‘Simeone e o Atlético de Madrid: feitos um para o outro’
Fernando Kallás, editor-chefe do "Diario AS" da Espanha, fala sobre o crescimento dos Colchoneros desde a chegada do treinador Argentino em 2011
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Quando Diego Pablo Simeone deixou o Atlético de Madrid pela segunda vez como jogador, voltou à Argentina chorando. Para amigos e familiares, ele dizia que um dia ia voltar. Voltar ao clube onde ele dizia ter deixado um pedaço do coração. Não sei se ele imaginava que, dez anos depois, sua volta significaria uma mudança histórica no Atlético. No futebol espanhol. E, se ganhar a Champions League no próximo dia 28, ele pode mudar também o futebol europeu.
Antes da chegada do treinador argentino, classificar-se para a prestigiosa liga europeia já era motivo de festa. Perder era parte do cotidiano e aceitado como algo normal. Tão normal que não é exagero dizer que, contra o maior rival, Real Madrid, o time já entrava em campo derrotado. Menos de cinco anos depois um time em situação crítica, ameaçado pelo rebaixamento na temporada 2011/12, Simeone venceu uma Liga, uma Copa, duas Supercopas da UEFA, uma da Espanha, chegou a duas finais de Champions e acabou com o jejum de 14 anos sem vencer o Real Madrid. Tabu que caiu em pleno Santiago Bernabéu numa final de Copa del Rey.
Ex-jogador e ídolo do Atlético, Simeone sabia que seu trabalho não era apenas tático e tinha um componente psicológico enorme. Ele precisava mudar a mentalidade perdedora do clube, o complexo de coitadinho. E essa vitória contra o grande rival em 2013 teve um efeito catártico. Do dia para a noite, o Atlético superou todos os traumas e passou a aceitar o triunfo como algo esperado. Do conformismo com a derrota esse time passou a acreditar sempre que pode ganhar, com uma resiliência e sangue frio que ficaram evidentes durante a pressão sofrida contra o Bayern, no primeiro tempo da partida da volta. Aguentar, acreditar e reagir.
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Essa aura de confiança que emana do vestiário do clube começa com seu comandante, que rege a arquibancada ensandecida do Vicente Calderón como um maestro e sua orquestra. Com uma fórmula que mistura motivação, entrega e sacrifício com uma disciplina tática quase militar e um preparo físico de atleta olímpico, o Atlético de Madrid de Simeone está mostrando ao mundo que um clube de futebol pode ganhar funcionando de maneira diferente à estabelecida pelos gigantes que o rodeiam da elite europeia.
Como não pode competir com os orçamentos três, quatro ou até cinco vezes maiores, o clube madrilenho decidiu focar numa estratégia agressiva de contratações de jogadores jovens e emergentes e num projeto em curto prazo. Temporada a temporada, “jogo a jogo”, frase que o Cholo Simeone repete como um mantra em todas suas entrevistas.
Comprar na baixa, vender na alta e voltar a investir no mesmo modelo. Agüero, Forlán, Radamel Falcão, Diego Costa, De Gea, Courtois, Arda Turan, Miranda. Jogadores que em seu momento foram chave para o time, mas que cujas saídas foram esquecidas em seguida pela chegada de um novo talento que, geralmente, acaba se adaptando rápido graças ao bloco sólido formado pelos jogadores que vieram da base.
Se no começo, sobressaía a motivação e a garra, hoje ela já fica em segundo plano graças a um modelo tático onde todos defendem e atacam juntos, levando ao pé da letra o modelo de futebol total. Na defesa, os dois homens de frente pressionam a saída de bola com a mesma entrega de um volante. E o resto do time forma duas linhas de quatro tão sólidas e disciplinadas que são praticamente intransponíveis.
A posse de bola não é importante. O Atlético passou pelo Barcelona e Bayern com média inferior a 25% nesse quesito. O importante é não desperdiçar as chances com a bola no pé. O objetivo é roubar a bola e sair em velocidade, com passes curtos ou rasteiros em profundidade, explorando o perfil de seus atacantes: jogadores de baixa estatura, técnicos, ágeis, rápidos e agressivos. Um sistema defensivo, mas que por princípios não pode ser violento. A falta acaba com essa vantagem de sair no contra-ataque contra um rival descolocado.
Contra a enorme pressão do Bayern, no primeiro tempo em Munique, o time de Simeone fez apenas três faltas. Essa receita faz do Atlético o time mais efetivo da Europa. Estratégia de contratações. Fator motivacional. Preparo físico. Aplicação e disciplina tática. Pressão da arquibancada. São tantos os fatores que, somados, fazem desse Atlético uma aberração que nos últimos três anos consegue brigar de igual pra igual com a elite europeia dominada por gigantes históricos milionários e clubes emergentes anabolizados com petrodólares.
Por isso é difícil ver o modelo colchonero replicado em outro clube europeu. Ou até mesmo Simeone conseguindo implementá-lo em um clube maior ou com mais recursos. No Atlético, o argentino é um dos técnicos mais bem pagos do mundo, com um salário na casa dos 25 milhões de reais anuais. Tem poder absoluto no clube e é adorado pela torcida. As vitórias trazem prestigio e crescimento e, no ano que vem, o time inaugura o novo estádio, que promete ser um dos mais modernos do mundo. Tudo isso, numa das capitais europeias
com melhor clima e qualidade de vida.
Por isso todos os rumores que surgem sobre interesses de outros clubes são abafados imediatamente pelo próprio entorno do treinador. Profissionalmente, ele parece ser consciente de que seu projeto no clube madrilenho seria difícil de colocar em prática em outro clube. Pessoalmente, ele vê no Atlético sua imagem e semelhança. Sua ideia de como o futebol deve ser. Em campo e na arquibancada.
Quem lhe conhece não lhe vê em um Chelsea, PSG ou Manchester United. Talvez na Inter de Milão, onde também foi ídolo, mas não nesse momento. Simeone não quer apenas fazer história. Ele quer fazer história no Atlético de Madrid. E durante muitos anos.
*Fernando Kallás é editor-chefe do "Diario AS" da Espanha
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