O contestador Autuori sobre o futebol brasileiro: ‘Quero fazer a minha parte’
Crítico do atual modelo de gestão da CBF, técnico fala sobre carreira, futuro no Furacão e sobre perspectivas do esporte no país<br>
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– Eles pensam que somos otários.
A frase é de Paulo Autuori, um mês atrás, sobre a manobra da CBF para manter os clubes sem poder de decisão na entidade. Contestador, sem papas na língua, insatisfeito com os rumos do futebol brasileiro. Assim, em poucas palavras, o treinador do Atlético Paranaense pode ser definido. Aos 60 anos, com passagem por clubes e seleções dos quatro cantos do planeta, ele recebeu o L! para uma hora de conversa no CT do Caju, há duas semanas.
Para entender o Autuori versão 2017 é preciso voltar no tempo, contextualizar origens, conhecer mentores e entender as influências. Ele deixou o país pela primeira vez em 1986 rumo ao Vitória de Guimarães, de Portugal, para ser auxiliar de Marinho Peres, titular da Seleção na Copa de 1974. Tinha uma década na profissão, após uma poliomielite impedir que a carreira como jogador prosperasse. Passou então uma década na Europa. Durante as paradas do campeonato para jogos entre seleções, o carioca saía pelo continente para aprender. Inglaterra, Alemanha, França, Espanha e até a antiga Tchecoslováquia fizeram parte do roteiro de aprendizado do treinador. Por intermédio de Marinho, que jogou no Barcelona com Cruyff, teve até a oportunidade de conhecer até Rinus Michels, o criador do futebol total da Laranja Mecânica. A chance de retornar para o Brasil aconteceu em 1995, no Botafogo e, de cara, ele conquistou o título brasileiro de 1995. Dali em diante a carreira ganhou destaque nacional. Dois anos depois, ganhou a Libertadores com o Cruzeiro e mais uma vez mudou de patamar, sem abandonar as convicções. Pediu demissão no dia seguinte por divergências com a diretoria, mesmo sabendo que teria o Mundial para disputar.
– Nunca me prendi a clube algum, pois sei bem a realidade.
O desejo de aprender e a insatisfação com o “modus operandi” do futebol brasileiro fizeram com que ele aceitasse convites das seleções do Peru e do Qatar, além de passagem pelo futebol japonês. Com tamanha bagagem, Autuori transita por vários assuntos com autoridade e convicção.
LANCE!: Como o início da sua carreira explica o momento atual?
PAULO AUTUORI: Se eu estivesse trabalhando em outro segmento profissional tomaria a mesma decisão. Minha opção foi sair do Brasil para crescer, primeiramente pelas questões pessoais. Desde que tive a oportunidade optei por isso. Saí em 1986, mas havia começado no futebol em 75. Não queria ser técnico, mas acabei me tornando cedo, por causa do Marinho. Fui como auxiliar dele para o Vitória de Guimarães e fizemos uma campanha histórica. Marinho taticamente sempre foi muito evoluído, desde a Copa de 74 até a passagem pelo Barcelona, treinado pelo Rinus Michels, tendo jogado com Cruyff e Neskeens. Ele me dava a oportunidade de trabalhar a parte técnica, pois não gostava muito. Aprendi muito com ele.
L!: Você não se sente frustrado por ver o futuro sem perspectivas do futebol brasileiro?
PA: Não gosto e não uso a palavra frustrar. Eu só vou me considerar um cara frustrado quando der meu último suspiro e pensar: “Putz, deixei de fazer isso”. Enquanto tenho vida posso fazer tudo. Se vou ter sucesso é outra história. O que me decepciona é a conjuntura do futebol brasileiro. Não vejo melhora nenhuma. Não consigo analisar futebol hoje sem as vertentes sociais, pedagógicas, antropológicas e filosóficas. Principalmente a antropologia. Se você não entender isso é muito complicado analisar o futebol, pois ele é feito de pessoas. Essa visão simplista, da qual eu fujo: “Ganhou é o melhor. Perdeu é o pior. Está mal tira”. Não tem lógica em nada. Estou longe disso. Vou fazer 61 anos e desde que eu conheço por gente escuto falar que os governantes vão apostar na educação. Na prática não se vê. Antes nós estudávamos para entrar nos colégios públicos. Os colégios particulares eram o PPP: papai pagou passou. Ninguém queria isso. Hoje eu vejo uma atitude completamente mercantilista. Vejo as famílias empurrando a responsabilidade de educar os filhos para os colégios, já que está pagando. O futebol também sofre com isso. Se você colocar o futebol numa redoma, fora da realidade, é um mundo à parte. Mas ele é feito de pessoas. Portanto os maus hábitos vêm da sociedade. Por exemplo, você vê jovens batendo em professor em sala de aula. Acha que esse sujeito vai respeitar o treinador das categorias menores? É utopia.
L!: Recentemente você foi um dos únicos a criticar a manobra da CBF. Não se sente quase sozinho, já que poucos têm coragem de um posicionamento?
PA: Não julgo ninguém. Quero fazer a minha parte. São 42 anos de futebol e tenho o mínimo de autoridade para falar, tenho parâmetros. Pouca gente usa os parâmetros e muitos tem pois viveram fora, tem como comparar realidades. Se alguns companheiros, com independência financeira, econômica e moral para fazê-lo e não fazem, eu não tenho como julgar. Minha parte vou fazer. É um absurdo o que acontece atualmente no Brasil.
L!: Então você não vê saída?
PA: Sou cético, pessimista não. Você vê a tentativa de alguns clubes, que se reuniram em São Paulo: Atlético Paranaense, Coritiba, Atlético Mineiro, Flamengo, Fluminense. Não deu em nada, pois os paulistas não apareceram. São nichos de interesse, cada um pensa no seu. Tem algo que me deixa indignado e isso também transcende ao futebol, pois é cultural mesmo. Você quer crescer enfraquecendo seus oponentes. Isso para mim é mediocridade. Quem tem poder contrata muito para o jogador em questão não acabar no seu adversário. Isso aconteceu no ano passado de forma clara. Isso aconteceu no ano passado de forma clara. O Leicester foi campeão na temporada passada na Inglaterra e, como recebe da televisão também pelos méritos, mas respeitando a tradição dos grandes na proporcionalidade, pôde ir ao mercado e buscar jogadores na Espanha, na Itália. Aqui isso é impensável, primeiramente pela distribuição dos direitos e também por essa ideia clara de que eu quero ser o melhor de qualquer forma. Isso me desanima demais.
L!: No fim do ano passado, você disse que o Atlético Paranaense será seu último clube no Brasil.
PA: Estou há um ano aqui. Em alguns clubes eu saí pois não senti segurança. O futebol, como diz um amigo meu, é generoso, porque ele permite tudo, não é só o melhor que ganha. Dentro dessa ideia, quando falei que seria meu último clube, é que eu queria mudar de função. Aqui é tudo muito bom. Muitos clubes têm grandes estruturas. Mas aqui se faz uma visão sistêmica do todo. Eu só vejo a vida assim. Aqui existe uma lógica. O aspecto infraestrutural é de altíssimo nível, existe a questão organizacional, mas tem uma coisa fundamental: a metodológica. Para mim não dá para analisar futebol sem isso, não dá para fazer futebol sem ter esse olhar profundo. O clube tem essas ideias, a lógica, todo o processo pedagógico... Combato muito, por exemplo, colocar uma grande ideia numa base podre. Não tem como florescer, pois o ambiente não permite. Aqui é diferente.
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