Luiz Gomes: ‘Quem defende a democracia tem direito de ir à rua com a camisa da Seleção’
'Não dá para aceitar passivamente que o direito de todo cidadão brasileiro sair à rua com a camisa da Seleção Brasileira ou as cores do Brasil seja usurpado por um grupo político'
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Que fique claro: quem transformou o amarelo num símbolo nacional, quase tão importante e solene como o hino, a bandeira ou as armas da República, foi a Seleção Brasileira. Ainda nos tempos em que a Seleção era amada, uma unanimidade, uma paixão nacional como o próprio futebol. Um tempo em que não carregava nas costas a antipatia da cartolagem corrupta que por décadas dominou a CBF. E isso já fazem quase 70 anos.
Para quem não conhece, a história é a seguinte:
A primeira partida disputada pela Seleção ocorreu em 21 de julho de 1914, um combinado formado por jogadores de times do Rio e de São Paulo, nomes que marcaram época como o goleiro Marcos de Mendonça e o atacante Friedenreich. Quem comandava o futebol naquela época era uma certa Federação Brasileira de Sports (FBS), dois anos depois substituída pela Confederação Brasileira de Desportos, a velha CBD, ambas precursoras da atual CBF. O jogo foi no estádio das Laranjeiras, do Fluminense, e o Brasil venceu o Exeter City, da Inglaterra por 2 a 0. Os jogadores entraram em campo com uma camisa branca, com faixas azuis nos cotovelos e na gola – que ainda tinha cadarço de amarrar -, calção branco e meias pretas com listras brancas.
O branco foi a cor oficial da Seleção até a primeira metade dos anos 50. Só depois da tragédia da Copa de 50, o Maracanazo, o uniforme foi aposentado, definitivamente marcado pela derrota para os uruguaios. Foi quando, em 1952, um concurso promovido pela CBD e pelo então poderoso jornal carioca Correio da Manhã, reuniu mais de 200 trabalhos de criação do que seria o novo uniforme da Seleção. A única exigência era que as quatro cores da bandeira estivessem representadas. O vencedor foi um jovem gaúcho, de apenas 19 anos, chamado Aldyr Garcia Schlle, morto recentemente. Foi dele a proposta de uma “camisa amarelo-ouro com frisos verdes nas golas e nos punhos, calção azul-cobalto com uma listra branca ao lado e meias brancas com listras verdes e amarelas”. Estava criada a mística da camisa canarinho!
A estreia da camisa amarela foi naquele mesmo ano, nos Jogos Olímpicos de 1952, em Helsinque, na Finlândia. E se o uniforme branco estava associado ao azar, o amarelo logo começou dando sorte: quando entrou pela primeira vez em campo em uma Copa, o Brasil conquistou seu primeiro Mundial, em 1958, na Suécia, ainda que, por uma ironia, a Seleção tenha jogado a final com o segundo uniforme, o de camisa azul, por conta e um sorteio feito pela Fifa, já que os donos da casa também vestiam camisas amarelas no seu uniforme principal.
Mas o que tudo isso interessa agora?
Interessa porque o sinal de alerta está aceso. É preciso resgatar o simbolismo e o valor histórico que o amarelo tem. Não dá para aceitar passivamente que o direito de todo cidadão brasileiro sair à rua com a camisa da Seleção Brasileira ou as cores do Brasil seja usurpado por um grupo político. Seja ele de que ideologia for, ainda mais grave quando promotores de manifestações antidemocráticas e que atentam contra a constituição.
Não é aceitável que vestir amarelo, que usar a camisa canarinho, seja um instrumento de quem defende uma intervenção militar, quem prega o confronto entre os poderes, clama pelo fechamento do Supremo Tribunal Federal e pelo cerceamento do Congresso Nacional. O amarelo não é nada disso, é a cor da democracia, das Direta Já, da campanha que levou à eleição de Tancredo Neves que pôs fim a 20 anos de ditadura.
Hoje, torcedores de todos os clubes pretendem, sair às ruas, unidos, em atos em defesa da democracia. Vão com a camisa do seu time, ou vestidos de preto. É uma inversão de valores. Deveriam roubar de volta o amarelo. Tirar do armário a camisa da última Copa. E exercer, sem ter de ter medo, o direito que têm de torcer por um Brasil diferente.
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