Há 100 anos, nascia Zizinho, o craque que fascinou o ‘Rei do Futebol’ e toda uma geração de atletas
'Da Vinci' do futebol, ídolo, artista, gênio, temperamental... LANCE! traz nesta terça-feira (14) especial com histórias e depoimentos sobre o que o 'Mestre Ziza' fez nos gramados
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Gênio, artista, autêntico... Há 100 anos nascia Zizinho, que agia como um camisa 10 nato e, ao encantar uma geração com seus dribles, não só deixou pinturas nos gramados, mas também foi o "arauto" do que viria a ser um reinado no futebol brasileiro.
Nascido em 14 de setembro de 1921 em São Gonçalo (RJ), Thomaz Soares da Silva foi mestre em dribles e em raça e fez história com as camisas do Flamengo, Bangu e São Paulo. Com grande visão de jogo, toque de bola refinado e personalidade (dentro e fora de campo), alcançou a Seleção Brasileira e ficou para a eternidade por ter um fã nobre: Pelé, o "Rei do Futebol", seu sucessor natural na Seleção.
Afinal, "a bola não largou Zizinho, a bola o farejava, com uma fidelidade de uma cadelinha", conforme enfatizou o dramaturgo Nelson Rodrigues.
TÍTULOS E GRANDES JOGOS NO FLAMENGO
A luta de Zizinho por achar um espaço no gramado começou ainda no Byron, clube de Niterói no qual jogou ao lado de Clóvis, pai de Gerson, "Canhotinha de Outo". Depois de fazer testes no Bangu, São Cristóvão, em seu time de coração, o America, e conciliar seu sonho com o trabalho como operário, o Flamengo, enfim, abriu as portas para que o futebol do meia deslanchasse em 1939.
O técnico Flávio Costa o lançou na equipe e, pouco a pouco, foi se firmando até ganhar seus primeiros títulos. Ao lado de nomes do quilate de Domingos da Guia, Pirilo e Perácio, o camisa 8 conquistou o tricampeonato carioca de 1942, 1943 e 1944.
- Era um jogador extraordinário, um homem muito bom. No tempo no qual conversamos, quando fomos convocados juntos para a Seleção foi muito gratificante. Certamente é um dos meus grandes ídolos - afirmou, ao LANCE!, Evaristo de Macedo, meia que levou o Rubro-Negro à conquista do tricampeonato carioca de 1953, 1954 e 1955.
O impacto de Zizinho se estendeu a quem despertava para sua paixão rubro-negra.
- Zizinho foi meu primeiro ídolo, meu ídolo de menino. Eu era criança, começava a acompanhar futebol pelo rádio e aos poucos ouvia o que ele fazia e era impressionante. Não à toa era o meu "cobra" no botão (risos) - detalhou Washington Rodrigues, comentarista esportivo da Rádio Tupi.
Repórter com passagens pelas Rádios Globo, Nacional, Tupi e por jornais como "Última Hora" e "O Globo", Deni Menezes detalhou como o "Mestre Ziza" era querido.
- Assim que iniciei na Rádio Nacional, em 1958, conversei com colegas que viram a geração de ouro dos anos 1940 e 1950, entre eles o Jorge Curi (locutor esportivo), com quem cobri em 1970 minha primeira das oito Copas consecutivas que fiz. Quando perguntava sobre Zizinho, dizia logo: "Mestre "Ziza" foi um monstro" - destacou.
Suas atuações no Rubro-Negro levaram o camisa 8 a ter as primeiras oportunidades com a camisa da Seleção Brasileira. Além de ter disputado edições do Campeonato Sul-Americano, jogou a Copa Roca (duelo entre Brasil e Argentina, hoje "rebatizado" de Superclássico das Américas) e se mantinha em alta forma. Contudo, em 1946, veio uma fatalidade: uma dividida com o zagueiro Adauto, do Bangu, causou uma grave lesão.
O meia retornou aos gramados após um longo período mas, logo de cara, fraturou a perna devido a uma entrada que sofreu de João do Morro do Pinto, do America. Em meados de 1947, teve novo retorno a campo pelo Flamengo, mas só alcançou sua boa forma nos dois anos seguintes. Em compensação, Zizinho engatava uma boa sequência de jogos na Seleção Brasileira em um momento decisivo.
ASCENSÃO E TÍTULO NA SELEÇÃO
Em meio aos altos e baixos no Flamengo, Zizinho deslanchava com a camisa da Seleção Brasileira. Em 1949, o meia foi um dos condutores da equipe de Flávio Costa na grande campanha do título do Campeonato Sul-Americano, marcando gols contra Equador, Bolívia e Chile. A conquista veio com um 7 a 0 sobre o Paraguai.
O troféu colocaria fim a uma longa seca brasileira, que não conquistava a competição desde a edição de 1922. A expectativa pelo título na Copa de 1950 se acentuou.
