Identidade, dívidas e investimento: os impactos do marco legal do clube-empresa para o futebol brasileiro
Projeto de lei que possibilita transformaçao dos clubes em empresa foi aprovado pela Câmara e irá à sanção do presidente Jair Bolsonaro. Entenda o impacto da nova legislação<br>
- Matéria
- Mais Notícias
A Câmara dos Deputados aprovou na quarta-feira (14) o Projeto de Lei que permite a transformação dos clubes de futebol brasileiros em empresas. O texto estabelece as regras para que as agremiações que optarem por esse modelo de gestão possam deixar a condição de associações civis sem fins lucativos para se tornarem Sociedade Anônima de Futebol (SAF).
Com a nomenclatura de Marco Legal do Clube-empresa, o projeto é de autoria do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e foi primeiramente aprovado pelos senadores. Agora, ele irá à sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro.
A transformação dos clubes em empresas tem como objetivos atrair mais investidores e garantir maior transparência na gestão. Há também a expectativa de que exista um melhor gerenciamento de dívidas, especialmente as que possuem um caráter social, como as trabalhistas.
+ GALERIA: veja como anda a disputa pela audiência entre Globo e SBT
Relacionadas
Segundo o advogado especializado em direito esportivo, Eduardo Carlezzo, o Projeto de Lei é abrangente e engloba todos os aspectos para a transformação dos clubes em empresas.
- A possibilidade de equacionamento das dívidas é um ponto alto, já que é algo bastante importante hoje no futebol nacional, e são estabelecidos vários instrumentos para isso.
Quando o assunto “clube-empresa” é debatido entre os torcedores, um dos pontos que vem à tona é a possibilidade do clube do coração perder a identidade, ou sofrer mudanças radicais, como alteração do símbolo, cores tradicionais, entre outros, por conta da chegada de investidores. Carlezzo entende que essa dúvida não é motivo para assustar as torcidas.
+ Conheça o aplicativo de resultados do LANCE!
- O Projeto de Lei estabelece que a Sociedade Anônima do Futebol vai suceder o clube com relação à marca, imagem, cores, etc. A partir do momento em que isso é transferido para a empresa, as eventuais mudanças dependerão sempre do consentimento da antiga associação. Portanto, há uma proteção de, caso no dia de amanhã, um investidor que seja dono da SAF resolva fazer estas mudanças - esclareceu o especialista.
Na mesma linha de pensamento, Pedro Trengrouse, advogado especialista em gestão esportiva da Fundação Getúlio Vargas, define o clube-empresa como um caminho para mais investimento e melhor gestão.
- Ambos são fundamentais para o desenvolvimento do futebol profissional. Como em qualquer empresa, o patrimônio investido pelos sócios responde pelas falhas da gestão. Esse é o maior incentivo para eficiência - disse Trengrouse, antes de finalizar:
- O clube pode pensar em abrir capital e atrair investimentos com segurança jurídica, enquanto clubes associativos têm muita dificuldade para planejamento de médio e longo prazo pela instabilidade de eleições periódicas em que compromissos da gestão anterior muitas vezes são descumpridos sem nenhuma grande consequência, além do aumento da fila de credores.
De acordo com um estudo elaborado pela consultoria Ernst & Young, 96% das 202 equipes da primeira e segunda divisões da Alemanha, Espanha, França, Inglaterra e Itália são entidades privadas.
EXEMPLOS NO BRASIL
Apesar desse modelo de gestão estar consolidado nas principais ligas europeias, o Brasil ainda engatinha nesse aspecto. Dos 40 clubes que compõem a primeira e segunda divisões do Campeonato Brasileiro, apenas dois possuem formato empresarial: Cuiabá e RB Bragantino. O vice-presidente do Cuiabá, Cristiano Dresch, exalta as principais vantagens da gestão de um clube nos moldes empresariais.
- É menos burocrática na tomada de decisões e mais cuidadosa e responsável com os próprios gastos. O clube-empresa tem um dono e ele vai responder diretamente pelos prejuízos caso o clube venha a ter.
+ Confira a tabela completa da Série A do Brasileirão 2021
A família Dresch comprou a agremiação em 2009 e, desde então, administra o clube municiada pelos investimentos da Drebor, fabricante de material utilizado por recapeadores de pneus, que foi fundada há pouco mais de 30 anos. Cristiano e seu irmão, Alessandro Dresch, são os responsáveis pela gestão das áreas administrativas e de futebol do Cuiabá. Todo o investimento feito ao longo desses anos trouxe resultados expressivos dentro das quatro linhas.
Graças à boa campanha do Cuiabá na Série B de 2020, terminando na quarta colocação, o estado do Mato-Grosso voltou a ter um representante na elite do futebol brasileiro depois de 35 anos. Além desse feito histórico, a equipe também consolidou uma hegemonia em nível estadual: conquistou oito títulos dos últimos nove campeonatos mato-grossenses. Para Cristiano, o próximo passo do clube é a permanência na elite do futebol brasileiro.
- Sabemos que o primeiro ano é o mais difícil. A gente não espera nada além de uma grande dificuldade. O nosso plano é fazer uma boa campanha e permanecer na elite, se isso se concretizar, será o maior feito da história do Cuiabá - declarou o vice-presidente.
Outro exemplo de Projeto S.A no Brasil é o Botafogo-SP, que há três anos se tornou clube-empresa e atualmente atua na Série C do Brasileirão. Desde 2018, o futebol botafoguense é administrado 60% pelo próprio clube e 40% pela Trex Holding, empresa de investimentos comandada por Adalberto Baptista.
- Tenho absoluta certeza de que a saída para os clubes vai ser a profissionalização e a transformação em uma empresa, como já foi feito aqui. Os insucessos dentro de campo podem acontecer com ou sem S/A, não é isso que vai caracterizar o desempenho em determinada competição. Mas é isso que pode, sim, estipular uma vida mais saudável e estável a médio e longo prazo, é o que batemos na tecla - afirmou o presidente do Conselho de Administração da S/A, Adalberto Baptista.
Desde o início do Projeto, a construção da Arena Eurobike, espaço para 15 mil pessoas, dentro do estádio Santa Cruz, foi uma das principais conquistas patrimoniais e pensada justamente para atrair mais recursos. Em março e maio de 2020, estavam previstos quatro grandes shows internacionais e um infantil, mas todos foram cancelados em razão da Covid-19.
Em outros clubes brasileiros, também é discutido o processo de transição do tradicional modelo associativo para o de um clube-empresa, como é o caso do América-MG. Marcos Salum, ex-presidente do Coelho, hoje ocupa o cargo de coordenador de futebol clube-empresa da equipe mineira. Na proposta do América, a associação continua existindo, mas deixa de ser responsável pela parte do futebol, uma vez que o controle passará para as mãos da empresa.
Mais lidas
Newsletter do Lance!
O melhor do esporte na sua manhã!- Matéria
- Mais Notícias