Interiorização de eventos esportivos ganha força, mas requer políticas públicas para avançar
Iniciativa contribui para disseminação de modalidades, descoberta de novos talentos e para o desenvolvimento econômico de cidades de menor porte
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Historicamente, o Brasil concentra os principais eventos esportivos, campeonatos, centros de treinamentos e clubes em grandes cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador. Há, no entanto, uma movimentação na busca pela interiorização desses eventos e do esporte no geral.
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Especialistas e executivos que comandam grandes eventos esportivos entendem que levar o esporte para o interior contribui para a disseminação das modalidades, descoberta de novos talentos, além de contribuir para o desenvolvimento econômico de cidades de menor porte.
— Toda vez que você aproxima o esporte das pessoas, que você leva para perto dela algo que ela só vê na televisão, essa aproximação faz muita diferença no nível de paixão, de proximidade dela com o esporte. Quando uma criança vê um atleta, vê uma competição tão perto, muitas vezes desperta um interesse, faz ela querer assumir aquilo como profissão. Nós fazemos sempre um trabalho de tentar aproximar essas crianças, fazemos palestras nas cidades das competições, conversas com os atletas profissionais — conta Ivan Martinho, professor de marketing esportivo da ESPM e executivo da WSL, a Liga Mundial de Surfe, que atualmente tem etapa em Saquarema, no Rio de Janeiro.
Luisa Jucá, idealizadora e diretora-geral do Tour do Rio, aponta que rapidamente é possível ver como as sementes plantadas com a presença dos eventos em cidades menores dão frutos. O Tour do Rio é a maior competição de ciclismo da América Latina e aconteceu neste final de semana nas do Vale do Café, com largada e chegada em Conservatória, no estado do Rio de Janeiro. Além da prova para os profissionais, o evento também conta com a competição para amadores e até uma Copinha para crianças de 2 a14 anos.
— A gente faz uma Copinha na cidade para trazer as crianças para o esporte. Quando escolhemos Conservatória, por exemplo, era raro ver pessoas andando de bicicleta, mas depois que o evento acontece, é só ir lá que verá a quantidade de pessoas andando de bicicleta, buscando pelo esporte — exemplifica Luisa.
Benefícios para a cidade
Além de ajudar a expandir a penetração do esporte no município, os especialistas ressaltam que há um impacto econômico muito positivo causado nas cidades que recebem competições esportivas e grandes eventos.
— Tem um benefício de impacto econômico de curto prazo que é ligado a todas as contratações feitas pelo evento, dos fornecedores e de trabalhadores temporários. Os hotéis que ganham com a hospedagem de todas as pessoas que fazem o evento e com as que vão assistir, há demanda de transporte, de logística, aumenta o movimento nos restaurantes. Tudo isso movimenta muito desde a hora que começa a se montar o evento, até o final. Mas, além disso, há, em muitos casos, também a projeção daquela cidade para o mundo, como em competições da WSL — pontua Ivan Martinho.
Para Fabiana Bentes, fundadora e presidente do Instituto Sou do Esporte, os governantes brasileiros ainda não conseguiram entender que a interiorização do esporte é benéfica para diversas áreas.
- Ainda existe uma miopia muito grande do poder público de entender que o esporte não é apenas inclusão social ou a quadra de basquete, ou de futebol na pracinha, mas sim que o esporte é um motor de geração de emprego, ele é um motor de políticas públicas que podem melhorar a questão da violência doméstica, a questão da saúde, a questão do ambiente escolar, do desenvolvimento pleno, de cidadania, de valores do esporte. Infelizmente, ainda são poucos no Brasil que têm uma percepção mais aguçada desse retorno que o esporte dá - analisa Fabiana.
Dificuldades para a realização dos eventos
A realização de competições e eventos, assim como o desenvolvimento de projetos e a construção de centros de treinamento em lugares afastados dos grandes centros, no entanto, geram uma série de desafios aos organizadores.
