Análise: Xavi chega ao Barcelona em meio à crise e sem ‘apadrinhamento’ de Josep Guardiola

Oficializado como novo treinador barcelonista, ex-meia não terá, nos bastidores do clube, a proteção de seu tutor, respaldado por Johan Cruyff no início de trabalho, em 2008

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Anunciado nesta sexta-feira como o novo treinador do Barcelona, Xavi Hernández é tratado como o novo grande adepto do 'Futebol Total'. Com 'ares guardiolísticos' em suas ideias, o espanhol pode alavancar o time a uma significativa mudança de patamar em meio à crise financeira que assola a instituição. Porém, terá de fazer sem o seu patrono ao lado: Josep Guardiola.

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A chegada de Pep ao comando do Barcelona, na temporada 2008/2009, foi bancada por Johan Cruyff, tratado pelo barcelonismo e pelo treinador catalão sob uma notabilidade divina. À época, o lendário camisa 14 gozava de forte influência na diretoria, que também tinha Joan Laporta como presidente. Na campanha anterior àquela, o atual comandante do Manchester City levou o time B do Barça ao título da terceira divisão espanhola.

Com pouca experiência, Guardiola, apesar de ter sido um memorável jogador culé, precisou do apoio de Cruyff para poder tomar decisões consideradas bruscas e trabalhar à sua maneira em sua primeira temporada. Este respaldo do ex-jogador holandês foi essencial para o seu início de trajetória.

É inegável que os títulos conquistados pelo Barcelona entre 2008 e 2012 são resultado de um excelente trabalho de Guardiola. Ainda assim, o fato de ter Cruyff por perto, como um conselheiro de Laporta, foi algo fundamental.

Xavi retorna ao futebol espanhol com a missão de recolocar o Barcelona no topo, mas com a necessidade de mudanças para cumprir o objetivo

Os primeiros meses de trabalho de Guardiola foram no mínimo duvidosos. Com uma base em baixa após atingir o ápice e a decadência com o treinador anterior, Frank Rijkaard, o jejum de dois anos sem títulos de peso batia à porta e pressionava Pep. Não obstante a isso, o início de Campeonato Espanhol reservou uma derrota para o modesto Numancia e um empate no Camp Nou para o Racing Santander. Na Liga dos Campeões, o Barça caiu derrotado para o Wisla Krakov, da Polônia. Foi quando entrou a figura de Cruyff.

Quando o Camp Nou já ensaiava protestos direcionados ao treinador e à diretoria, o holandês não teve dúvidas: o time já tinha uma forma de jogo bem projetada para o futuro. À imprensa catalã, Cruyff afirmou, após o tropeço contra o Racing, que o Barcelona "jogou seu melhor futebol em muitos anos". O suficiente para acalmar os ânimos dos torcedores.

- Esse time já apresenta uma notável troca de passes e aplica muito bem o jogo de posição. Pressiona bem e recupera a bola com rapidez. Pode melhorar, com certeza, principalmente no último passe e na finalização. Mas minhas expectativas são altas. Guardiola vê, analisa e toma as decisões corretas. Mudou bem o time em relação à estreia. E o time melhorou - disse Cruyff, em setembro de 2008.

Guardiola ao lado de Cruyff durante seus tempos de treinador do Barcelona (Divulgação)

O que veio depois foi uma sequência implacável, uma semente plantada para o que viríamos no desfecho da história: 11 vitórias consecutivas entre Liga, Copa e Champions, com direito a 38 gols e exibições que marcaram a 'Era Guardiola', como o histórico 6 a 1 no Atlético de Madrid, quando o Barcelona já vencia por 4 a 0 com somente 20 minutos.

Uma aventura plenamente validada por Cruyff desde o seu início, mas que já tinha sofrido uma intervenção indireta quase uma década antes. Isso porque a lenda holandesa revelou em seu livro autobiográfico que, nos anos 90, os dirigentes do Barcelona consideravam Guardiola um jogador "magrinho, ruim defensivamente e fraco na bola aérea". Johan bancou a então promessa da base, a transformou em peça-chave de seu 'Dream Team e maturou o personagem que viria a se transformar num prestigiado e célebre técnico.

O CENÁRIO QUE XAVI ENCONTRARÁ EM SEU RETORNO

Xavi formou ao lado de Iniesta uma histórica e multicampeã dupla, pelo Barcelona e pela Espanha (Foto: JOSEP LAGO / AFP)

A situação de Xavi, porém, é completamente diferente da encontrada por Guardiola quando assumiu o Barcelona, em 2008. O ex-camisa 6 do Barça encontra um time perdido e em crise após a saída sem custos de seu maior ídolo, Lionel Messi. Joan Laporta, eleito presidente no início do ano, achou um clube com uma dívida financeira em um patamar astrônomico, além de rachado politicamente.

Xavi assina com o Barcelona após o início da temporada e quase no fim da fase de grupos da Liga dos Campeões. O trabalho de Ronald Koeman, que apresentava um futebol aquém do esperado, deixou a desejar, e o holandês foi demitido. Nome forte na campanha eleitoral de Victor Font, opositor de Laporta e do ex-presidente Josep Maria Bartomeu, Xavi até poderia ter assumido o Barça mais cedo, caso o resultado da eleição fosse diferente.

Diferentemente de Guardiola, em 2008, Xavi assume o Barcelona com um elenco inferior em prestígio e hierarquia

Sem auxílio de Cruyff, Messi ou Guardiola, o ex-meio-campista não tem nem mesmo Iniesta, grande parceiro dentro das quatro linhas, ao seu lado. Por ser um clube tão gigante, a cobrança é enorme, e a missão do novo treinador é de, na primeira temporada, administrar a crise que ocorre dentro do campo e garantir o mínimo para o Barça. Depois, resultados serão cobrados.

A falta de experiência em alto nível de Xavi e Guardiola no início de suas carreiras como treinador podem ser comparados. O que muda, porém, é o próprio Barcelona. Em 2008, uma equipe que contava com diversos jogadores da Espanha, campeã da Eurocopa no mesmo ano e da Copa do Mundo dois anos depois, e com Lionel Messi, que tinha sido eleito o segundo melhor jogador do mundo em 2007. Hoje, o Barcelona perdeu Messi e encontra problemas para fechar a folha salarial.

O cenário que o catalão encontra é muito mais caótico que aquele encontrado por Guardiola em 2008. Pep, além do mais, já tinha o conhecimento de treinar o time B com jogadores de La Masía, enquanto Xavi vem direto do Qatar. O ponto em comum dos dois precisa ser aproveitar o talento único e infinito da base barcelonista, o futuro que é possível para o clube.

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