ANÁLISE – Clássico agora é o Flamengo ganhar do Vasco; como reverter?
Histórico recente mostra que o confronto está muito desigual
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Ganhar ou perder clássicos é do jogo, por mais que o resultado de partidas entre rivais históricos tenha um peso diferente, sobretudo entre os torcedores envolvidos. O que não é do jogo são discrepâncias: um time amassando o outro, uma goleada ou uma sequência muito grande de invencibilidade. E o que acontece no “Clássico dos Milhões” (alguém ainda chama assim?) entre Flamengo e Vasco. É uma dessas coisas fora da curva, porque o histórico recente mostra que o confronto, no momento, está muito desigual.
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A vitória do Flamengo sobre o Vasco no sábado (15), pela 10ª rodada do Campeonato Carioca, marcou o oitavo jogo de invencibilidade do rubro-negro no confronto. Até aí, uma estatística dentro do razoável. O problema é que, se pegarmos um recorte maior, o Cruz-maltino conseguiu superar o maior rival apenas duas vezes nos últimos 30 jogos. A última delas foi há 718 dias, quando ganhou por 1 a 0, também em partida válida pelo Estadual.
Chama a atenção que, antes de ver o Flamengo se tornar senhor do confronto, era o Vasco que exercia soberania no clássico. Nos anos de 2015 e 2016, as equipes se enfrentaram nove vezes, com sete vitórias vascaínas e dois empates.
Foi a partir daí que a gangorra começou a inverter, primeiramente de maneira gradual. Nos dez jogos que se seguiram, foram oito empates e duas vitórias rubro-negras — e ambas por 1 a 0, numa demonstração inequívoca de que o confronto era, como devem ser os clássicos, sem um grande favorito.
Aí surge aquele ponto de virada que parece marcar a história recente do Flamengo: o ano de 2019. O time bateu o Vasco por 2 a 0 nas duas finais do Campeonato Carioca e passou a exercer o domínio que se mantém até hoje.
Ter 2019 como o ano que marca o início desse domínio rubro-negro sobre o rival não é mera obra do acaso, mas, sim, consequência natural. Há um livro famoso cujo título é “A bola não entra por acaso”. Vencer no campo demanda, antes de tudo, oferecer condições adequadas fora dele.
O Flamengo quase foi parar na Série B em 2013, e foi aí que seus cartolas se deram conta de que era preciso se reestruturar como clube. Passou os cinco anos seguintes pagando contas, reformulando a estrutura de futebol e contratando jogadores que pudesse pagar. Os dirigentes daquele período foram, com o perdão do trocadilho, diligentes.
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O Vasco, por sua vez, conviveu três vezes com a Série B de 2013 para cá. E, no último desses casos, com um agravante: a queda vertiginosa de receitas. Até 2016, clubes da Série A que caíam mantinham o direito à verba de TV no ano seguinte. Desde então, não fizeram jus nem mesmo à premiação da CBF e precisaram se adequar a valores muito menores.
Mas três quedas num período de menos de uma década não foram capazes de fazer seus cartolas irem à raiz do problema. Entra dirigente, sai dirigente, e a preocupação no Vasco é sempre com o amanhã, nunca com o ano que vem. Tudo é apressado. O clube se transformou numa SAF em setembro de 2022 e, passados dois anos e meio, não tem nada que o torcedor possa olhar e dizer “isso só foi possível por causa do investidor”. Para não dizer nada, talvez as contratações que mais inflamaram a torcida: Payet e Coutinho, mas cujas lesões parecem ser mais frequentes do que uma sequência de boas atuações.
O resultado disso tudo é que, quando Vasco e Flamengo se encontram para um dos clássicos mais tradicionais do País, a comparação entre jogadores posição por posição ficou completamente desproporcional. E o resultado fica escancarado nas estatísticas.
Pitaco do Guffo: pra ter rivalidade, precisa de um rival
Já de entrada peço desculpas pela redundância do título, mas o óbvio, às vezes, precisa ser dito. Mesmo sendo ele ululante. E a realidade é que o Vasco vem deixando de ser um rival em campo para o Flamengo há muitos anos. E não adianta a gente falar da rivalidade por si só, se o time não corresponde com ela.
Deixa eu trazer alguns exemplos estrangeiros para ilustrar melhor a polêmica. O grande rival do Manchester United na Inglaterra sempre foi o Liverpool. São duas potências que nunca deixaram de rivalizar à mesma altura, mesmo sendo de cidades diferentes. O Manchester City queria ser o grande rival do time vermelho da sua cidade, mas os Red Devils nunca olharam para os Citizens dessa forma.
Foi a partir da compra do City pelo Abu Dhabi Group, a chegada de Guardiola e a sequência de grandes conquistas que colocou o time azul de Manchester na mesma prateleira do vermelho. Hoje, aquela rivalidade latente unilateral, já pode ser considerada “um clássico".
Na Espanha, Real Madrid e Barcelona sempre rivalizaram na mesma altura por N questões sócio políticas e geográficas que terminaram construindo o DNA do futebol espanhol. Mas existem nas suas cidades, clubes que já tiveram em algum momento do passado a pecha de “grande rival” e que hoje não representam mais isso.
Em Barcelona, o Espanyol vive a síndrome do Manchester City: ele vê o Barça como o grande rival, mas o olhar não é mútuo. Durante décadas (a gestão Gil y Gil), o Atlético de Madrid conseguiu se transformar em grande rival do time merengue. Mas foi apenas o ex-presidente histórico sair de cena, que o Atleti virou um clube menor. Conseguiu retomar depois que Simeone virou técnico, e hoje podemos dizer que há rivalidade parelha na capital espanhola.
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Não há como falar do Vasco sem relembrar o ex-presidente Eurico Miranda, controverso e polêmico. Eurico se comportava como dono do clube, e tinha relacionamentos que davam ao Vasco muitas vantagens em termos de negociações de atletas e de arrecadação. O que ele fez com o patrocínio do SBT na camisa da final do Brasileirão de 2000, em janeiro de 2001, é case de marketing em qualquer faculdade do Brasil. Uma visão das coisas que funcionavam na época, mas que no futebol atual não funciona.
Não há como analisar o atual Vasco da Gama sem também saber que foi o clube que mais trocou de treinadores entre os times da Série A nos últimos 25 anos. Em um contexto brasileiro, onde nosso mercado é um moedor de técnicos, não é tão agravante como seria em outro mercado. Mas sem dúvidas isso contribuiu pra gangorra que hoje coloca o Vasco como um time sem aspirações maiores.
Por isso, ao analisar o time do Fábio Carille contra o Flamengo, se chega à compreensão que não se trata apenas de problemas referentes a um trabalho pontual em 2025. O torcedor anseia por enfrentar aquele que ele considera seu maior rival. Mas do outro lado, a rivalidade começa a diminuir (como aconteceu em Madri, por exemplo).
O abuso das bolas longas; a saída de bola com Hugo Moura e Matheus Carvalho; a falta de intensidade na pressão defensiva; o avanço dos laterais e a criação de amplitude; a centralização de Zuccarello, Tche Tche e Coutinho; tudo isso poderia fazer parte de mais uma análise tática normal, em um contexto diferente.
E a questão que faz do Vasco da Gama hoje não ser mais o mesmo rival do Flamengo tem muito mais a ver com o contexto histórico que o clube está inserido nos últimos 40 anos. E isso não se muda com uma boa atuação ou uma vitória apenas. Mesmo que ela seja no Clássico dos Milhões.
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