Altos e baixos após doping, luta por Paris-2024 e gratidão ao Flamengo: Rafaela Silva abre o coração

Campeã olímpica na Rio 2016, judoca relembra em entrevista exclusiva os momentos mais difíceis da suspensão, traça metas para Olimpíada e garante estar mais forte mentalmente

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Lance!
Rio de Janeiro (RJ)
Dia 13/04/2022
19:17
Atualizado em 15/04/2022
12:08
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Controlar a mente é missão árdua para qualquer ser humano. No caso de Rafaela Silva, já foram inúmeras as vezes em que os pensamentos a levaram para os piores lugares possíveis.

A batalha interna para evitar a derrocada em meio à pressão de um atleta de alto rendimento não se tornou menos intensa com o passar do tempo. Mas a carioca pode afirmar que jamais desistiu de lutar, dentro ou fora dos tatames. Hoje, ela diz que se encontra mais forte.

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Em entrevista exclusiva ao LANCE!, a campeã olímpica na categoria até 57kg nos Jogos Olímpicos Rio-2016 falou sobre os altos e baixos vividos após a suspensão por doping que a tirou de cena por dois anos.

Ela está escalada para o Campeonato Pan-Americano e da Oceania, que acontece entre sexta-feira e domingo, em Lima, no Peru, mesmo local onde foi realizado o teste que acusou o resultado analítico adverso, em 2019. O evento distribui até 700 pontos no ranking mundial.

Rafaela Silva foi campeã em Portugal em janeiro (Foto: Divulgação/IFJ)

Em 2019, Rafaela testou positivo para Fenoterol, um fármaco utilizado em tratamento de doenças pulmonares, durante os Jogos Pan-Americanos de Lima. Ela sempre negou ter ingerido de forma intencional a substância, vetada pela Agêncua Mundial Antidoping (Wada) por provocar aumento de performance, uma vez que facilita a troca gasosa entre o sangue e o pulmão.

A pena a tirou dos Jogos Olímpicos de Tóquio. No período, entrou em depressão, chegou a ganhar quase 12kg e passou quatro meses sem sair de casa. Sensações parecidas com as que ela viveu ao sofrer ataques racistas após a eliminação na segunda rodada em Londres-2012.

Recuperada e motivada, ela traça metas de recuperar as condições físicas, técnicas e mentais que a fizeram campeã, e destaca a gratidão ao Flamengo pelo acolhimento em seu retorno no final de 2021.

O Rubro-Negro anunciou a contratação de Rafaela no dia 1º de setembro de 2021, uma semana após o fim da suspensão. Antes, a atleta nascida na Cidade de Deus defendia o Instituto Reação. Logo no primeiro dia de "liberdade", lá estava elas nos tatames. 

- Havia muitas incertezas se eu voltaria, se conseguiria competir de igual para igual no alto rendimento novamente, com atletas novas aparecendo na categoria e medalhistas novas nas Olimpíadas de Tóquio. Mas eu sabia que o judô era meu lugar e minha paixão - afirmou a brasileira, que, apesar do "flerte" com o MMA no período de suspensão, descarta mudar o foco.

Hoje, Rafaela ocupa a 24ª colocação no ranking da categoria e sabe que o caminho para voltar ao topo é longo. As expectativas são altas, uma vez que a judoca conquistou, em janeiro deste ano, a medalha de ouro no Grand Prix de Almada, em Portugal, na abertura da temporada do Circuito Mundial.

Em fevereiro, a judoca terminou em quinto lugar após perder a disputa pelo bronze no Grand Slam de Tel Aviv, em Israel. Em abril, acabou eliminada na segunda rodada do Grand Slam de Antalya, na Turquia.

Para entrar na zona de classificação para os Jogos Olímpicos de Paris, a carioca tem de figurar entre as 20 primeiras do ranking. A temporada de 2022 reserva como grande objetivo o Campeonato Mundial, em outubro, em Toshkent, no Uzbequistão.

Rafaela levou o ouro na Rio-2016 (Foto: TOSHIFUMI KITAMURA / AFP)

LANCE!: O que você espera deste ano de 2022, uma vez que a corrida por vaga nos Jogos de Paris começou e você precisa correr atrás dos pontos perdidos no ranking durante a suspensão? 
Rafaela: Minhas expectativas para as competições de 2022 são as melhores possíveis. Fui campeã do Grand Prix de Portugal e participei dos Grand Slams de Tel Aviv e Paris. Estou em 25º no ranking mundial. Para a classificação olímpica, tenho de estar entre as 20 primeiras. Então, acredito que estou fazendo um bom trabalho. Espero evoluir a cada competição. É ano de Mundial, o que pode me ajudar ainda mais a subir no ranking para entrar novamente entre as melhores judocas da minha categoria e, assim, me classificar para Paris-2024.

