‘Bilhões viram jogadores gays na Copa, apenas não sabem disso’
Clube gay mais conhecido no futebol mundial completa 25 anos tentando mostrar que tem uma ideologia que vai além da causa homossexual no esporte
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- Vamos falar a verdade. Qual a chance de não haver jogadores homossexuais em todos os principais campeonatos do mundo? É matematicamente impossível que não existam. Existem e são muitos.
Eric Najib sorri com a constatação feita em entrevista ao LANCE!. Sabe que deverá irritar muita gente. Ele é jogador de futebol, técnico e homossexual. Comanda a equipe que tem como lema ser o “clube gay mais vitorioso da história”. No início de fevereiro, o Stonewall FC completa 25 anos. A data será comemorada com eventos ao redor da Inglaterra. Entre eles, um jantar de gala oferecido no Emirates Stadium, casa do Arsenal.
As pessoas envolvidas com o clube querem celebrar o feito por considerarem que sobreviver tanto tempo no mundo do futebol é uma vitória. Assim como superar preconceitos não apenas por defender a bandeira gay. Equipe e jogadores enfrentaram olhares atravessados também da comunidade homossexual.
- Achavam que nós não deveríamos estar jogando contra times de heterossexuais. Bobagem. Isso seria reforçar estereótipo, como se não fôssemos pessoas normais – avalia Jamie Feldman, tesoureiro da equipe.
O Stonewall joga na Middlesex County Football League, a 11a divisão do futebol inglês. Participa também de torneios voltados exclusivamente para atletas gays, competições que reúnem cerca de 60 mil pessoas por ano. É o atual campeão europeu e mundial. Também ganhou a medalha de ouro no Gay Games de 2014, em Clevland, nos Estados Unidos, e no EuroGames do ano passado, em Estocolmo, na Suécia.
Na Middlesex County Football League, a equipe enfrenta rivais com jogadores heterossexuais.
- No início, (os outros times) não queriam nos enfrentar. Havia mais preconceito. Mas foram percebendo que somos um clube como outro qualquer. E jogamos contra os mesmos adversários todos os anos, então se tornou algo comum. Acostumaram-se com a gente - constata Najib.
Atualmente, o Stonewall está na 11a posição na liga nacional. Uma posição intermediária. Bem diferente do que acontece nos torneios disputados por atletas homossexuais.
- Nós somos como o Brasil do futebol gay. Os outros times não gostam de nos enfrentar porque costumamos vencer sempre – explica Feldman.
"Achavam que nós não deveríamos estar jogando contra times de heterossexuais. Bobagem"
Algumas partidas do Stonewall são consideradas históricas no cenário do que os ingleses chamam de “non-league football” (campeonatos amadores). No ano passado, amistoso contra o Dulwich Hamlet foi considerado a primeira partida oficial contra a homofobia, com drag queens dançando conga na entrada em campo das duas equipes.
FUNDAÇÃO
O Stonewall foi formado em fevereiro de 1991. Aslie Pitter publicou anúncio em revistas como a Time Out pedindo que jogadores gays interessados em formar uma equipe competitiva entrassem em contato. Pelo trabalho na comunidade do futebol, Pitter foi condecorado em 2011 com o MBE (Most Excellent Order of the British Empire), oferecido pela rainha Elizabeth.
O clube foi crescendo e chegou a conseguir formar quatro elencos diferentes para disputar torneios distintos.
Pitter teve a iniciativa após ser removido do elenco de uma time em que atuava quando revelou sua homossexualidade. Após debates, se decidiu que o melhor era atuar em uma liga na pirâmide “formal” do futebol inglês, em vez de se limitar a ligas como a Gay Football Supporters Network, que reúnem apenas atletas homossexuais. A escolha foi para deixar clara a ambição do clube e que era possível enfrentar e vencer clubes “tradicionais”.
- Isso fica na cabeça, mesmo que involuntariamente. Eu me juntei ao Stonewall em 2011 por recomendação de um amigo. Engraçado porque mesmo eu, sendo gay, cheguei achando que o time não seria muito bom. Mas fiquei impressionado - confessa Najib.
Pelas contas do treinador, hoje em dia 80% dos jogadores do elenco principal são gays. Isso significa que o Stonewall está buscando fazer a transição de um time gay de futebol a simplesmente um time de futebol que tem jogadores gays.
- São coisas bem diferentes - confessa Feldman.
Nos últimos meses, times como o Stonewall, Dulwich Hamlet, o FC United of Manchester, que defendem a bandeira contra a intolerância, homofobia e fascismo, estão na moda no Reino Unido e conseguindo atrair torcedores. Vários deles, decepcionados com a quantidade cada vez mais astronômica de dinheiro envolvida no futebol profissional. Isso quando não sentem medo do preconceito nos grandes estádio.
O Stonewall tenta não passar a imagem de que está em um gueto. Que defende apenas uma ideologia que vai além do futebol. Espera que em um futuro próximo algum boleiro famoso e em atividade saia do armário. Os casos atuais são apenas de jogadores que se aposentaram. Justin Fashanu, inglês, se revelou gay anos após ter pendurado a chuteira. O mesmo para o alemão Thomas Hitzlperger. O norte-americano Robbie Rodgers largou tudo e depois voltou a jogar.
- Talvez com as pessoas se assumindo, isso deixe de ser algo excepcional. Não vejo motivo para um jogador reconhecer ser gay merecer mais cobertura do que um cartão vermelho, por exemplo – defende o tesoureiro.
- Bilhões de pessoas viram jogadores gays na Copa do Mundo do ano passado, no Brasil. Apenas não sabem disso – completou o treinador Najib.
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