O paulista Guilherme Boulos é um forte crítico do panorama esportivo nacional. Ele aponta a necessidade de o Brasil popularizar o acesso ao esporte, tanto na prática de exercícios quanto na ocupação de estádios e arenas. Candidato à Presidência pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o historiador vê o país longe de desenvolver plenamente seu potencial no setor.
Na quarta entrevista da série do LANCE! com os postulantes ao Planalto, o político disse que, se eleito, será preciso “abrir a caixa-preta” da CBF e retirar o Estado de esquemas de cartolagem com os clubes.
A publicação das entrevistas é feita em ordem alfabética. A próxima será com Henrique Meirelles, do MDB.
LANCE!: Quais são os seus planos para desenvolver o esporte no Brasil, tanto de base quanto de alto rendimento?
Guilherme Boulos: Hoje, mais da metade do orçamento da União destinado ao esporte é gasto em renúncias fiscais e desonerações a empresas, clubes, federações e comitês. O Estado submete sua política esportiva aos interesses privados, que acabam decidindo onde e em quê se investe. Isso faz com que os programas alcancem apenas 5% dos praticantes de esporte do país, deixando 95% sem nada.
Em nosso governo, não vamos mais transferir recursos dos cofres públicos para grupos privados e sim investir diretamente em programas e equipamentos para a população, garantindo o direito de acesso ao lazer e ao esporte como previsto na Constituição.
Para isso, vamos investir em diversos pontos. Um deles, construir, revitalizar e requalificar equipamentos públicos de esporte e lazer, que além de insuficientes, estão sucateados. Também, programas esportivos com fins educacionais gratuitos e dentro das escolas, além de políticas específicas para mulheres, população LGBTI, terceira idade, indígenas e pessoas com necessidades especiais.
A verdade é que o esporte de alto rendimento e os nossos atletas não podem continuar à mercê de investimentos pontuais e ocasionais. Daí surge a necessidade de criar um programa nacional de desenvolvimento esportivo, abraçando as esferas municipal e estadual e que prevê metas de médio e longo prazo com a ampliação do Bolsa Atleta.
A edição da Medida Provisória 846 assegurou aumento dos recursos das loterias para o esporte após uma grande mobilização do setor, insatisfeito com os cortes que a MP 841 causaria, devido ao plano do governo federal de priorizar a segurança pública. Se eleito, o senhor pretende mexer na distribuição dessas verbas destinadas ao esporte? Se sim, de que formas?
A questão que se coloca nesse caso não pode ser analisada separada de um projeto nacional para o esporte no Brasil. Os recursos provenientes das loterias devem ser investidos em programas de excelência esportiva e de esporte e lazer para a população e não para socorrer gestões desastrosas de clubes e entidades, como acontece hoje.
O recebimento de recursos de fontes extra-orçamentárias deve estar vinculado a contrapartidas sociais. Vamos criar o programa de ingressos sociais para que os estádios voltem a ficar acessíveis à população. Nos últimos 10 anos, o valor médio da entrada subiu 300%.
Também está no plano desenvolver programas inclusivos nos equipamentos
públicos para todas as faixas etárias, com especial atenção à mulheres, terceira idade, população LGBTI, pessoas com necessidades especiais.
Em tempos de recessão econômica, como é possível evitar que o país caia em um declínio esportivo? Pretende manter o padrão brasileiro atual de investimentos no esporte?
A realidade é que o potencial esportivo brasileiro nunca se desenvolveu em sua plenitude. Com exceção do futebol, nossas conquistas são pontuais e conjunturais. Os atletas e treinadores sabem dessa dura realidade. Até hoje, não existe uma política nacional de esporte e lazer estruturada.
O Estado permitiu que o setor privado definisse a prioridade da promoção esportiva e tudo isso sem controle ou participação alguma da sociedade. É muito semelhante ao que vemos na saúde, na educação: gasta-se mais com renúncias fiscais e desonerações para salvar empresas, clubes e federações, e privilegia-se fontes extra-orçamentárias, como patrocínios de estatais e repasses sobre recursos da loteria.
"A verdade é que o potencial esportivo brasileiro nunca se desenvolveu em sua plenitude. Com exceção do futebol, nossas conquistas são pontuais e conjunturais."
Nós queremos mudar esse padrão e fazer com que o dinheiro seja investido em programas de médio e longo prazo para esportes de alto rendimento, mas também em equipamentos públicos esportivos e de lazer para a população. Se mais brasileiros tiverem acesso ao esporte, formaremos mais atletas.
