Do futebol com os primos para a seleção brasileira feminina de basquete em cadeira de rodas. Aos 24 anos, a cearense Oara Uchôa já passou por muitas coisas e encontrou, no esporte, um renascimento. Hoje, a pivô do Fortaleza é um dos destaques da equipe que disputa os Jogos Parapan-Americanos em Lima, no Peru.
Para chegar à sua atual fase, no entanto, o caminho não foi fácil. Na infância, Oara tinha uma vida normal, como a de qualquer outra criança. Na época, ela nunca havia assistido uma partida de basquete, pois a sua verdadeira paixão era o futebol.
- Quando era pequena, o meu sonho era vestir a camisa da seleção de futebol. Queria ser a Marta, admirava ela e treinava com os meus primos para isso. Jogava bola no meio dos meninos mesmo e tentava melhorar cada vez mais - explica.
No entanto, aos 11 anos, Oara caiu da sua bicicleta voltando da escola e, depois disso, tudo mudou. Com muitas dores e um ferimento na perna que não sumia, ela foi diagnosticada com osteossarcoma, um tumor maligno que tem pico de incidência em jovens entre as idades de 10 e 25 anos e geralmente aparece em locais onde os ossos se desenvolvem mais rápido, durante sua fase de crescimento.
- Na época, a minha perna doeu muito, uma dor fora do comum e a minha perna não inchava no início. Eu sentia uma dor muito forte e febre de noite. Depois de algum tempo, a minha perna começou a inchar apenas depois de passar por cinco médicos fui diagnosticada com câncer - conta.
Dois anos depois, Oara precisou amputar a perna esquerda para poder continuar a viver. A adaptação na nova vida foi difícil. A jovem de 13 anos passou cerca de quatro anos longe da escola: dois por conta do tratamento e dois por medo do que as crianças iriam pensar.
- A minha realidade era totalmente diferente da que estava acostumada. Era uma criança normal e depois disso foi muito difícil voltar para o meu dia a dia, para as minhas atividades. Quando retornei para a escola ainda sim me senti excluída. Tudo foi complicado - relata a atleta.
O renascimento por meio dos esportes
A jogadora do basquete em cadeira de rodas do Fortaleza afirma que, no início, não gostava de sair de casa por vergonha do que outras pensariam ao vê-la. Foi aí que, por meio de uma antiga paixão, o esporte, Oara reencontrou sua alegria. Até então, Oara não sabia da existência de esportes adaptados para pessoas deficientes:
- Um professor falou com uma prima minha sobre a existência destas modalidades. O secretário de esporte da prefeitura me procurou e comecei a praticar natação. Gostava de nadar, pois ficava a maior parte do tempo em casa, sem poder fazer muitas coisas.
A trajetória na natação foi curta, mas bem produtiva. Na primeira competição da cearense, com apenas dois meses praticando o esporte, foi medalha de ouro no revezamento 4x50, prata nos 50m livres e bronze nos 100m livres.
Foi em uma dessas competições que Lidio Andrade, atual treinador da atleta no Leão do Pici e integrante da comissão técnica da Seleção Brasileira de basquete em cadeira de rodas feminino, descobriu o talento de Oara.
- Conheci a Oara em 2014, durante um torneio de natação em Natal. Quando a vi, fiz o convite para que ela pudesse participar do basquete. Na hora, ela me disse que ia pensar, mas alguns dias depois começou a treinar conosco. Conforme o tempo passou, ela se apaixonou pela modalidade - conta o profissional que atualmente está acompanhando a pivô em Lima.
Lidio conta que se surpreendeu cedo com as ambições da jovem jogadora. Logo no início, ela falou ao técnico que queria ir para a Seleção Brasileira:
- Naquele momento, eu nunca iria dizer não, falei para ela que precisaria de muito trabalho e foco. Porém, eu não imaginava que uma atleta do Ceará, que não participa de muitos eventos, pudesse chegar tão rápido à Seleção.
Oara afirma que se tornou jogadora de basquete de verdade em 2015. Ela se afiliou a ADESUL (Associação D’eficiência Superando Limites) a convite de Lidio:
- Decidi que colocaria minha cara a tapa e me tornaria jogadora de basquete, sem pensar no que poderia acontecer. Fui me desafiando e me libertando das coisas que me prendiam.
- O esporte se tornou tudo para mim. Ele me trouxe novamente a vida. Antes dele, ficava em casa por ter muita vergonha, imaginando o que outras pessoas poderiam pensar sobre mim. Eu não conseguia me aceitar, tinha preconceito de mim mesma - completa.
Parceria com o Fortaleza
Ela rapidamente se tornou destaque na modalidade e, no início de agosto, sentiu todo o seu esforço ser valorizado. O Fortaleza fechou parceria com a equipe da ADESUL, que neste ano foi campeão feminino e masculino dos Jogos Paradesportivos de Fortaleza e dos Jogos Paradesportivos do Ceará.
- A importância desse apoio é enorme. A tendência é que a gente consiga cada vez mais parceiros. Com o nome do Fortaleza ao nosso lado, vamos conseguir abrir portas que nunca conseguimos na vida. O apoio do clube com uniformes, passagens para a comissão técnica, ajuda de custos e manutenção dos materiais é algo que nunca tivemos - explica Lidio.
Oara, que em novembro disputará o Campeonato Brasileiro com as cores do Tricolor de Aço, conta que a parceria é um combustível a mais para ela neste Parapan:
- Nunca tivemos uma parceria tão grande de um clube como o Fortaleza. O nome do clube pesa muito e ganhamos muita visibilidade. Só tenho a agradecer.
A realização de um sonho
Depois que conheceu o basquete, Oara passou a sonhar ainda mais com a chance de vestir a camisa da Seleção Brasileira. Depois de convocações e torneios disputados com a equipe nacional, o seu maior momento chegou: o torneio de basquete em cadeira de rodas dos Jogos Parapan-Americanos.
- Estou muito satisfeita, só tenho a agradecer ao meu técnico por ele ter acreditado em mim. Ele nunca tirou o meu sonho e sempre me deixou sonhar cada vez mais. O Parapan é uma competição muito grande e estou vivendo essa realidade - finaliza.
Lidio, no entanto, é quem agradece sua atleta:
- É uma pessoa guerreira e determinada. Tem um enorme coração, além de ser muito focada em tudo que ela deseja. Na vida, ela me ensina muitas coisas. Não existem obstáculos para a Oara, ela vai em busca dos seus sonhos como qualquer outra pessoa.
Agora, o maior objetivo de Oara é participar dos Jogos Paralímpicos, e Lima será um passo importante para isso:
- Quem sabe não realizo o meu novo sonho no ano que vem”, brinca a jogadora do Fortaleza que, ao lado de suas companheiras, tenta ser uma das finalistas do Parapan, garantindo assim uma vaga para os jogos de Tóquio, em 2020.