Ele é cria da comunidade do Vidigal, no Rio de Janeiro, perdeu o pai para o tráfico aos três anos, viu amigos irem pelo caminho do mal, mas encontrou na nobre arte sua salvação. O boxe está no sangue de Patrick Lourenço. Lutador desde os oito anos, ele se esquivou dos perigos que a vida lhe apresentou, teve a ajuda da mãe para desenvolver o foco de um atleta experiente e cultivou os sonhos de um jovem. Aos 23, chefe de família e pai, o carioca é uma das esperanças de medalha no boxe na Olimpíada Rio-2016.
Medalha de prata no evento teste para os Jogos Olímpicos Rio-2016, realizado em dezembro do ano passado, Patrick chegou a ser ranqueado como número um do mundo na categoria mosca-ligeiro (até 49kg) em 2014. Mas antes de se tornar uma das grandes promessas brasileiras de medalha na maior competição esportiva do mundo, o caminho foi árduo. Depois de perder o pai em uma briga de traficantes no morro do Vidigal, aos três anos, o boxe o ajudou a superar a traumática perda e o ensinou a lutar pelos seus sonhos. Dentro e fora do ringue.
- O boxe me ajudou muito a superar essa perda, até porque ganhei um novo pai, que é o Raff Giglio. O boxe me deu uma nova visão do mundo, me ensinou muito, ganhei uma nova família. Não cheguei a ser convidado, mas sempre tem aquela história de começar a fazer favor para os traficantes, essas coisas. Eu nunca me envolvi. Minha mãe me orientou muito bem para não ter nenhum envolvimento, então sempre seguir o caminho do bem, do esporte. Na favela é complicado, porque você tem no traficante uma referência. Perdi amigos para o tráfico, e o boxe, sem dúvidas, me ajudou a seguir o caminho do bem - refletiu o lutador, em entrevista ao LANCE!.
O talento no boxe o faz calcular as decisões em relação ao futuro. Nenhum movimento é desperdiçado, feito com pressa. Aos 23 anos, um mundo de oportunidades ainda o aguarda, e Patrick segue se esquivando daquilo que considera errado e focado no ataque certo para levantar o braço ao final de sua jornada no esporte. O boxe profissional, caminho natural de muitos atletas após participações em olimpíadas - a exemplo do brasileiro Esquiva Falcão, medalha de prata em Londres-2012 -, é um desejo de Patrick, mas só depois do ciclo olímpico de 2020. No ringue, um boxeador se acostuma a antecipar o movimento do adversário. Fora dele, não pode ser diferente. O jovem nem disputou a primeira Olimpíada, mas já se enxerga atuando na segunda.
- Eu quero lutar profissionalmente, mas vou disputar o ciclo olímpico de 2020 também. Sou novo, estou com 23 anos, e, talvez, depois de 2020 eu lute profissionalmente. O que mais interessa é o teste, lutar com grandes nomes do boxe. Poder lutar em Las Vegas, que acho que é o sonho de todo lutador de boxe, anima muito também. Conquistar títulos, cinturões, é muito motivacional também. Depois de 2020, com 27, 28 anos, acho que é uma boa idade para ir para o profissional - projetou.
A mãe, Renata Lourenço e o treinador, Ralf Giglio, são tão especiais na vida de Patrick que dividem a posição de referência com Muhammad Ali, lenda do boxe que faleceu no início de junho. Patrick reúne características e sonhos de todos eles em sua personalidade. Carismático, de sorriso fácil no rosto, jovem, sonhador, focado...
- Meu ídolo é o Raff Giglio, o cara que me fez ser lutador de boxe. Minha mãe é um ídolo que tenho também. Aliás, uma ídola (risos). Minha mãe me deu uma criação que foi fundamental para que eu não caísse em armadilhas. O Ali foi mais que um atleta, foi um líder. Era engajado em causas sociais, e isso gerou muita polêmica na época. Ele era incrível, maior nome da história do boxe. Acho que todo lutador se espelha nele. Tenho duas características dele como referência: uma técnica e uma social. O bailado dele lutando é algo que me inspira. E o lado dele social é algo em que me espelho. Eu também sou ligado à causas sociais, aprendi a modalidade em um projeto social, então não tinha como ser diferente. Depois da Olimpíada, se Deus quiser com uma medalha pendurada no pescoço, quero ajudar mais o Raff Giglio, meu treinador, no Instituo Todos na Luta, no Vidigal. Ele é meu segundo pai - comentou.
Pai da pequena Eloá, de quatro meses, aos 23 anos (é bom lembrar), Patrick sonha se tornar uma referência para jovens talentos. Se no ringue é necessário se movimentar para fazer o rival andar, depois de ver de perto para onde uma referência ruim pode levar um jovem carente, um amigo, o boxeador quer ser o nome que irá inspirar e conduzir o maior número possível de atletas para o caminho do bem, do esporte.
- Daqui a quatro anos, me imagino fechando minha preparação para Tóquio-2020, mais experiente, medalhista no Rio-2016 e sendo ainda mais referência para os jovens de todo o Brasil, principalmente para aqueles que nascem em comunidades carentes, sem muitas oportunidades na vida. Quero que eles olhem para mim e pensem: 'Caraca, o Patrick conseguiu chegar até onde ele queria. Eu também posso'. É assim que quero estar daqui a quatro anos - afirmou o atleta.
A estreia de Patrick Lourenço na Olimpíada Rio-2016 acontece neste sábado, quando serão iniciadas as competições do boxe olímpico.