Com a palavra: Luiz Fernando Gomes
Jornalista relembra único encontro com ex-presidente do Barcelona
"Encontrei pessoalmente com Sandro Rosell uma única vez. Foi numa saborosa cantina italiana no bairro da Boca, em Buenos Aires, junto com um grupo de amigos brasileiros, argentinos e alguns espanhóis, ou melhor, catalães como ele. Sandro, que deixara de ser vice-presidente do Barcelona, já sonhava em comandar o clube e trabalhava politicamente para isso. Respirava futebol, especialmente os bastidores do futebol e este, como não poderia deixar de ser, foi o tema dominante na mesa daquele jantar.
Sandro fala português com fluência. Sempre esteve muito próximo do Brasil, primeiro pelas relações pessoais, depois, ainda mais fortemente, pelos negócios, quando assumiu o comando da Nike em 1999. É daquelas pessoas meio Paulo Maluf: quem começa uma conversa com ele precisa saber bem com quem está falando. Ou vai ser convencido pelo papo solto e a pose – ou a cara de pau - de que trata-se de um vestal, incapaz de fazer mal a uma mosquinha sequer.
Argumento, ele tem para tudo. Entre massas e vinhos, passou a noite defendendo o amigo e compadre Ricardo Teixeira, em um embate por vezes duro e até exaltado com os brasileiros do grupo. Teixeira – com quem já havia fechado o polêmico contrato da Nike que acabou em uma CPI no Congresso, e de quem já recebera direitos de negociar jogos da Seleção – era um injustiçado. Uma vítima da mídia que não reconhecia o dirigente vitorioso, que recuperou o prestígio do futebol brasileiro ao redor do mundo, que transformou a CBF numa entidade lucrativa e respeitada, atraindo patrocinadores. Era, nas palavras de Sandro, quase que um modelo de boa gestão, eficiência e modernidade.
Foi difícil digerir. Mas, como bom político que é, mudava para assuntos menos áridos e polêmicos quando a conversa ameaçava sair de controle. Comentava sobre a moça bonita que entrou no restaurante, falava de vinhos, charutos e das delícias de Barcelona. Trocava a pele de lobo pela de cordeiro, a arrogância de um déspota pelo afago de um lorde.
De lá para cá, passei a acompanhar a trajetória de Sandro Rossel não mais nas páginas de esporte, mas no noticiário policial. O superfaturamento do jogo da Seleção em Brasília, a transferência nunca explicada de 1,7 milhão de euros para a conta da filha de 11 anos do amigo Teixeira. Quando surgiram as suspeitas sobre a contratação de Neymar pelo Barça, foi impossível não lembrar daquela noite. E foi difícil acreditar na idoneidade que, antes da ação incisiva do ministério público espanhol, ele tentava demonstrar, relutando inclusive em renunciar à presidência do clube, apesar das pressões que já sofria e sob as quais acabou sucumbindo."