Luiz Fernando Gomes: A Fifa e os clubes
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A Fifa viveu nesta sexta-feira um dia de Conmebol. Os caciques da entidade se reuniram e decidiram tirar do papel a ideia do presidente Gianni Infantino, oficializando a criação, a partir de 2021, de um novo Mundial de Clubes. Mas a decisão, que passa por cima da vontade dos gigantes europeus e atropela o calendário da UEFA, definido até 2024, sem datas para realização do torneio, pode abrir uma crise no futebol mundial.
Foi uma imposição desastrosa, em todos os sentidos.
O equívoco da cartolagem-mor abrigada na Suíça começa pela divisão dos participantes. Ter oito vagas para a Europa e seis para a América do Sul é simplesmente um disparate. Primeiro por uma questão geopolítica, o número de países que existe em cada continente. Não bastasse isso, é dar quase o mesmo peso à Libertadores e à Champions League. como se uma não fosse tão somente o arremedo da outra. Os investimentos dos clubes europeus, o nível técnico, a organização dos torneios do lado de lá do Atlântico, nada é comparável com a realidade de cá. Trata-se de um abismo muito maior do que apenas duas vagas a mais ou a menos.
A propagada intenção de ampliar o alcance do futebol e estimular o desenvolvimento técnico dos centros menores - o Mundial de Infantino teria ainda três clubes da África, três da Ásia, três das Américas Central e do Norte e um da Oceania - é uma balela retórica. O único objetivo da Fifa, como quase tudo o que norteia as decisões da entidade, é faturar mais e mais. Isso é o que importa para essa gente, não importa se contrarie os interesses dos clubes, que deveriam ser ouvidos antes de tudo já que neste caso são os interessados diretos, e, por vezes, até de federações nacionais ou continentais, sua base se apoio.
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Embora o Mundial de Clubes tenha sido uma bandeira levantada por Infantino desde sua posse na presidência, assim como o aumento do número de países participantes da Copa do Mundo, a decisão desta semana foi tomada de forma intempestiva, deixando em aberto uma série de questões. Não ficou completamente claro, por exemplo, se, sendo substituto da Copa das Confederações – que já não atendia as expectativas de lucro da cartolagem e por isso foi abandonada – o novo torneio quadrienal seria realizado na mesma sede da Copa do Mundo, a começar, assim, pelo Qatar em 2021. Também não se definiu o destino do atual mundial anual.
O problema maior, contudo, é que a Fifa não definiu os critérios de classificação dos clubes, deixando isso a cargo de cada confederação continental. É uma aberração absoluta já que permitiria que clubes chegassem ao torneio por vias distintas no grau de dificuldade e, quem sabe, até por indicação e não por méritos em campo. Nada impediria por exemplo que a Conmebol decidisse que o campeão da Copa Sul-Americana ganhasse uma vaga no Mundial, a pretexto de valorizar esse torneio, mesmo sendo ele uma espécie de segunda divisão da Libertadores. Vai entender...
A concretização do delírio de Infantino, contudo, ainda parece longe de se realizar. Por mais que esteja acostumada a impor decisões de forma autoritária e sempre cercada de ameaças e represálias a quem resiste, a Fifa ao que parece dessa vez vai ter de negociar. A Associação de Clubes Europeus, entidade que ganha força a cada ano e que reúne potências como Real e Barcelona, Bayern, Juventus, Ajax, PSG, Benfica e os grandes da Inglaterra, mostra-se disposta a boicotar o Mundial, pelo menos em 2021, já que a proposta fere o calendário da UEFA que norteia o planejamento de longo prazo das equipes. Uma postura que contrasta, aliás com o silencio da América do Sul.
É claro, e não se pode ter ilusões quanto a isso, que uma proposta financeira polpuda da Fifa ou do Qatar podem quebrar resistências. E a bola pode rolar no Qatar como se nada tivesse acontecido. Mas o simples questionamento ao poder central já terá sido uma evolução.
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