‘Na orquestra do Barcelona, Neymar está pronto para assumir a batuta’
Publicação do jornal 'The New York Times' ressalta poder de decisão do brasileiro: 'A tentação é sugerir que Neymar arrancou o manto de melhor do mundo de Messi'
Rory Smith - Jornalista do 'The New York Times'
"O Barcelona teve cinco minutos para jogar e um pênalti para bater. Lionel Messi, o melhor jogador do mundo, não perdeu um (pênalti) em toda a temporada. Na realidade, ele havia marcado cerca de meia hora mais cedo.
Agora, porém, Messi estava curvado na área do Paris Saint-Germain, apoiando as mãos em seus joelhos, como se estivesse retomando o fôlego. Cinco metros a seu lado, Neymar, em pé, com as mãos na cintura, aguardava pelo sinal. Sem dúvida, no momento mais crucial da temporada do Barcelona, Messi, silenciosamente, ficou de lado.
Dias depois, ainda não temos respostas definitivas do motivo pelo qual Neymar chutou aquele pênalti, ao invés de ter sido o cara que definiu a década de ouro do Barcelona. Muito provavelmente, foi uma tentativa de surpreender Kevin Trapp, goleiro do PSG. No entanto, não é improvável que Messi, jogador de enorme qualidade, tenha 'perdido os nervos' por conta da grande pressão de já ter falhado nos últimos anos.
Qualquer que seja a causa, a consequência é clara. Neymar marcou seu segundo gol em três minutos. O Camp Nou vibrou, enquanto o PSG desmoronou. Quatro minutos mais tarde, Neymar tinha a bola novamente, desta vez a 30 metros, ameaçando chutar, mas, ao contrário, levantou a bola para Sergi Roberto fazer história.
"É o melhor jogo da minha vida" Neymar disse após a histórica vitória por 6 a 1. Na verdade, não é bem assim. Apesar de ele ter sido decisivo entre os atacantes do Barcelona, ofuscando Messi, Luis Suárez e Andrés Iniesta, o brasileiro não não foi tão destrutivo como poderia ser.
Não. Ainda há outras descrições mais apropriadas: Nesses sete minutos, quando, sozinho, orquestrou a maior virada da história da UEFA Champions League, Neymar foi o mais decisivo, mais influente, mais líder que ele poderia ser. Talvez não tenha sido o seu melhor jogo, mas foi o seu jogo mais significante.
Desde que deixou o Santos, seu time no Brasil, existem duas narrativas quanto a Neymar. A primeira é endossada por ninguém menos que Pelé, que diz que ele será o herdeiro de Messi como o melhor jogador de futebol do mundo, sendo ainda o estandarte de uma futura geração.
A outra, menos agradável, é que sua reputação é bem mais produto de marketing do que resultado de seu brilhantismo. Poucos duvidam que ele é um jogador raro, de talento, claro, mas há aqueles que suspeitam que ele seja muito mais calor do que luz.
Não é difícil perceber como tal lógica se construiu. Quando ele ainda era um adolescente, muito antes de se transferir para o Barcelona, Neymar tinha um grupo de 12 pessoas trabalhando para sua 'marca', buscando contratos com patrocinadores, promovendo o que era conhecido como o 'Projeto Neymar'.
Em uma entrevista em 2011, quando perguntado qual jogador o havia inspirado, ele não escolheu Robinho, o prodígio brasileiro que foi seu herói de infância, mas David Beckham, um jogador cujo o perfil público superou suas proezas esportivas.
Neymar tinha alguns truques, é claro, do tipo de que suas habilidades fossem transformadas em milhões de highlights em vídeos no Youtube. Ele também tinha um estilo de se vestir como o uma celebridade, além dos cortes de cabelo que movimentam a máquina publicitária por trás dele. Já eram suas demonstrações de grandeza.
Mas isso era tudo estilo. Onde estava a substância? Neymar era, nas palavras de um de seus primeiro treinadores, um filhote de borboleta: pele e osso. Ele não tinha tamanho e resistência para suportar um tratamento duro, porque era um jogador de momentos maravilhosos.
Mas, essa teoria nunca realmente foi examinada da melhor forma. Ao longo de sua carreira, Neymar já esteve sob pressão. Em 2011, conquistou pelo Santos o primeiro troféu da Taça Libertadores, depois de 40 anos sem que o clube vencesse a competição. Marcou nas quartas de final, na semifinal e em um dos jogos da finais. Um menino com o nervo de ferro de um homem.
Ele também fez isso com o Brasil. Contra o Chile, na Copa do Mundo de 2014, quando os olhos de uma nação inteira estavam sobre ele, Neymar marcou o gol que levou sua seleção às quartas de final. Dois anos depois, nos Jogos Olímpicos, ele não só conduziu o Brasil para a final diante de uma pressão desumana, como disse o treinador do Brasil, como ainda marcou de pênalti e conquistou o inédito ouro olímpico.
Neymar nunca foi apenas um jogador de grandes momentos. Ele sempre foi também um jogador de grandes momentos. Tanto é que teve um papel central na noite desta última quarta-feira, quando Messi, Iniesta e Suárez pareciam ter perdido suas essências. Então, foi simplesmente o ponto em que a velha mentira estava exposta.
Teve frieza para bater o pênalti, além de ter tido a certeza de que aquele cruzamento para Roberto resultaria em gol. Neymar revelou depois que disse ao jovem meio-campista que iria ignorar a altura de Gerard Piqué e os instintos de predador de Suárez e procuraria por ele, sozinho, para executar aquele último passe.
A tentação é sugerir que Neymar arrancou o manto de melhor do mundo de Messi. Mas isso é a única coisa a ser evitada. Messi ainda não tem 30 anos e, mesmo uma estimativa conservadora, diria que ele ainda tem três ou quatro anos no melhor nível.
O Messi que se afastou da marca do pênalti não representa uma mudança de posto. Essas coisas não acontecem tão facilmente e rapidamente. Em vez disso, quer dizer que Neymar está pronto quando for preciso.
Agora que a poeira abaixou, pode-se pontuar que o Barcelona não jogou especialmente bem contra o PSG. Não foi uma daquelas performances fascinantes e irresistíveis de Messi e seus companheiros nos dias de luxo do Barcelona."