Em um local cercado por natureza, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, Kakati Paiva tem seu ateliê, onde se misturam tintas, obras em “construção”, lindos quadros, quimonos, medalhas e fotos com o Sensei Georges Mehdi, renomado mestre de Judô, que ensinou a arte japonesa para Kakati, além de valiosos ensinamentos de vida.
Kakati Paiva, 60 anos, é um importante artista plástico no cenário nacional e internacional, com obras expostas nas mais importantes galerias de artes do mundo. Em seu ateliê, o artista mostra toda sua sensibilidade, influência oriental oriunda do Judô em sua obra, e uma gratidão contagiante pelo seu Mestre: - Posso dizer que o Sensei Mehdi é meu pai não biológico. Sua importância em minha vida é imensurável. Em meu casamento, meu pai havia falecido há alguns meses e o Sensei Mehdi que entrou comigo na Igreja. Sua presença está em minha memória em todas as fases da minha vida e influenciou muito em toda minha carreira profissional e vida pessoal. O Sensei Mehdi faleceu há cerca de um ano, mas continua presente - conta Kakati.
Confira a entrevista completa:
– Como foi o seu início no Judô?
Na minha geração, era quase uma unanimidade que as crianças deveriam praticar Judô. Isso era um ponto forte da educação naquela época. Com cinco anos, meu pai me matriculou no esporte, afinal, era cultural colocar o menino no Judô.
Comecei na academia do Mehdi, um lenda no Judô. Inclusive, meu apelido que carrego há 55 anos ganhei lá. Meu nome é José Ricardo, mas a partir do meu início no Judô, virei o Kakati do Mehdi. Hoje sou faixa preta sétimo Dan, todos esses degraus que vim galgando ao longo da minha trajetória no Judô, desde minha primeira aula, aos cinco anos de idade, de uma forma muito marcante interferiu e interfere na minha vida como pai, marido, filho, como tudo. Sem dúvida, o Judô foi um alicerce de vida para mim, me trouxe ótimos exemplos.
– Principais títulos
O Judô me trouxe títulos muito mais importantes do que esses tradicionais que você me pediu para citar, mas vamos lá: fui campeão carioca várias vezes, campeão universitário, campeão brasileiro juvenil, mas não acho que esses títulos tiveram tanta importância na minha vida no Judô. Por exemplo, me casei duas vezes, os meus padrinhos todos vieram da luta. Daí dá para perceber a importância que o Judô teve e tem em minha vida. Por isso, considero como meus principais títulos no Judô o convívio e as amizades que adquiri nesse universo maravilhoso do mundo das lutas.
– Início nas Artes Plásticas
Eu ter entrado no universo das Artes Plásticas foi um conjunto de fatores que foram acontecendo ao longo de anos. Sempre tive uma facilidade de me expressar através do desenho, desde moleque pintava uns quadrinhos, tinha habilidade de combinar cores. No meu ingresso ao mundo acadêmico, tentei Belas Artes e Arquitetura, que tinham uma ligação com o desenho. Acabou que passei para Arquitetura. Meu pai era arquiteto, mas meu lado artístico continuava se desenvolvendo, tanto que antes de me formar como arquiteto, eu fiz minha primeira exposição com 22 anos, isso foi em 1981. Minha carreira de arquiteto e de artista plástico vinha se desenvolvendo em paralelo, até porque pensar em viver só de artes no Brasil, ainda mais naquela época, era meio loucura.
Um dia, um cliente que eu estava fazendo um projeto de arquitetura para sua casa, chega em meu escritório e diz: ‘Kakati, o que é isso aqui?’ Eram vários quadros encostados e expliquei que tinha um lado artista. A pessoa na hora disse que me colocaria em alguns editais para eu expor, me disse que era curadora de artes e que eu tinha um enorme talento. Passei no primeiro edital que concorri na Caixa Cultural do Rio de Janeiro, daí começo a olhar para a Arte de forma diferenciada. Gostava da arquitetura, mas a partir daí comecei a visualizar e viver somente de artes.
– Qual a influência do Judô na sua arte?
O Judô foi tão importante desde o princípio nessa minha trajetória, nesse novo olhar de vida que seria a arte, porque o Judô me trouxe características como disciplina, hierarquia, humildade e solidariedade. Tudo isso influiu no meu dia a dia como artista. No Judô, acreditamos em subir cada degrau com muito cuidado. Lembro como se fosse hoje o dia em que Sensei Mehdi me deu a faixa preta, ele me disse: ‘Kakati, esse é o primeiro degrau que você está subindo, agora você está apto a aprender o Judô’. Fiquei perplexo, mas ao mesmo tempo, maravilhado com seu ensinamento. No dia que recebo a faixa preta, meu mestre me diz que só agora estou apto e aprender o Judô, isso é lindo. Grande parte dos meus quadros é com nomes orientais. Minha rotina hoje como artista plástico foi toda forjada nos ensinamentos do Judô e do meu mestre Sensei Mehdi.
– Qual é o seu ídolo nas artes?
Ao longo da minha trajetória, fui reconhecendo muitos artistas nacionais e internacionais como referência e alguns até como ídolos nas artes plásticas. Mas acho importante citar os nacionais. Tem dois que estão vivos e são uma influência fortíssima em meu trabalho: José Maria Dias da Cruz foi um dos meus professores, um convívio com a cor fascinante, e Eduardo Sued, que teve uma influência em uma fase minha mais geométrica.
– Já usou o Judô para se defender?
Já usei, sim, para defesa pessoal em situações na rua. A grande parte foi uma desonestidade ou covardia que aconteceram na minha frente e que acabei intervindo. Essa coisa de covardia realmente mexe comigo, mas usei muito mais para apaziguar, convencer as pessoas envolvidas em um conflito que não vale a pena brigar. Toda a segurança que o Judô me deu sempre procurei usar para o caminho da paz. Judô é paz, segurança, arte, uma verdadeira escola de vida e sou um privilegiado por fazer parte desse universo. Tenho muita gratidão pelo Judô e meu Mestre Sensei Mehdi.