Segundo os executivos ouvidos pelo Lance!, a produção desses eventos se torna mais complexa, com número de fornecedores reduzidos, custos mais altos e questões logísticas que poderiam ser solucionadas com mais apoio do poder público, que atualmente é baixo, ou até mesmo do setor privado.
— A gente tem dificuldade porque temos que fazer tudo sozinhos. Não há interesse do governo estadual, não há uma política pública sobre isso, mas deveria ter — pontua Luisa.
— O incentivo é importante para que a gente de fato consiga viabilizar eventos e competições nessas cidades porque, muitas vezes, o evento no interior é mais caro do que o evento em cidades grandes, então a gente precisa desse apoio seja com licenças, seja com algum tipo de investimento para que a gente possa de fato descentralizar. Eu acho que tem espaço, público e necessidade. É importante para o desenvolvimento do esporte no país — afirma Leonora Guedes, CEO dos Sertões, que atualmente conta com o famoso Rally e com Mountain Bike e Kitesurf em diversas partes do Brasil.
Martinho também defende a entrada do poder público na questão para expandir a presença do esporte no país. Masa para ele, é necessário que haja uma política específica para o aspecto da interiorização do esporte.
— O melhor mecanismo de financiamento são as leis de incentivo, o problema é que, muitas vezes, elas não são direcionadas para cidades, ficam disponíveis para os projetos usarem independentemente do lugar. Não existe uma política de governo estabelecida, o que existe em são iniciativas isoladas e algumas prefeituras que acreditam no esporte como ferramenta de desenvolvimento e aí fazem um certo investimento. Muitas vezes o esporte ainda é visto na política como algo legal, porém não extremamente necessário — afirma o professor.
Fabiana Bentes também defende uma maior participação do poder público nesse processo de interiorização.
- Eu acho que, efetivamente, para que as cidades possam receber eventos, que não sejam necessariamente de magnitude internacional, mas que tenham um impacto diferenciado na rotina da cidade, o poder público é absolutamente fundamental. É preciso fazer essa atração de investimentos, de eventos esportivos e culturais, numa visão efetivamente de políticas públicas, com o entendimento de que o esporte, além da inclusão social, ele é desenvolvimento econômico, é gerador de emprego, é atração de impostos, é turismo - pontua a presidente do Instituto Sou do Esporte.
Apoio do setor privado como alternativa
Na ausência do incentivo governamental, Leonora aponta uma estratégia para tentar atrair mais investimento de empresas privadas a esse tipo de iniciativa:
— Eu vejo que hoje também tem muitas marcas que acabam buscando em eventos assim uma forma de chegar nessas cidades menores. Por exemplo, às vezes uma marca ligada ao mundo Agro quer conversar com o público de uma cidade como Luís Eduardo Magalhães, na Bahia, porque é uma área do Agro. Então, apoiar um evento ou um projeto naquela cidade pode ser um gancho para levar a marca para aquele lugar e, ao mesmo, tempo incentivar o esporte brasileiro.
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Exemplo positivo
As competições realizadas pelos Sertões, assim como Tour do Rio e as etapas de WSL têm conseguido obter sucesso no desafio de levar modalidades esportivas para o interior do Brasil ou ao menos para pontos fora das grandes cidades, mas Ivan Martinho ainda aponta outros exemplos que também têm sido bem sucedidos, mas por caminhos diferentes.
— Como não temos esse incentivo vindo do poder público e as iniciativas acabam surgindo de forma individualizada, eu vejo surgir alguns exemplos de cidades que têm uma referência no esporte, que foi celeiro de uma grande personalidade, de um grande atleta e que aí essa pessoa volta para a sua cidade e cria um projeto, um campeonato. Por exemplo, Baía Formosa, no Rio Grande do Norte, agora tem o instituto Ítalo Ferreira, que o próprio Ítalo, através da iniciativa dele, criou. E aí a prefeitura começou a apoiar — pontua o professor.
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