Opinião: a busca pela perfeição e o anticlímax do VAR
Diretor da Trevisan Escola de Negócios, Fernando Trevisan escreve sobre a entrada da tecnologia no futebol e o impacto que tem provocado nos últimos meses
A implantação do VAR (Video Assistant Referee) pela Fifa na Copa do Mundo de 2018 veio com a promessa de conferir mais acertos às decisões dos árbitros. A tecnologia e a equipe de apoio permitiriam que o juiz tivesse mais informação sobre o lance, de modo a diminuir a chance de erro. Na sequência da estreia desse mecanismo na Rússia, vários torneios ao redor do mundo passaram a utilizar o VAR em seus jogos, como foi o caso da Copa do Brasil e da Taça Libertadores da América. Dúvidas sobre a aplicação do sistema ainda existem, mas é um fato que ele melhora a qualidade do espetáculo na medida em que minimiza o risco de decisões equivocadas, certo? Nem tanto.
Não há dúvidas de que a ciência deve estar a serviço do homem. Avanços tecnológicos permitem que processos sejam mais eficientes, experiências sejam mais envolventes e diagnósticos sejam mais acurados. Quando se trata de esporte, no entanto, o quesito emoção não pode ficar de fora da equação. É por causa dela que milhões de pessoas são atraídas para assistir a uma competição de ciclismo, a uma luta de boxe, a um jogo de futebol. Há que se ter o cuidado de preservar sempre este sentimento instintivo que o espetáculo esportivo provoca na audiência. Em alguns casos, o excesso de ciência na busca por maior correção acaba sendo prejudicial: o VAR, pelo menos na forma que vem sendo utilizado, pode ser um deles.
Aos 24 minutos do segundo tempo da final da Copa do Brasil deste ano o atacante do Corinthians Pedrinho fez um golaço que viraria o placar da partida. O menino de 20 anos revelado na base do clube explode de alegria, assim como os 45 mil torcedores no estádio e os milhões de corintianos fora dali. Um minuto e meio depois o gol é anulado após o árbitro consultar o VAR. Semanas depois, no Allianz Parque, os palmeirenses passam por sentimento parecido: precisando ganhar por pelo menos dois gols de diferença, a torcida inflama o time e Bruno Henrique abre o placar logo aos 9 minutos. Jogadores e torcida vibram, comemoram, se abraçam. Na hora de recomeçar o jogo, todos já reposicionados, o árbitro ouve de sua equipe que o gol foi irregular e anula o lance.
Momentos emblemáticos envolvendo inclusive dois dos maiores rivais brasileiros podem servir para mostrar que algo talvez não esteja tão certo assim. Não se trata aqui de questionar a correção da decisão finalmente colocada, que aliás em muitos casos é passível de interpretações distintas. Se trata de avaliar o quanto que se ganha de justiça em relação ao quanto que se perde de emoção, elemento tão caro ao universo esportivo.
Aliás, justiça é sempre um conceito delicado no que se refere ao futebol. Os amantes desse esporte sabem que um de seus aspectos mais belos é a possibilidade real do pequeno ganhar do grande, do mais fraco superar o mais rico. De um time jogar melhor que o outro mas sofrer um gol no final, de um clube de menor qualidade técnica se superar e bater o adversário cheio de craques. Quem pode dizer que não houve justiça nestes casos?
Todas as medidas criadas no sentido de minimizar as possibilidades de erros no resultado esportivo são válidas. Em situações objetivas tais como indicar automaticamente se a bola entrou no gol, se saiu de campo ou mesmo numa posição clara de impedimento a tecnologia pode sem dúvida contribuir para a melhoria do futebol. Em outros casos mais interpretativos, talvez seja melhor deixar para o olho humano e falível do juiz de campo, evitando um anticlímax que não combina com a magia deste esporte centenário.
*Fernando Trevisan é responsável pela Trevisan Escola de Negócios e especialista em marketing esportivo.