Uma proposta é concentrar a renúncia fiscal em projetos que sejam do interesse da sociedade e não de patrocinadores e dirigentes, destinando recursos extra-orçamentários de empresas estatais para a garantia do esporte e lazer como direito e para a iniciação e a excelência esportiva. Vamos constituir também um fundo público para esporte e lazer, descentralizado e com acompanhamento da sociedade civil, através da inclusão em
práticas de orçamento participativo para a utilização dos recursos.
A CBF esteve envolvida nos últimos anos em uma série de escândalos de gestão. Ex-dirigentes já foram banidos do futebol e até presos. Que avaliação faz da atual diretoria? O governo deve intervir na gestão do futebol e da entidade? Se sim, de que forma?
É preciso auditar as contas da CBF e abrir a caixa-preta da instituição. As trajetórias de seus últimos presidentes mostram um padrão de denúncias por corrupção, improbidade administrativa e lavagem de dinheiro, além de relações diretas com o período da ditadura militar.
Não dá para ficar assim. O Estado não pode participar dessa política de cartolagem entre clubes e CBF com os mesmos de sempre. Vamos estabelecer instrumentos para fomentar a democratização dos clubes, federações e CBF, criando condições para que os torcedores também participem do jogo decisório.
O que acha da atuação do Ministério do Esporte? Pretende manter o investimento em planos de incentivo direto aos atletas, como o Bolsa Atleta?
Vamos transformar o Ministério do Esporte em Ministério do Esporte e Lazer para fazer valer o que está em nossa Constituição: o direito universal de acesso ao esporte e lazer. Hoje, nossa política nacional se tornou espaço de manutenção de privilégios com ingerência dos grandes cartolas do esporte.
"O Estado não pode participar dessa política de cartolagem entre clubes e CBF com os mesmos de sempre"
Em nosso governo, vamos criar instrumentos de debate e formulação de políticas públicas para que o povo tenha voz. O caminho também passa por democratizar e fortalecer o Conselho Nacional de Esporte, com maior representatividade da sociedade com cunho consultivo e deliberativo. É necessário estabelecer mecanismos de monitoramento e avaliação das Políticas de Esporte e Lazer, garantindo transparência e controle social.
Finalmente, precisamos fomentar a constituição de Conselhos Comunitários para a gestão dos equipamentos públicos de esporte e lazer construídos, revitalizados e qualificados nas cidades. Além de outras medidas de controle e transparência.
Quanto ao Bolsa Atleta, entendemos que os investimentos no esporte de alto rendimento não podem se concentrar em subsídios e renúncias fiscais aos clubes e federações de futebol. O apoio direto a atletas não pode ser ocasional e pontual, mas vinculado a um programa nacional de desenvolvimento esportivo, englobando diversas modalidades e planos de curto, médio e longo prazo.
Em um eventual governo seu, o Ministério do Esporte ficará a cargo de uma
pessoa com forte conhecimento sobre o assunto ou utilizada em barganha?
Nossa candidatura tem o compromisso de acabar com o balcão de negócios que virou a política institucional brasileira. Troca-se cargos por votos no Congresso e financiamento de campanha por políticas. Nosso governo será pautado por propostas e ideais, construídas com a participação da sociedade por meio de referendos, plebiscitos e conselhos.
Em lugar de barganha política, vamos estabelecer uma estrutura participativa e colaborativa de proposição de projetos que permita ao Ministério ser municiado por diagnósticos permanentes de esporte e lazer em âmbitos nacional, estadual e municipal e democratizar o Conselho Nacional de Esporte com maior representatividade da sociedade com cunho consultivo e deliberativo.
O governo federal é responsável pela gestão de boa parte das instalações
utilizadas nos Jogos Rio-2016, por meio da Autoridade de Governança do Legado Olímpico (AGLO). Como pretende administrá-las e que medidas tomará para que a população e os atletas do país usufruam do legado do megaevento? A AGLO será mantida caso seja eleito?
Os megaeventos foram construídos com muita violação de direitos. Além de excluída do processo, a população viu recursos dos cofres públicos sendo escoados para empresas privadas em obras milionárias que não atendem às suas necessidades. O maior legado que podemos deixar é inverter tudo aquilo que foi feito na Copa e Olimpíadas com a tomada desses equipamentos para uso popular.
Assim, esses espaços serão utilizados em projetos de esporte e lazer para a população de forma geral além de programas para práticas de alto rendimento. Também vamos democratizar sua gestão com a instalação de conselhos comunitários que possam deliberar sobre sua utilização.
