O mercado das transmissões esportivas mudou. Antes concentrados na mão de poucas empresas e com foco na televisão, os direitos das competições estão cada vez mais fragmentados e digitalizados. Mas, afinal, como o crescimento do uso das redes sociais e dos criadores de conteúdo influenciam o consumo de esportes? Quais são os impactos destas inovações diretamente na experiência do torcedor?
Para entender mais sobre o tema, o LANCE! entrevistou Diego Vieira, Head de Esportes da Warner Bros Discovery Brasil. A empresa, que controla as plataformas TNT Sports e HBO Max, é dona de uma maiores comunidades digitais esportivas do Brasil, além de deter os direitos relevantes, como o do Paulistão, da NBA e da Champions League.
- Acho que o processo de digitalização para muitos direitos é fruto do nosso modelo de consumo de conteúdo atual, não só de esporte, mas também o consumo de filmes, de séries, etc. O streaming é um negócio poderosíssimo quando você olha para o mundo esportivo e de entretenimento. Também tem as plataformas digitais abertas participando da conversa. Então, no final, não existe um modelo único. A fragmentação dos direitos esportivos já passa e ela vai continuar passando muito por explorar modelos vencedores em cada ambiente. Como o direito esportivo é muito relevante, ele leva muita gente para os players. O caminho do presente e do futuro é conseguir trabalhar bem esse conteúdo, entregar com qualidade, comunicar com qualidade e acompanhar a evolução do consumo - disse Diego Vieira.
Confira abaixo os principais pontos do bate-papo do LANCE! com Diego Vieira, desde a importância da relação com os torcedores no ambiente digital até a projeção para o futuro do mercado de transmissões esportivas no Brasil.
Direitos dos torneios estão cada vez mais fragmentados (Foto: AFP)
A importância da conversa com os torcedores
- Quando a gente fala de revolução digital das transmissões, na verdade, parece novo, mas é um tema quase velho. Se você parar para pensar, a gente fez transmissão no Facebook em 2011, ainda como Esporte Interativo. Nesse momento, a gente tinha 500 mil seguidores no Facebook e hoje a gente tem 26 milhões. Então, o processo de digitalização do esporte já é de alguns anos. A gente sempre valorizou a nossa produção de conteúdo digital e acredita sempre na geração de conversa, em como a gente vai conseguir engajar o fã e estar com ele em todos os ambientes. Cada vez menos as pessoas assistem ao jogo fazendo só isso. Estão sempre com o celular na mão, com muitas conversas acontecendo. E quando você é um produtor de conteúdo, você precisa estar relevante nesses ambientes e plataformas - disse o executivo, antes de completar:
- Não faz sentido você não criar um ambiente digital engajado, se a sua audiência é digital. Você precisa estar com aquele conteúdo onde a sua audiência está. Na nossa visão, o objetivo de todo player desse mercado é conseguir trabalhar com as audiências e entregar para o nosso fã a melhor experiência em cada lugar.
Pontos positivos e negativos da fragmentação
Apesar de algumas competições seguirem a lógica do antigo modelo, tornou-se comum eventos com uma grande lista de detentores de direitos. O Campeonato Paulista é um exemplo. Este modelo fragmentado tem pontos positivos, como o aumento de receitas totais e a possibilidade de explorar diferentes mídias, mas também apresenta desafios.
- Acho que o modelo vai caminhar muitas vezes por ter janelas de exclusividade, ter dias relevantes e poder explorar o melhor modelo econômico com cada um dos detentores do direito. Obviamente que tem aí um desafio enorme de comunicação. Agora, o torcedor tem a dúvida: “Onde está meu jogo? Onde ver?”. O Brasil sai de um modelo onde quase tudo estava concentrado num único player ou em poucos players e passa agora para um modelo completamente fragmentado. O modelo do mercado acompanha exemplos de vários outros países, mas se isso não acompanhar um baita plano de comunicação que você consiga explicar pro fã, você corre um risco muito grande com a visibilidade do produto - comentou Vieira, antes de completar:
- Além de investir na parte de comunicação, esse modelo de mercado também precisa acompanhar tendências de consumo. Se o consumo ou parte dele é digital, não faz sentido você não não ter um conteúdo premium num ambiente digital, não conversar no ambiente digital… Então em alguns casos, como o Paulista, você vai ter modelos digitais convivendo. Ainda que exista um desafio enorme de promoção, eu acho que a gente está no começo desse processo e os players, federações, clubes vão precisar se ajudar. Então, para a gente, a oportunidade de distribuir uma parte dos jogos na TV paga e no HBO Max é fantástico, porque a gente consegue ali juntar dois ambientes e ter os números incríveis que a gente conseguiu nesta temporada.
