Ao L!, senador explica projeto de lei clube-empresa: ‘Tem instrumentos de mercado para captar recursos’
Carlos Portinho (PL-RJ) é responsável pelo novo texto e tem dialogado com clubes e entidades sobre aspectos como dívidas, captação de recursos e incentivo fiscal
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A discussão sobre o projeto de lei em que clubes de futebol podem se transformar em empresas avançou nas últimas semanas. O senador Carlos Portinho (PL-RJ), responsável pelo novo texto, tem dialogado com clubes, entidades e advogados, para definir as diretrizes e avançar para uma votação no Senado Federal ainda em abril. Em entrevista ao LANCE!, o parlamentar explicou alguns aspectos importantes da proposta como gerenciamento de dívidas, captação de recursos e incentivo fiscal aos clubes.
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O nome do parlamentar foi indicado pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), autor do projeto original. Com isso, o texto é pautado nas Sociedades Anônimas do Futebol (SAF). O objetivo é ser algo democrático e não obrigar os clubes a realizarem a transformação em empresas. Cabe salientar que alguns clubes têm interesse, como são os casos de Cruzeiro e Botafogo, ambos atualmente na Série B do Brasileirão e em grave crise financeira.
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A oportunidade que tenho como parlamentar é ouvir a todos, alinhar as suas demandas. Estimular a “democracia participativa”
- Clubes, entidades, advogados especialistas em direito desportivo, consultorias e investidores, além dos atletas e os seus representantes, como os sindicatos e os advogados que representam credores, são os destinatários da norma. Precisam ser ouvidos. Como advogado de clubes e atletas sempre acompanhei leis para o esporte feitas em gabinetes. Não agora. A oportunidade que tenho como parlamentar é ouvir a todos, alinhar as suas demandas. Estimular a “democracia participativa”. Posso afirmar depois de algumas rodadas de reuniões com esses atores, e comecei justamente ouvindo os advogados dos credores dos clubes, que as expectativas não estão muito distantes. A situação atual desagrada clubes e credores. O projeto da SAF se apresenta como alternativa e busca uma solução de mercado - analisou
Um dos grandes desafios do projeto é a questão tributária. No texto original, de Rodrigo Pacheco, é atribuído um imposto único de 5% sobre a receita, abaixo de outras empresas. Para Portinho, haverá uma maior incidência tributária, porém será necessário um tempo para essa transição.
- Hoje, no modelo que vigora, clubes exercem forte atividade econômica, mas pouco ou nada arrecadam para o governo pois se beneficiam de isenções. A sociedade empresária visa exclusivamente o lucro e é tributada. No longo prazo, aquelas que se transformarem em SAF reverterão para o governo uma receita que hoje ele não tem. A partir disso, é preciso reconhecer que essa transformação deve guardar um tempo para haver essa transição tributária. Tanto para evitar um desequilíbrio esportivo como econômico entre aqueles que se transformem em SAF e aqueles que decidiram continuar como associação civil - disse o parlamentar, e completou:
- Também porque há um passivo que deverá ser liquidado preferencialmente, e será necessário algum tempo para isso. Então, é preciso o encaixe na lei quanto ao tratamento do passivo e a gradual incidência dos tributos no tempo, de forma que um não prejudique o outro, conferindo segurança jurídica, clareza e interesse ao investidor que precisará ser atraído - frisou.
- Nas rodadas de conversa que tenho tido com o setor há um alinhamento no sentindo que sim, haverá uma maior incidência tributária, mas é preciso um tempo para essa transição. E o governo nada perde porque esse tempo levara num horizonte próximo a uma maior arrecadação, sobre o que hoje ele nada tributa - encerrou o senador.
Tanto o clube social como a empresa têm que contribuir e alimentar esse pagamento (das dívidas), e a SAF inclusive tem instrumentos de mercado para captar recursos
Além dos tributos, o futuro das dívidas dos clubes é um ponto a ser debatido. De acordo com a visão do senador, tanto o clube como a empresa terão que contribuir na quitação desses valores, e que a SAF tem instrumentos para captar recursos no mercado.
