é? Eu vou para qual andar?". Depois eu soube que discutiram se eu tinha condições de narrar. O Boni (José Bonifácio de Oliveira Sobrinho) teria dito: "se contrataram, põe o rapaz, tem o seu valor!". Ao fazer a cobertura eu encontrei dois antigos colegas, mas com eles em emissoras diferentes: Silvio (Luiz) pela Record e Luciano (do Valle) pela Bandeirantes. Lá na Globo eu narrei de tudo. Uma coisa para a qual contribuí na emissora foi o motociclismo. Era o período do Randy Mamola e vinha a geração (de transmissão) para nós só no domingo à noite, sem condições de editar. Eu narrava ao vivo. Fez um grande sucesso.
L!: Você também tem histórias curiosas com transmissão de vôlei...
Fui transmitir vôlei em Cuba, na época na qual o Brasil não tinha relações diplomáticas com eles. Seria a primeira transmissão ao vivo de lá, eu estava todo entusiasmado, era inédito. Aí chegou uma recomendação do doutor Roberto Marinho: "transmita como se fosse algo normal", era uma preocupação com os militares. Aí pifou a transmissão. Tive de narrar sem saber se era ouvido, só soube que passou tudo depois que saiu o "Olimpíadas 84, a cobertura é só na Globo" e as pessoas comemoraram.
L!: Você tem uma história curiosa em torno da Copa do Mundo de 1986...
É verdade. Fazer a Copa foi complicado. O Boni tinha contratado o Osmar Santos e ali já tinha também o Galvão Bueno. Aí eu ficava com o terceiro jogo. Só que no mesmo dia ao Brasil jogar as quartas com a França (que perdeu nos pênaltis por 4 a 3, após o empate em 1 a 1 em 120 minutos), fui escalado para fazer a Fórmula 1. Aí o Ayrton Senna venceu a corrida superando o Alain Prost, que era francês, e também pegou pela primeira vez a bandeira do Brasil para comemorar, aquele gesto que virou tradição. Foi quase que uma vingança da Copa! É mole?!
L!: Como foi cobrir os Jogos Olímpicos em Seul?
Rendeu lembranças boas. Eu fazia os jogos com o Moreno (ex-jogador de vôlei) como comentarista, e ele era muito querido por ter jogado no Japão. Um dia, depois da transmissão, a delegação japonesa ficou maravilhada de vê-lo, encheu a gente de presentes. No dia seguinte, a escala da Globo me colocou no IBC (Centro de Transmissão Internacional). Fui cedo, fiquei atento e vi que o Aurélio Miguel ia disputar a medalha do judô. Não quis saber. Lá fui eu bem atento e transmiti o único ouro do Brasil na Olimpíada.
'Atualmente, os narradores soltam muito berro. Para dar emoção, acham que precisam berrar o tempo todo, vira uma coisa forçada', fala sobre atuais locutores
L!: Você teve uma breve passagem no SBT e depois voltou para a Globo, onde transmitiu um momento histórico do vôlei masculino, que foi a medalha de ouro em Barcelona. Como foi acompanhar aquela geração?
Eu tinha feito a cobertura da "geração de prata" (referente à Seleção Masculina de Vôlei, na Olimpíada de Los Angeles, em 1984), que foi o embrião para aquela conquista e fez vários bons jogos na Europa. Aí em Barcelona foi aquela maravilha, tanto pela Seleção quanto por ter como comentarista o Bebeto de Freitas, que era uma grande pessoa.
L!: Você é são-paulino, assim como seu pai era. Quais são as lembranças do título do Mundial Interclubes que você narrou em 1992?
Foi curioso por ser realmente do outro lado do mundo, aquilo me surpreendia (risos). Mas eu tinha uma disciplina interna, nunca vibrei a mais por ser gol do São Paulo. Agora, com quem eu tinha uma amizade especial era o Telê (Santana), que eu conhecia por ele ter comentado a Copa de 1990. Não era uma coisa cotidiana, mas era um grande conselheiro. Foi legal que o Raí morava no mesmo prédio que eu e um dia nós três saímos e conversamos sobre futebol por muito tempo. Agora, eu perturbava o Telê por ele ser pão-duro. Tinha uma história do Telê com a esposa dele, a dona Ivonete. Toda vez que ela pedia "me dá dinheiro, para de ser muquirana". O Telê entregava e falava: "mas traz o troco!" (risos).