Paulista teve transmissão hiper fragmentada (Foto: Cesar Greco/Palmeiras)
Torcedores sentem mudanças no bolso
Além do desafio da comunicação, o novo modelo tem outro "problema": o impacto financeiro. Esta é, inclusive, uma das principais queixas dos torcedores brasileiros atualmente. Com cada torneio em uma plataforma diferente, a pessoa que quiser assistir todos os jogos do seu clube precisa abril o bolso para garantir diferentes assinaturas.
- Acho que isso é um desafio. É verdade que acontece assim no mercado americano e europeu, mas as realidades econômicas são diferentes. Ao mesmo tempo, o hábito de assinatura de TV paga e pay-per-view é um pouco mais tradicional e vem de mais anos, por exemplo. A gente precisa conviver com a realidade do modelo e o modelo de hoje é um modelo de fragmentação. Então, no fim das contas, o peso no bolso de cada um vai passar pela relevância daquele conteúdo, de quanto aquilo ali é fundamental e do que você assina e do que você não assina. Obviamente que não estando tudo em um único lugar, em algum momento o fã vai precisar escolher. Mas ela é uma realidade do mercado, porque os direitos são caros, o mercado não sustenta o modelo do passado e a gente tem que trabalhar com essa realidade - explicou Vieira, antes de complementar:
- Essa é uma discussão que carece de amadurecimento desse mercado. Esses movimentos de Paramount, Amazon, HBO Max são movimentos recentes. Então, é um modelo que carece ainda de amadurecimento, mas ele é o modelo da fragmentação que existe hoje no mundo dos direitos esportivos e que o Brasil acompanha. No final, talvez a conta saia igual em algum momento a partir das escolhas do que é relevante para o fã. Do nosso lado, o que a gente precisa fazer é garantir o acesso, garantir a promoção, garantir a facilidade para que o fã possa fazer a melhor escolha. O modelo é novo e obviamente todo modelo novo vai gerar questionamento, mas ele vai acompanhar a tendência de um mercado de direitos fragmentados que não tem muito como voltar atrás.
Como será o modelo no futuro?
Os direitos das principais competições do futebol brasileiro e internacional estão fragmentadas em cinco grandes empresas, que podem dividi-los em diferentes plataformas: Grupo Globo (Globo, Sportv, Premiere e Globoplay), Disney (ESPN e Star+), Amazon (Prime Video), Warner Bros Discovery (TNT Sports e HBO Max) e Paramount (Paramount+). Ainda há players com menos direitos de transmissão, como Band, SBT, CazéTV, DAZN e Dale, por exemplo.
- Eu nem acredito que o modelo de agora, com a quantidade de empresas que a gente tem hoje, será idêntico daqui a quatro, cinco anos. Eu não acredito nisso. Eu acho que pode caminhar para alguma coisa diferente, para algum outro modelo, porém, o modelo lá de trás, onde você tinha tudo em um único lugar, eu acho que ele não volta a existir, pelo menos não por agora - disse Diego Vieira.
- Eu vejo muito interesse por modelos de distribuição de conteúdo premium de futebol pro fã no Brasil. Todos os players estão posicionados com produtos relevantes de futebol. E os preços dos direitos são caros, principalmente de torneios como Campeonato Brasileiro, Libertadores, Champions League, que geram paixão dos fãs. Esses direitos vão continuar gerando muito interesse e vão continuar num processo de valorização e de relevância. Se for para acomodar o esporte ou o conteúdo premium e o preço, acredito que possa acontecer parcerias entre duas marcas para trabalhar aquele conteúdo.