UMA DOR CARREGADA POR DÉCADAS
A esperada primeira chance na Copa do Mundo aconteceu justamente em solo brasileiro. Zizinho foi um dos pilares da equipe que trazia um esquadrão de sonho, com nomes como Barbosa, Danilo Alvim, Ademir de Menezes, Friaça e Maneca.
O meia foi decisivo, ao marcar na vitória por 2 a 0 sobre a Iugoslávia, em jogo que valia a vaga para o quadrangular final. Depois, deixou o seu no 6 a 1 sobre a Espanha. No jogo decisivo no Maracanã, bastava um empate para a Seleção Brasileira e Friaça abriu o marcador. Mas Schiaffino e Ghiggia selaram a derrota por 2 a 1 para o Uruguai naquela que seria a mãe de todas as derrotas de uma Seleção.
Deni Menezes contou como o "Mestre Ziza" (apelido que ganhou no Mundial realizado no Brasil) abordava este assunto.
- Zizinho disse que o abatimento foi normal por um certo período, praticamente repetindo o que me disse Barbosa, com que estava sempre no Maracanã. Invadiram a concentração de São Januário no domingo da final. Os políticos queriam aproveitar a situação e aí ele desabafou: "Não tivemos paz nem na hora do almoço". Ele me contou também que, ao passar pela Quinta da Boa Vista, o ônibus enguiçou e alguns jogadores desceram para empurrar... - contou.
Mesmo recolhendo os cacos do título, o craque saiu da competição com grande notoriedade. Jornalista que cobriu a Copa pela "Gazzetta dello Sport", Giordano Fatoria afirmou: "O futebol de Zizinho me faz recordar Da Vinci pintando alguma coisa rara".
DA CONTROVERSA SAÍDA DO FLAMENGO À IDOLATRIA NO BANGU
O ciclo de Zizinho no Flamengo chegou ao fim com um gosto amargo: o meia foi surpreendido com a notícia de que o clube negociava seu passe com o Bangu. Em meio a muitos rumores e frustração com a diretoria rubro-negra, ele aceitou a proposta banguense e começou a escrever um capítulo relevante para sua história.
- Os outros jogadores do Bangu é que tiveram de se adaptar a ele - garantiu o radialista Deni Menezes.
O meio-campista chamava atenção por manter sua categoria com a camisa banguense.
- Quando comecei a frequentar o Maracanã, o Zizinho já jogava no Bangu. E impressionava a visão de jogo fora do comum, sabia sempre o que fazer antes do marcador chegar. Além disto, ele não perdia a viagem. Partia com tudo, apanhava, mas batia - recordou Washington Rodrigues, o "Apolinho".
O encanto com o futebol do "Mestre Ziza" era nítido entre os torcedores em Moça Bonita.
- Os torcedores do Bangu o acompanhavam até mesmo nos treinos, como me disse anos depois o presidente Fausto de Almeida - detalhou Deni Menezes.
Na equipe alvirrubra, Zizinho formou a linha de frente com Moacir Bueno, Menezes, Vermelho e Nívio. O Bangu foi finalista do Carioca de 1951 (perdido para o Fluminense). Já em 1952, "Ziza" e Nívio marcaram, cada um, 19 gols no Carioca.
A postura de goleador fez com que Zizinho se destacasse em sua passagem no clube, onde anotou 120 gols.
DESAVENÇA E BOICOTE NA SELEÇÃO BRASILEIRA
O desempenho no Bangu levou Zizinho a ser convocado para a Seleção Brasileira. Capitão da equipe de Aimoré Moreira, atuou ao lado de nomes como Didi, Nilton Santos e Julinho Botelho, mas sua participação foi afetada por problemas de fora de campo.
Além de jogar no sacrifício e contestar métodos dos médicos, o meia queixou-se do valor do "bicho". Chefe da delegação, José Lins do Rêgo (escritor que tem entre suas obras "Riacho Doce e "Fogo Morto") e o treinador Aimoré Moreira escreveram um relatório no qual criticaram o meia e o responsabilizaram pela derrota por 3 a 2 para o Paraguai no jogo-desempate que valia o título.
O "Mestre Ziza" ficou de fora da Copa do Mundo do ano seguinte. Anos depois, ele retornou e ganhou outras competições de menor porte, como Taça Oswaldo Cruz e Copa Rio Branco.
FULMINANTE NO SÃO PAULO, COM DIREITO A 'ENCONTRO' COM PELÉ
Após deixar o Bangu em 1956, Zizinho teve uma missão árdua ao desembarcar no Morumbi. O meia chegou ao São Paulo no decorrer de um Campeonato Paulista acirrado.