- Aqui reside talvez o maior desafio do projeto. Não adianta na “canetada da lei” dizer que não há sucessão. É preciso dar um tratamento adequado para as dívidas, a trabalhista sobretudo. É uma dívida social. Importante o projeto reconhecer, estabelecer os limites dessa sucessão e como será pago o passivo. Tanto o clube social como a empresa têm que contribuir e alimentar esse pagamento, e a Sociedade Anônima do Futebol inclusive tem instrumentos de mercado para captar recursos que hoje não estão disponíveis aos clubes como associação civil - analisou.
Segundo Portinho, falta ao futebol um modelo de negócio mais profissional, conferindo maior governança, controle, transparência e segurança jurídica. Dessa forma, ele acredita que o projeto do clube-empresa é uma alternativa relevante para alavancar uma indústria que pode gerar mais emprego e renda ao país.
- O futebol, como nenhuma outra modalidade esportiva no país, alcançou um modelo de negócios maduro e que movimenta milhões. A “Industria do Futebol”, como entretenimento, é uma importante atividade econômica que gera empregos os mais diversos, contribui na formação de profissionais os mais variados e do ponto de vista social impacta a vida de muitos jovens. Os investimentos no Futebol e a capacidade de atração de investidores é uma realidade no mundo todo. Falta aqui tratar de modo profissional, conferindo maior governança, controle, transparência e segurança jurídica. O projeto do clube-empresa nesse cenário se apresenta como uma relevante alternativa - revelou.
A Sociedade Anônima para o modelo de negócio do Futebol parece mais adequada, possui legislação própria, exige maior governança, transparência e controle
Carlos Portinho acredita na Sociedade Anônima como modelo mais adequado de negócio do futebol. A partir dela, ele crê que os investimentos na modalidade terão segurança jurídica e novas oportunidades de captação de recursos.
- O projeto de lei tem a ambição de regular o clube-empresa, funcionando como um marco legal para o setor, como forma de conferir segurança jurídica aos investimentos que o futebol tem a oportunidade hoje de captar como negócio do setor do entretenimento e do esporte - disse, e acrescentou:
- O projeto trata como facultativa a constituição da SAF, inclusive atendendo ao princípio constitucional da liberdade de associação. Deve ele, portanto, ser atrativo suficiente para que muitos clubes optem por essa alternativa e sedutor o suficiente para que atraia investidores e novos recursos para capitalizar os clubes, em sua maioria hoje endividados como associação civil. O projeto trata da SAF e não de associações civis ou outras formas societárias - completou.
Ao ser questionado sobre a penalização dos dirigentes que não forem transparentes, Portinho voltou a defender o sistema de Sociedade Anônima, e explicou a não obrigatoriedade de um clube virar empresa, diferente do projeto do deputado Pedro Paulo (DEM-RJ).
- Ao prever um único tipo societário e facultativo, a SAF, o projeto torna mais fácil a sua compreensão e se apresenta mais sedutor ao mercado, o que também pude validar nas rodadas de conversas com o setor até aqui. A Sociedade Anônima é um tipo mais complexo, é verdade, mas justamente por isso serve para afastar aventureiros. A Sociedade Anônima, por essência, objetiva o lucro como resultado - comentou.
- Sabemos que algumas sociedades limitadas, infelizmente, nascem para não dar lucro, há também casos de confusão patrimonial com os seus sócios, enfim, a Sociedade Anônima para o modelo de negócio do Futebol parece mais adequada, possui legislação própria, exige maior governança, transparência e controle, ao contrário de outros tipos societários. Além do mais, permite diversos instrumentos de mercado para o seu financiamento e capitalização, com maior regulação em contrapartida - ressaltou, finalizando:
- A não responsabilização dos dirigentes, a falta de transparência, governança e controle é o que há hoje, sendo os clubes associação civil, na sua grande maioria. Na SAF, como sociedade empresária, a responsabilidade dos gestores, transparência e maior governança são as regras. Como assim funciona em toda Sociedade Anônima - finalizou.
