Morte de filho, depressão e cocaína quase acabaram com Livermore
Volante que enfrenta o Arsenal nesta terça pela Copa da Inglaterra confessa ter 'mergulhado no abismo'. Ao L!, técnico diz que experiência foi como 'um soco no estômago'
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As coisas nem sempre são o que parecem.
Considerado o melhor jogador a nunca vestir a camisa da seleção inglesa, Steve Bruce estava furioso. Mesmo para os padrões de um zagueiro acostumado a intimidar atacantes, ele subia pelas paredes. Técnico do Hull City e em luta desesperada contra o rebaixamento em maio do no ano passado, ele havia sido informado algumas horas antes de que seu melhor jogador, Jake Livermore, havia testado positivo no doping. Cocaína.
Antes de o atleta entrar em sua sala, Bruce começou a lembrar dos meses anteriores. O clube havia pago 8 milhões de libras esterlinas (cerca de R$ 48 milhões) para o Tottenham Hotspur e comprado Livermore, peça-chave na campanha do time que chegou à final da Copa da Inglaterra de 2014. Favorito da torcida, era o coração do meio-campo. Mas nos últimos tempos, ele não era o mesmo.
- De fato, eu me lembro de ter perguntado mais de uma vez para meus assistentes o que havia de errado com Jake. Ele estava disperso, sem energia. Não era o mesmo - confessa o treinador ao LANCE!, em declarações por meio da assessoria de imprensa do clube.
Quando o volante chegou para ouvir as más notícias, o técnico despejou toda a ira. Deixou claro que Livermore, 26 anos, havia decepcionado não apenas os torcedores, mas os companheiros de elenco. Que havia comprometido a carreira. Poderia e provavelmente seria suspenso por dois anos.
- Dois anos longe do futebol, Jake! - gritou.
O jogador não disse nada. Não tentou se defender. Limitou-se a sussurrar que sentia muito. Nem tinha como explicar nada. Ele havia realmente cheirado cocaína dias antes da vitória sobre o Crystal Palace, em abril de 2015. Mais do que isso: estava se entupindo de remédios de uso controlado.
Nesta terça, cerca de 11 meses depois do encontro na sala de Steve Bruce, Livermore vai entrar em campo com a camisa do Hull City, mais uma vez contra o Arsenal e de novo pela Copa da Inglaterra. Vale uma vaga nas quartas de final do torneio de clubes mais antigo do mundo. O meia voltou a ser a referência da equipe. O nome mais querido entre os torcedores.
- Mesmo antes de tudo o que aconteceu, ele era quem mais gostávamos de ver em campo. Representava tudo o que desejávamos para a camisa do Hull City. Agora não é diferente - afirma Trevor Richardson, diretor do Hull City Official Supporters Club, associação oficial de torcedores da equipe.
Livermore não foi suspenso por dois anos. Nem sequer por um dia. Acabou absolvido pela Federação Inglesa, que considerou o caso uma exceção, história única no futebol britânico.
Apenas os familiares e os amigos mais próximos sabiam que ele estava lutando contra depressão. Não disse nada a ninguém do clube. Nem a Steve Bruce. Não faltou a nenhum treino sequer. Seguiu a cartilha que lhe foi ensinada nas categorias de base do Tottenham. Ser bravo, durão. Aguentar firme. Continuar em frente não importando as consequências. Nunca pedir ajuda. Em depoimento para a Federação depois do doping, confessou se sentir sem forças, em abismo que parecia não ter volta. Em uma noite que decidiu ir beber com um grupo de conhecidos, alguém lhe ofereceu cocaína.
- Dane-se! - pensou, antes de aspirar.
Dois dias após a derrota na final da Copa da Inglaterra diante do Arsenal, em maio de 2014, havia nascido Jake Júnior, o primeiro filho de Livermore com a namorada Danielle Del-Giudice. O pai estava na sala de parto. Viu o bebê nascer e o ouviu chorar. Foi a única vez.
Horas depois, a criança morreu por falta de oxigênio no cérebro e hemorragias internas. Investigação concluiu que o Portland Hospital de Londres cometeu uma série de erros fatais. Livermore leu o relatório. A morte do seu primeiro filho poderia ter sido evitada. Dias antes, o casal havia implorado para a obstetra fazer uma cesárea, mas o pedido fora recusado. Quando aceitaram, já era tarde. A médica levou 35 minutos, após o nascimento, para examinar o bebê, mesmo sabendo haver sérias preocupações quanto à saúde dele.
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"Foi um pesadelo. Um soco no estômago. Nem consigo explicar
Steve Bruce ficou devastado quando soube da verdade. Lembrou de tudo o que falou para Livermore antes de ouvir a história real.
- Foi difícil de uma forma que ninguém consegue imaginar. Foi um pesadelo, um soco no estômago. Fizemos de tudo para ajudá-lo a se reerguer. Como não percebemos que havia algo mais sério e que ele precisava de ajuda? - questiona o técnico.
Após o rebaixamento do Hull City para a Segunda Divisão, o boato era que o contrato de Livermore seria rescindido. Ele poderia até ser processado. O dono do clube, o bilionário Assem Allan apoiou publicamente seu jogador. Steve Bruce e o volante Tom Huddlestone prestaram depoimento em sua defesa na Federação.
Em troca da absolvição, Livermore ficou três meses internado em uma clínica de reabilitação. Comprometeu-se a passar por testes rotineiros durante um ano para provar estar “limpo”.
- Estou feliz que tenha retornado ao time. É um bom homem e passou por coisas que você não deseja ver ninguém passar - comemorou Assem Allam para a BBC.
- Ele voltou a ser uma peça fundamental para o time. Se voltarmos à Premier League (Primeira Divisão inglesa) será em grande parte por causa dele - assegura Richardson.
O Hull City está em terceiro na classificação, o que dá direito a disputar os playoffs por uma das vagas na elite.
Quase dois anos depois da tragédia, Jake Livermore e Danielle têm um filho e o casal apoia campanhas no Reino Unido para que qualquer morte de bebês em hospitais britânicos seja investigada pela polícia.
O LANCE! tentou entrevistar o jogador, mas ele avisou, por meio da assessoria de imprensa do Hull City, que não deseja falar sobre o assunto.
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