Chile e Peru protagonizam clássico que vai além das quatro linhas
Rivalidade nasceu ainda no século XIX e envolve questões geopolíticas. Decisões nos últimos anos reacenderam polêmicas e retomaram simbologia da Guerra do Pacífico
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Se para explicar a importância do Fla-Flu, Nelson Rodrigues disse que o clássico carioca começou “40 minutos antes do nada”, a rivalidade entre Peru e Chile teria começado, provavelmente, alguns anos antes do despertar das multidões. O clássico que vai definir, nesta quarta-feira, um dos finalistas da Copa América de 2019 tem uma história que extrapola as quatro linhas do campo. E remonta ao século XIX, antes mesmo futebol chegar ao continente sul-americano.
Na partida a ser realizada na Arena do Grêmio, em Porto Alegre, peruanos e chilenos carregam uma rivalidade nascida entre 1879 e 1883, na “Guerra do Pacífico”, quando Peru e Chile protagonizaram, junto com a Bolívia, uma disputa que perdura até hoje. Ao menos, no imaginário das duas nações.
Em março de 1879, a Bolívia declarou guerra ao Chile, após tensões com empresas chilenas que exploravam de recursos naturais na fronteira entre os dois países. Sabendo do poderio bélico do país andino, os bolivianos haviam feito, seis anos antes, um acordo secreto com o Peru, para colaboração mútua entre os países em caso de conflitos bélicos.
O Peru não teve outra opção que não entrar no conflito. Mas o poderio bélico chileno era mesmo maior. O Chile venceu o confronto contra os dois países e, em outubro de 1883, ainda anexou territórios peruanos e bolivianos, inclusive fechando a passagem da Bolívia para o Oceano Pacífico. O Peru perdeu a província de província de Taracapá, enquanto os bolivianos perderam Antofagasta, onde fica o famoso deserto do Atacama.
- Foi uma das maiores guerras da América do Sul. Acabou gerando mudanças significativas na geografia da região e a guerra ainda é muito presente no imaginários dos países. Não tenho dúvidas das cicatrizes desse conflito até hoje. Foram situações dramáticas que pegaram duas gerações - disse o professor de História das Américas da UFRJ Fernando Vale Castro, antes de completar:
- A negociação dos tratados explica um pouco a situação de penúria e crise social que os países viveram depois. Gerou uma crise profunda no Peru e na Bolívia. E isso foi alimentado pelas narrativas nacionais, de que a guerra foi dramática para o futuro de suas nações.
Apesar da conflito armado ter durado quatro anos, as discussões sobre os territórios perdidos duraram décadas e o último acordo de paz entre os países só foi assinado em 1929. O Peru tentou, sem sucesso, retomar seu território. E isso criou uma rivalidade vista até hoje. Até no futebol.
Peru e Chile protagonizam, desde os anos 1930, o “Clássico do Pacífico”. Uma rivalidade que sempre esteve presente no esporte, palco em que questões geopolíticas e nacionalistas sempre aparecem, mas voltou a se acender com mais força nos últimos anos.
Polêmicas recentes
Chile e Peru vão reeditar, nesta quarta-feira, a semifinal da Copa América de 2015, disputada na casa dos chilenos. Foi um dos últimos capítulos que reacendeu essa rivalidade. Na ocasião, os donos da casa levaram a melhor por 2 a 1, e, depois, conquistaram o sua primeira Copa América.
No ano seguinte, o Chile visitou o Peru pelas Eliminatórias para a Copa
da Rússia e, após ter seu hino vaiado antes da partida, venceu o jogo por 4
a 3. Na comemoração de um dos gols, o chileno Vargas fez sinal de silêncio
para a torcida peruana. E, após a partida, os jogadores do Chile deixaram
um recado nas paredes do vestiário: "Respeito! Por aqui passou o campeão da América".
Mas quem acabou levando a melhor nas Eliminatórias foi o Peru. E com toques de crueldade. Na última rodada, enquanto o Chile perdia para o Brasil, em São Paulo, Peru e Colômbia empatavam em 1 a 1, no jogo que ficou conhecido como “Pacto de Lima”. Com a combinação de resultados, peruanos e colombianos se garantiram no Mundial. Se houvesse um vencedor na partida, o derrotado perderia a vaga, levando o Chile para a Copa. Nesta Copa América, o Chile já se "vingou" da Colômbia. Agora, tem a chance de dar o troco no Peru.
Veja o que jornalistas dos dois países dizem sobre a rivalidade entre as seleções:
Rodrigo Vera, Canal 13 (CHILE): Aqui nós consideramos um clássico. Há uma rivalidade histórica entre Chile e Peru. As partidas entre essas seleções sempre tem muita audiência, seja na Copa América ou Eliminatórias. Sempre é o partido mais visto pelo povo chileno. É uma partida muito importante. Não há tensão entre as torcidas, mas sempre ficam muito nervosos. Historicamente é um rival muito importante, mas recentemente também se criou uma rivalidade com a Argentina, pelas finais de Copa América de 2015 e 2016. Sempre foi uma partida muito equilibrada. Em 2015 foi muito difícil para o Chile passar pelo Peru. No último amistoso, Chile perdeu de 3 a 0. A relação sempre foi estreita, mas ficou mais ainda nos últimos tempos. Na história recente, acredito que o Peru cresceu muito frente ao Chile.
José Luis Saldaña, Depor (PERU): Não se pode ocultar a história, mas creio que essa tensão está se modificando. Hoje, por exemplo, há rivalidade sim, mas é mais futebolístico. É uma partida especial, é claro. Mas acredito que essa tensão está baixando. Mas agora vai ser uma partida especial porque nos recordamos da Copa América de 2015. Por esse lado, pode ter um teor de revanche. Não acho que as partidas estão mais equilibradas hoje por um retrocesso de Chile. Mas acho que de alguma maneira as forças se equilibraram mais por mérito peruano do que por outra coisa. Foi o crescimento do time de Ricardo Gareca, do ponto de vista coletivo e emocional. O Chile tem estrelas mundiais, mas o Peru tem fortalezas coletivas muito fortes e que demonstrou no último amistoso contra o Chile, por 3 a 0. Creio que seja uma semifinal muito aberta. Não há favorito. Ambos chegam bem. Apesar do 5 a 0 que sofreu o Peru, a maneira como eliminou o Uruguai, do ponto de vista de autoestima, faz o Peru chegar mais forte do que nunca.
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