Confira outras respostas do Senador Carlos Portinho (PL-RJ)
- O senhor foi vice-presidente jurídico do Flamengo no mandato de Edmundo Santos Silva, que sofreu impeachment e foi condenado a devolver R$ 18.771.671,73 ao clube. Também trabalhou na área jurídica de outros clubes do país, como Atlético-MG, Cruzeiro, São Paulo, Palmeiras e Santos. Há algum conflito de interesse na relatoria deste projeto de lei do clube-empresa?
- Fui um dos primeiros no Brasil a se especializar em direito desportivo como disciplina autônoma do Direito. O Flamengo me conferiu uma grande oportunidade e um enorme desafio. Recebi o convite para assumir a vice-presidência jurídica do clube em meio a um processo de impeachment do seu presidente, com a cadeira vaga há três meses desde a renúncia do vice jurídico anterior. Gosto de desafios. Não vivia a política do clube, me coloquei como profissional e isso me manteve após o impeachment e na gestão de Gilberto Cardoso até a transição para a presidência de Hélio Ferraz.
Depois advoguei para a maioria dos clubes do Brasil, inclusive como último o Fluminense. Como sempre digo: “de terno não tenho clube!”. Advoguei também para muitos atletas, na esfera trabalhista e mais ainda na Justiça Desportiva, sobretudo nos casos de dopagem como no leading case “Dodô”. Conheço do assunto e dos “dois lados do balcão”.
E para afastar inclusive qualquer conflito, embora não estivesse obrigado, ao assumir o Senado me desfiz da sociedade no meu escritório de advocacia e me licenciei formalmente na OAB, justamente para não haver confusão alguma com o meu exercício parlamentar, para o qual me dedico integralmente, de forma exclusiva e neste caso com a visão do todo, disposto a ouvir todos os atores do setor.
- Outros segmentos da sociedade também tem participado das discussões ou somente a ótica dos interessados diretos tem sido levada em consideração?
- Esses todos acima citados tem uma grande contribuição a dar ao projeto do clube-empresa, mas tenho ouvido também magistrados, advogados especialistas em recuperação judicial, e a imprensa também de uma forma geral, além de senadores, meus colegas, que manifestaram interesse no projeto, como o próprio autor e hoje presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, também o senador Romário que inclusive tem me acompanhado em algumas reuniões.
- Há alguma estimativa de quanto custa para a sociedade a isenção tributária dos clubes que exercem atividades empresariais sob a forma de associação sem fins lucrativos?
- É preciso reconhecer que clubes sociais desempenham importante função social, o que de certa forma funciona como contrapartida a isenção que lhe é conferida por lei. Mas a verdade é que o futebol desenvolveu um modelo próprio de negócio com forte impacto econômico, movimentando cifras milionárias. Não penso em custo, mas em oportunidade para o governo passar a arrecadar com tributos no tempo sobre a SAF, o que reverte em benefício maior a sociedade. A equação não deve ter por base quanto perdeu, mas quanto tem a ganhar. Todos.
Pelo modelo de SAF, existe a possibilidade de um clube não virar empresa, mas captar recursos por meio da emissão de debêntures (título de crédito) – regulado pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários). Como funcionaria essa captação no novo texto do projeto?
- O Projeto 5516/19 de Autoria do Senador Rodrigo Pacheco, como no texto original também do projeto do deputado federal Otavio Leite, prevê a “Debenture Fut.” para a SAF. Não alcança a associação civil, nem outras formas societárias. Dedica-se a regular exclusivamente esse tipo societário: a Sociedade Anônima do Futebol.
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