A Fifa anunciou que vai iniciar um diálogo global sobre o sistema de transferências para promover alterações no artigo 17 do Regulamento sobre o Estatuto e Transferência de Jogadores (RSTP). Este artigo aponta que atletas que rescindirem contrato em vigor, sem justa causa, terão que pagar uma multa e que seu novo clube será solidariamente responsável pelo pagamento.
A definição da entidade vem após a decisão do Tribunal de Justiça da União Europeia sobre o caso do ex-jogador francês Lassana Diarra. Ele rescindiu seu contrato com o Lokomotiv Moscou, da Rússia, em 2014, e foi condenado a pagar uma multa de 10,5 milhões de euros. Diarra ficou sem clube por meses. O atleta chegou a fechar um acordo com o Charleroi, da Bélgica, mas o clube recuou quando descobriu que teria pagar a indenização ao Lokomotiv.
O atleta então decidiu processar a Fifa e, neste mês, a Justiça europeia retirou a multa, alegando que as regras de transferência violam as leis da UE, ou seja, limitam a circulação do trabalhador, impedindo acesso a novo emprego.
Especialistas dizem que multa não deve ser abolida
Após o anúncio da entidade, passou a pairar entre os clubes um medo de que a Fifa decida extinguir a multa estabelecida pelo artigo 17. Especialistas apontam, no entanto, que dificilmente a entidade irá abolir o pagamento.
- O que foi apontado como a principal questão foi a determinação de que o novo clube se responsabiliza por esse pagamento, o que inibe a contratação do atleta em litígio. Então, eu acredito que a Fifa vai buscar uma amenização desta regra - afirma Carlos Eduardo Ambiel, advogado e professor de Direito Desportivo na FAAP.
- Eu acho que ela (Fifa) pode mexer no sentido de que o clube só vai precisar pagar a multa compensatória se ficar provado que ele assediou ou induziu o atleta a querer romper aquele contrato. Ou seja, hoje temos duas punições: uma objetiva, que é pagar a multa ao contratar o atleta, e outra subjetiva, que trata de uma punição Transfer Ban se ficar provado que o clube assediou aquele atleta. Então, o que eu acho que eles podem fazer é transformar as duas em subjetivas. O clube seria punido apenas se ficar provado que ele induziu a quebra sem justa causa - opina Cristiano Caús, advogado especializado em direito desportivo e sócio do CCLA Advogados.
Diarra ao lado de Mbappé durante treino do PSG (Foto: Divulgação)
E se a Fifa extinguir a multa?
Para os dois especialistas, o cenário que se construiria para o mercado do futebol com a extinção da multa prevista no artigo 17 seria catastrófico.
- O sistema não vai parar de pé, vai causar uma insegurança jurídica muito grande. Nenhum contrato mais teria valor. Para que você vai fazer um contrato, se o jogador, do dia pra noite, pode pedir para para rescindir? Óbvio que restariam ainda algumas regras a serem aplicadas, como as transferências serem realizadas apenas durante a janela, mas isso é muito pouco - analisa Caús.
Para Ambiel, uma mudança como essa afetaria diretamente países como o Brasil, em que os clubes são grandes formadores de atletas.
- Se a Fifa estabelecer que o atleta que rescindir o contrato antes do prazo estará livre para se transferir sem pagar nada ao antigo empregador, acaba o sistema de indenização dos clubes menores pelos clubes mais atraentes. E isso seria pior para os clubes dos países emergentes, como os do Brasil. Aqui, infelizmente, a formação de atletas não é feita pelo estado nas escolas, os atletas são formados nos clubes privados. Eles que investem na formação. Se eu tiro do clube a possibilidade de ganhar uma indenização compensatória, caso o atleta se transfira, eu quebro um ciclo de financiamento importante para esses clubes e gero um desestímulo do clube investir na formação - explica Ambiel.
- Então, na verdade, a existência de uma indenização é uma forma de solidarizar, de dividir essa receita que vem dos grandes mercados com os clubes dos mercados emergentes e, com isso, permitir que esses clubes continuem investindo na formação de atletas, o que é fundamental para todo o esporte - completa o professor.
Durante o anúncio da decisão da Fifa, Emilio García Silvero, diretor jurídico da entidade, chega a afirmar que já estão previstas discussões sobre "os parâmetros de cálculo de indenizações e sanções em caso de não cumprimento de contrato" e sobre "mecanismo de emissão do certificado de transferência internacional".
- A Fifa vai fazer um grande debate, com certeza. Ela deve ouvir e debater com representantes dos principais players envolvidos, portanto, jogadores, clubes, federações, árbitros, para poder tomar uma decisão - afirma o advogado Cristian Caús.