E ele entrou para a equipe não perder mais: foram dez vitórias e dois empates. O Tricolor paulista colecionou resultados expressivos nas primeiras partidas. Logo na estreia, um 4 a 2 sobre o Palmeiras. Em seguida, um 7 a 1 no XV de Novembro.
Diante do Santos, Zizinho mediu forças com Pelé, seu súdito que se tornaria "Rei". O time comandado por Béla Guttmann venceu por um sonoro 6 a 2 o Santos. De tanto perseverarem, os tricolores levaram o Paulistão com um 3 a 1 sobre o Corinthians.
TÍTULO E ÍDOLO QUE NÃO SAEM DA CABEÇA DE UM ILUSTRE SÃO-PAULINO
A elevação que Zizinho trouxe para o futebol do São Paulo povoou a mente de um jovem torcedor da época. O ator Tony Ramos, que tinha nove anos, até hoje guarda na ponta da língua a escalação da equipe campeã de 1957 e detalha o jeito do "Mestre Ziza" jogar.
- O time maravilhoso contou muito com a qualidade do Zizinho. Mesmo já na reta final da carreira, dava gosto vê-lo jogando de cabeça erguida, conduzindo a equipe, com força, com brio - disse.
Aos seus olhos, o ídolo de Pelé merece todas as honrarias.
- Deveria haver um panteão para um grande mestre do futebol como Zizinho. Ele, assim como Didi, Nilton Santos, Garrincha e tantos outros trazem a mística do futebol brasileiro - afirmou o ator, que está no filme "45 do Segundo Tempo", de Luiz Villaça, curiosamente interpretando um palmeirense.
Com trabalhos marcantes em sua carreira, como os filmes "Se Eu Fosse Você", o Antenor em "Paraíso Tropical", o Opash em "Caminho das Índias" e o Juca de "A Próxima Vítima", o ator conta uma peculiaridade sobre Zizinho.
- Além de um grande jogador, sempre foi muito articulado. Era muito comum vê-lo em teatros, gostava de frequentar. Uma pena que nunca coincidiu de assistir a uma peça comigo em cartaz. Seria um grande prazer, pois era uma pessoa fantástica - declarou.
Após Zizinho sair do São Paulo, ainda jogou por clubes como Uberaba e Audax Italiano (CHI), onde pendurou suas chuteiras no início da década de 1960. Trabalhou como Fiscal da Fazenda do Rio de Janeiro. Em 8 de fevereiro de 2002, morreu aos 80 anos, em Niterói, em decorrência de uma parada cardíaca.
OS 'CAUSOS' DO ZIZINHO
Sobram histórias curiosas ao recordar a trajetória de Zizinho pelos gramados. Uma delas vem do Campeonato Carioca de 1956 e envolve o árbitro Eunápio de Queiroz.
- O Zizinho foi expulso no intervalo! Na penúltima rodada do segundo turno, no Maracanã, o Bangu vencia o Vasco por 1 a 0, com gol de Wilson, quando o árbitro marcou pênalti para a equipe cruz-maltina. Vavá foi e converteu. Na saída para o vestiário, Entrevistado pelo repórter Luis Fernando, da Rádio Continental, Zizinho soltou os cachorros e finalizou: "Esse é o famoso Larápio de Queiroz que a gente já conhece!" - recordou Deni Menezes.
Ao retornar ao gramado, o meia se descontrolou com o árbitro pela maneira como estava conduzindo a partida e isto custou sua expulsão de campo. O Vasco virou o jogo para 2 a 1 e se sagrou campeão carioca com uma rodada de antecedência.
Já Washington Rodrigues destacou um dia no qual foi surpreendido por uma constatação do ex-meia.
- Ele gostava muito de assistir a jogos do Maracanã, qualquer tipo de jogo. Aí, enquanto a partida corria, olhou para o campo e exclamou meio que para ele mesmo: "nasci na época errada, os caras hoje ganham bem mais do que na minha época" (risos). Agora, você imagina o que ele não falaria com os salários de hoje, com Neymar, Gabigol? - brincou o "Apolinho".
Um dos fãs do "Mestre Ziza" que entraram para a história da Seleção Brasileira, Amarildo é categórico ao valorizar o impacto do atleta na sua carreira.
- Ele foi meu professor. Quando o enfrentava às vezes no meu início de carreira, podia ver de perto o estilo dele e tentava aprender como o Zizinho fazia aquelas jogadas. Ele era daquelas pessoas que só ensinam com o olhar - declarou.
O "Possesso", campeão da Copa do Mundo de 1962, ainda exaltou outro aspecto que aprendeu em campo.
- Tem qualidade e sabe que precisa aprimorar seus fundamentos dia a dia, manter a essência, a identidade do seu jogo. Ele é um dos jogadores que ficam para a eternidade do futebol - complementou.
A genialidade do "Mestre Ziza" continua a emocionar quem gosta do futebol brasileiro.
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