Futebol em meio ao caos: saiba como está o Campeonato Ucraniano um ano depois do início da Guerra
Clubes mandam jogos fora de suas cidades e sofrem com debandada de jogadores

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Há um ano, a invasão da Rússia desencadeava a guerra da Ucrânia e abria espaço para momentos de apreensão e incertezas no Leste Europeu. Das rotas alteradas aos sucessivos desafios, o futebol também teve de se adequar aos impactos causados pelo conflito.
Cientes de que é tempo de guerra, as equipes guardam muitas cicatrizes e agora se preparam para o ano de 2023 do Campeonato Ucraniano. A bola volta a rolar para a temporada em 27 de fevereiro.
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DAS RELAÇÕES TURBULENTAS À GUERRA

As idas e vindas políticas fizeram com que Rússia e Ucrânia chegassem a um estremecimento impensável. Professora de Relações Internacionais da Uerj, Miriam Gomes Saraiva detalhou ao LANCE! como a luta por influência culminou em um conflito bélico.
- A ligação da Rússia com a Ucrânia vem de séculos. Mas até o fim da União Soviética, as duas regiões faziam parte da mesma federação, embora a Ucrânia fosse uma outra república. Há muitos vínculos entre russos e ucranianos. Famílias cruzadas, pessoas que moram de um lado, de outro... Quando houve essa separação definitiva, a Rússia tentou manter um controle sobre o governo ucraniano, como forma de ter na Ucrânia um presidente aliado - e explicou:
- Esta ideia durou por algum tempo mas, depois, se desenvolveram setores de oposição ao governo pró-Rússia. Os opositores ganharam, houve movimentos mais fortes como a Revolução Laranja (protestos e eventos políticos que aconteceram entre 2004 e 2005 depois que Viktor Ianukovytch foi eleito presidente e acusado de fraude na disputa com Viktor Yushchenko). A Rússia foi sentindo que perdia influência sobre a Ucrânia. Enquanto isso, os ucranianos buscaram se aproximar da OTAN e da União Europeia, mas tiveram dificuldades para abrir negociações - disse.
Anos depois, outros episódios deixaram os ânimos exaltados entre os dois países.
- Em 2014, houve uma série de manifestações de rua na Ucrânia e o desenvolvimento de forças de extrema-direita de um perfil paramilitar. Neste momento, a Rússia tomou a região da Crimeia. A região do Donbass, que atualmente é ocupada por tropas russos, tinha parte considerável de moradores de origem russa. Além disso, a Rússia incentivava sua independência. A Ucrânia reagiu a esse movimento e começou a limitar as possibilidades de influência... Houve desde a limitação do ensino do idioma russo à proibição dos partidos com vínculos da Rússia, o que aumentou o ambiente de guerra civil entre os países - afirmou Miriam Gomes Saraiva.

A mudança de poder em território ucraniano gerou alguns dilemas em torno de como Volodymyr Zelensky iria costurar a situação com o presidente da Rússia, Vladimir Putin.
- Quando o Zelensky ascendeu ao poder, seu objetivo era buscar um acordo em relação ao Donbas. Mas ele sofreu pressão interna e acabou buscando uma aproximação com a OTAN. Com isso, veio um puxa-puxa. A Ucrânia se aproximou da OTAN confiando que a Rússia não invadiria seu território. Enquanto isso, a Rússia começou a temer a entrada ucraniana na OTAN e ter um país supostamente adversário na sua fronteira. Seria um país na OTAN e com forças políticas muito significativas anti-Rússia - e pontuou:
- O Zelensky apostou que a Rússia não faria uma invasão, enquanto a Rússia acreditava que seria uma guerra fácil, rápida. Não é o que vem acontecendo - destacou a professora de Relações Internacionais da Uerj.
'FECHADOS' POR LONGO E TENEBROSO INVERNO

A competição nacional tinha passado por uma pausa de inverno (que é rigoroso na região) de dois meses e a previsão de retorno do Ucraniano era para 25 de fevereiro. Porém, os bombardeios russos causaram inicialmente a suspensão da competição.
Em nova reunião no dia 26 de abril, houve uma definição mais drástica: clubes decidiram encerrar a competição. A Premier League Ucraniana terminou sem campeã. Então líder, o Shakhtar Donetsk obteve a vaga para a Champions League, assim como o Dínamo de Kiev, vice-líder no momento que a competição cancelada.
Com o encerramento abrupto da segunda divisão, Metalist Kharkhiv e o Kryvbas foram promovidos para a elite. Desna Chernihiv e Mariupol tinham se retirado da competição pois tiveram suas regiões e seus estádios destruídos pela guerra.
Atualmente, o Dnipro lidera a competição com 35 pontos. O Shakhtar Donetsk tem 30.
O ÊXODO