L!: No SBT, você narrou duas Copas do Mundo e uma delas com título. Como era o desafio de implementar a cobertura de um Mundial na emissora?
A de 1990 foi mais difícil. Teve o Plano Collor, deixou todo mundo sem dinheiro e o Silvio Santos disse: "olha, vamos fazer os jogos daqui do Brasil". Eu disse que me recusava a transmitir os jogos sem estar na Itália. Sugeri algumas coisas, inclusive que vendesse espaço para a Lacta patrocinar, com o replay trazendo propaganda do (chocolate) Bis. Fomos para lá
L!: Sua cobertura do tetracampeonato rendeu um momento afetivo...
Rapaz, o Brasil tinha sido campeão do mundo graças ao (Roberto) Baggio e foi aquele sucesso. Fala com Rio, Salvador, faz suíte e a audiência sobe. Aí o Luciano Callegari (então braço direito de Silvio Santos na emissora), depois de algum tempo pede: "vamos fechar a transmissão!". Pensei e logo soltei: "Olha, vocês me dão licença, mas eu queria cumprimentar a minha mãe. Ela é a única mulher no país que o marido narrou o tri (Geraldo José narrou a goleada do Brasil sobre a Itália, em 1970, pela Rede Globo) e o filho narrou o tetra!". Foi muito forte aquilo...
L!: Logo depois, o SBT começou a investir mais fortemente no futebol...
Eles me contaram que iam transmitir a Copa do Brasil, que era uma competição meio deixada de lado pelas TV's. Começamos a bater recordes, foi uma coisa inacreditável. No primeiro jogo, a gente já ganhou da Globo no segundo tempo. A audiência era mais disputada no primeiro tempo, mas depois da novela o pessoal ia acompanhar a nossa transmissão. Como a competição era eliminatória, eu dava um tom emocional mais carregado.
L!: E aí a final da Copa do Brasil de 1995 (na qual o Corinthians derrotou o Grêmio) deu o recorde de audiência da emissora...
É curioso que eu fiquei sabendo desse recorde (o SBT teve picos de 53 pontos em São Paulo, desbancando a Rede Globo, que exibia um capítulo da novela "A Próxima Vítima"). Aí me disseram que o anterior da emissora era uma série americana chamada "Pássaros Feridos". Falei para o meu coordenador: "se a gente superar o passarinho ferido, não vamos comemorar uma derrota do "homem", mas eu dou um jeito, viu?". Todo mundo ficou emocionado no estúdio, soltei um "passarinho saiu da gaiola". Foram bons momentos nos jogos no SBT.
L!: Você chegou a voltar à Record, passou pelo SporTV, mas também narrou futebol na TV Cultura. Como foi implementar o futebol em uma emissora que recentemente não tinha tradição em transmissões?
O Flávio Adauto (jornalista que posteriormente foi diretor de futebol do Corinthians) fez um projeto diferente para transmitirmos a Copinha (Copa São Paulo de Futebol Júnior). Foi difícil, muito pela divisão que causou internamente, mas tivemos muita luta.
L!: Seu mais recente trabalho foi na Rede TV!, onde narrou Série B. Como foi lutar para valorizar esta competição?
Tive sempre de enfrentar sempre desafios por onde passei. Foi a mesma coisa que encarei na Copa do Brasil no SBT, pois se tratava de um produto esquecido da mídia. Fico feliz de ajudar os clubes da Série B a serem promovidos na TV.
L!: Você está afastado desde 2012 (depois de sua saída da Rede TV!, adquiriu hidrocefalia, doença que causa acúmulo de líquido no cérebro). Acompanha esportes ainda pela televisão? O que acha dos atuais narradores?
Vejo tudo, mas me incomodam os narradores atuais. Eles soltam muito berro. Para dar emoção, acham que precisam berrar o tempo todo, vira uma coisa forçada, desagradável!
L!: Há algum narrador atual que chame sua atenção?
Sou suspeito, pois ele foi meu colega. O Everaldo Marques estreou na Fórmula 1 muito bem, tem todas as qualidades. Admiro também o Jota Júnior, que é uma joia de pessoas.
L!: Prestes a completar 70 anos, quais são os desafios da televisão brasileira?
Tem que ficar mais clara a separação entre a maneira de ser da TV aberta e a TV fechada atuais, especialmente nas negociações. Ainda está muito nebuloso.
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