Quais são seus planos para evitar que o legado da Copa do Mundo de 2014 seja abandonado?
O legado da Copa de 2014 é nefasto. Além da derrota nos campos, o processo de arenização de nossos estádios não significou apenas desperdício de recursos públicos e sua transferência para grandes empresas, mas também ingressos mais caros que excluem setores populares do futebol.
O que de melhor se pode fazer com o legado da Copa de 2014 é repensar o futebol brasileiro em suas estruturas e reverter seus equívocos. Nossas principais medidas são:
- Fomentar o processo de democratização dos clubes, federações e da CBF;
- Exigir a cota de ingressos sociais para todos os clubes que se beneficiam de recursos públicos e renúncias fiscais.
- Promover a discussão sobre a reforma do calendário do futebol brasileiro e da organização de seus campeonatos estaduais, regionais e nacionais;
- Criar a Lei Prata da Casa: uma taxa decrescente (a ser definida) para as transferências internacionais de jogadores até 23 anos, forma legal para interferir no êxodo dos jovens atletas e proteger os clubes de formação, garantindo maior qualidade técnica para o futebol disputado no país.
- Revisar o Estatuto do Torcedor, para reverter a criminalização dos torcedores, coibir manifestações preconceituosas racistas, homofóbicas, regionais e sexistas e garantir os horários de realização das partidas adequados aos interesses dos setores populares;
- Defender a regulamentação da negociação coletiva e centralizada da venda dos direitos de transmissão televisiva e da distribuição dos pagamentos.
O governo brasileiro vem "socorrendo" clubes financeiramente em medidas como o Profut. O que acha do programa? O seu governo dar suporte aos clubes do país? De que formas?
O refinanciamento das dívidas dos clubes permitiu a captação de recursos para a fomentação das categorias de base por meio da Lei de Incentivo ao Esporte, de patrocínio de empresas estatais e também de legislação específica de refinanciamento das dívidas.
No entanto, a sociedade não recebe contrapartida dessas ações. Aliás, as mudanças requeridas pelo PROFUT, de democratização da gestão e mais transparência e eficiência nas contas dos clubes são constantemente burladas e tornaram-se objeto de questionamentos jurídicos.
Nosso programa pretende redefinir os gastos tributários, com a diminuição progressiva do volume de recursos que não transitam pelo orçamento, inclusive a Lei de Incentivo do Esporte e concentrar a renúncia fiscal em projetos do interesse da sociedade e não dos interesses de patrocinadores e dirigentes dos clubes.
A partir de 2019, clubes que não tiverem um plantel de futebol feminino não
poderão disputar a Libertadores. Acha que essa medida é um incentivo eficaz para o desenvolvimento da modalidade no país? Em um eventual governo seu, os esportes olímpicos e o futebol feminino terão alguma atenção?
Apesar de provocar algum efeito, essa ainda é uma medida paliativa. O futebol feminino não pode ser incentivado como uma compensação vinculada ao futebol masculino. Muito pelo contrário: o Estado precisa fornecer apoio institucional e incentivos a essa prática que permanece relegada e cercada de proibições e preconceitos.
Nosso programa prevê a criação de centros de formação e treinamento específicos para o futebol feminino em equipamentos públicos, como por exemplo o Pacaembu, que vão funcionar também como praça esportiva para seus torneios.
"O futebol feminino não pode ser incentivado como uma compensação vinculada ao futebol masculino."
Além disso, os programas públicos de esporte e lazer terão como meta e preocupação a inclusão de mulheres e da população LGBTI para, não apenas incentivar a prática esportiva entre esses grupos, como também reverter práticas de opressão tão presentes nos esportes.
Tanto os esportes olímpicos quanto os paraolímpicos devem ter incentivo especial vinculados a programas e projetos desenvolvidos por uma Política Nacional de Esporte e Lazer estabelecidos no interior do Sistema Nacional de Esporte e Lazer.
QUEM É ELE
Nome completo: Guilherme Castro Boulos (PSOL)
Vice: Sônia Guajajara (PSOL)
Data de nascimento: 19/06/1982 - São Paulo (SP)
Coligação: Sem Medo de Mudar o Brasil: PSOL - PCB
Ocupação declarada: Historiador
Valor em bens declarados: R$ 15.416,00
NO ESPORTE
Time de coração: Corinthians
Ídolo no esporte: Sócrates