O drama que assolou a Ucrânia fez com que os clubes lidassem com diversas saídas de jogadores. Muitos dos atletas eram brasileiros e vestiam a camisa do Shakhtar Donetsk.
David Neres, Dodô, Marcos Antônio, Ismaily e Pedrinho foram alguns dos 11 brasileiros que deixaram o principal clube do país em 2022. Dos 14 atletas de origem brasileira restou apenas o lateral Lucas Taylor.
Sidcley, único brasileiro no Dínamo de Kiev, segue no clube da capital, assim como o técnico romeno Mircea Lucescu. Depois de ter sido destaque do Metalist Kharkiv na temporada 2021/2022, o atacante Matheus Peixoto teve uma breve passagem pelo Ceará e, neste ano, está a caminho do Goiás.
NOVA TEMPORADA. MAS QUANTA DIFERENÇA...

A temporada 2022/2023 do Campeonato Ucraniano teve início no dia 23 de agosto de 2016. O formato de pontos corridos teve 16 equipes em campo (14 da elite anterior e outras duas que vieram da Segundona). Shakhtar Donetsk e Metalist de Kharkiv empataram em 0 a 0 no Olímpico de Kiev no jogo de abertura.
No entanto, há algumas mudanças nítidas. Por questões de segurança, o número de sedes ficou mais concentrado. Quatro equipes mandam partidas no Olímpico de Kiev: Shakhtar Donetsk, Metalist Kharkiv, Oleksandriya e Kryvbas.
Ao mesmo tempo, Dinamo Kiev e Shakhtar também mandam seus jogos em Lviv. O clube da capital ucraniana também manda seus jogos no Dynamo Stadium, em Kiev, junto ao Zoria Luhansk.
Metalist, Vorskla Poltava, Luhansk e Dnipro jogam de locais em Uzhorod. O Vorskla também manda partidas no estádio do Mynai.
Na edição atual, o Dnipro é o líder, enquanto o time de Donetsk é o segundo colocado, cinco pontos atrás. Além de equipes terem de se deslocar um pouco mais, os jogos continuam a não contar com presença de público.
O CLUBE NÔMADE

Não é nem dos tempos da guerra que um dos times mais dominantes dentro do campeonato local manda seus jogos fora de sua terra. O Shakhtar desde 2014 joga fora de Donetsk pelo fato da cidade ter sofrido fortes danos depois dos bombardeios no Euromaidan que atingiram inclusive seu novo estádio: a Donbass Arena. Desde então, o time passou a mandar jogos em lugares como Lviv, Kharkhiv e Kiev.
- Donetsk fica justamente no Donbass, região que vinha em guerra civil há mais tempo. Havia grupos separatistas atuando contra o governo ucraniano. Desde antes da guerra da Ucrânia, tratava-se de um local de disputa específica. Luhansk é outra cidade que fica no Donbass e que desde 2014 foi mais problemática pela existência dos grupos separatistas. Agora, a Rússia está ocupando Donetsk e há grupos querendo expulsá-los de lá - disse a professora de Relações Internacionais, Miriam Gomes Saraiva.
A região do Donbass fica em um local onde a população tem forte ligação com a Rússia. Por isto, utilizou este caminho para fazer uma invasão.

Em meio às limitações com as quais os clubes convivem, Putin e Zelensky continuam a medir forças após um ano de guerra da Ucrânia.
- Em relação a Vladimir Putin, nenhuma guerra longa causa impacto positivo. Mas há um governo autoritário e ele tem manipulado bastante as informações. Tenta vender o conflito como se fosse uma "guerra de salvação" dos irmãos russos que vivem em território ucraniano. Só que o tempo vai passando e as coisas vão se desgastando, as imagens se deterioram, pois há alguns fracassos. O Volodymyr Zelensky, por sua vez, aos olhos do mundo é visto como um herói. O presidente da Ucrânia surge como um líder que resiste aos ataques da Rússia, luta para não entregar a guerra. Ele tem conseguido esse esforço - afirmou a professora de Relações Internacionais da Uerj, Miriam Gomes Saraiva.
O futebol ucraniano se prepara para tentar driblar novos desafios potencializados pela presença de tropas russas no país. Em meio a tantas situações delicadas, não faltará luta para manter sangue frio.
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