L!: Como tem se sentido fisicamente, tecnicamente e emocionalmente nos tatames desde que voltou da suspensão? Procurou fazer algum trabalho de preparação diferente?
Rafaela: Obviamente, não estou no melhor momento possível, após dois anos sem poder treinar nem competir. Mas acredito que eu tenho feito um trabalho específico muito bom para correr atrás do tempo perdido e me recuperar da melhor forma. O mais importante é conseguir os pontos para a classificação olímpica. A cada treinamento de campo, como fizemos recentemente, e a cada competição sinto que eu me aproximo mais dos meus 100%.

L!: O judô brasileiro enfrenta dificuldades de renovação na sua categoria, em que você é soberana e segue sendo a grande referência. Como lida com essa responsabilidade?
Rafaela: Não vejo como uma cobrança ou responsabilidade. Se hoje me cobram resultados e o melhor desempenho foi porque conquistei esse lugar, como campeã mundial e campeã olímpica. Por esses resultados, as pessoas sempre esperam o melhor da Rafaela Silva. Eu procuro pensar assim e faço o meu melhor treino. Nunca sabemos quando vamos ganhar ou perder. Às vezes, uma competição tem mais de 40 atletas e só quatro vão ao pódio. Mas sempre tentamos chegar entre elas.

"Quando nos deparamos com uma punição como essa sem poder fazer nada, temos a noção de que dois anos demoram muito para passar"

L!: Qual foi o momento mais difícil para você desde que o caso de doping estourou?
Rafaela: O momento mais difícil foi quando recebi o e-mail que dizia que minha suspensão seria de dois anos. Quando treinamos e competimos, o período de dois anos passa muito rápido. Quando nos deparamos com uma punição como essa sem poder fazer nada, temos a noção de que dois anos demoram muito para passar. A expectativa era sempre a melhor possível, e eu ficava contando os dias para voltar logo ao tatame.

L!: Em que você procurou focar? Teve também uma aventura no MMA, né?
Nesses dois anos, sempre estive focada na minha carreira no judô, porque isso é minha vida. Eu amo competir. Não podia treinar nem competir, mas podia assistir às lutas pela televisão e pelos sites. Eu estava sempre acompanhando minhas adversárias, pois sabia que eu voltaria e teria de estudá-las, saber como estavam e acompanhar as mudanças de regras. Fiz alguns treinos de MMA. Fui ver como era e fiz novas amizades para tentar distrair um pouco da suspensão, mas minha paixão é mesmo o judô. Não tinha como fugir disso. Por isso, estou de volta.

L!: Logo que voltou da suspensão, você foi anunciada como reforço do Flamengo. Qual foi a importância desse acontecimento no seu retorno?
Rafaela: Eu tinha uma expectativa muito grande de representar o meu clube do coração. Minha transição para o Flamengo é só gratidão. Só tenho a agradecer à presidência do clube, à comissão técnica e aos meus parceiros de treino. Ninguém mediu esforços para que eu chegasse ao clube e tivesse o melhor desempenho possível, e o resultado pode ser visto nos meus resultados. Mas ainda temos muito trabalho a fazer.

Rafaela Silva defende o Flamengo (Foto: Marcelo Cortes/Flamengo)

L! A Rafaela Silva voltou mais forte da suspensão? 
Rafaela: Acredito que voltei, sim, mais forte mentalmente. Havia muitas incertezas se eu voltaria, se conseguiria competir de igual para igual no alto rendimento novamente, com atletas novas aparecendo na categoria, medalhistas novas aparecendo na Olimpíada de Tóquio. Mas eu sabia que o judô era meu lugar e minha paixão. Eu sabia que para voltar, teria de me preparar da melhor maneira possível. Fiz um trabalho intenso com a Nell, minha coach. Foram dois anos de muitos altos e baixos, mas minha cabeça foi o que me fez voltar.

L!: A detecção de substâncias proibidas pela Wada é cada vez mais sensível e isso demanda do atleta uma preocupação extra. O doping te obrigou a redobrar certos cuidados? Quais, por exemplo?
Rafaela: Em relação a medicamentos e suplementação, sempre tive cuidado e preocupação. Não acho que seja algo que vá mudar muito, mas agora está tudo redobrado. Quando vou lutar, colocamos a nossa garrafinha e os pertences em uma cestinha, depois recolhemos, voltamos à área de aquecimento e esperamos a próxima luta. Cada vez que entro, tenho uma garrafa pequenininha, para beber o suficiente que preciso. Quando saio, já jogo fora e pego outra, pois tive contato com cestinha e outros atletas que estão na espera.

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