‘Seria ir contra minha personalidade desistir’, diz Ana Cláudia após doping
Velocista afirma que pensou em largar as pistas antes de ser inocentada por uso de esteroide, admite falta de cautela às vésperas da Olimpíada e foca no Mundial de 2017
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Se há uma atleta brasileira que torce para 2016 acabar logo, esta é Ana Cláudia Lemos. Maior esperança do atletismo brasileiro nas pistas, a cearense ainda tenta se reerguer após uma suspensão por doping e um corte às vésperas dos Jogos Olímpicos do Rio.
Flagrada em março por uso de Oxandrolona, um esteroide anabolizante, a velocista cumpriu suspensão de cinco meses. A defesa comprovou houve contaminação cruzada de um medicamento utilizado por ela. No retorno, levou a ansiedade para os treinos e sofreu um desgaste na cartilagem do joelho direito, o que a retirou da Rio-2016.
Em entrevista exclusiva ao LANCE!, Ana relembrou o período, projetou seus próximos objetivos na carreira e disse apoiar a atual rigidez nos procedimentos da Agência Mundial Antidoping (Wada, em inglês) após tantos casos no mundo.
LANCE!: Após perder os Jogos por causa da lesão, como você está agora?
Ana Cláudia: Ainda estou me recuperando. Continuo com uma inflamação no joelho. O planejamento está voltado para o Mundial, em agosto do ano que vem, quando espero conquistar meu melhor resultado nos 100m e nos 200m. Quero melhorar minhas marcas e estabelecer novo recorde sul-americano. Agora, estou feliz. Foi um ano bem ruim. Fiquei mais chateada por não competir no Rio.
L!: Você perdeu seu clube, o BM&F Bovespa, e patrocinadores depois do caso de doping. Como está sua preparação agora?
AC: A Marinha, hoje, é minha única fonte de renda. Estou sem clube. Agora, é bola para frente. Tenho de recuperar o tempo perdido. Só o que interessa são os resultados na pista. Vou trabalhar duro como sempre fiz na minha carreira. Tudo o que vier, será bem-vindo. Mas não posso ficar desesperada agora pensado nisso.
L!: Quando deve voltar às pistas?
AC: Quando acabarem os Jogos, fiz exames e fui descansar a cabeça. Estava precisando. Em setembro, comecei a tratar. É uma lesão chata. Não é como a muscular, que tem um tempo de recuperação. Tem de esperar a resposta do seu corpo.
L!: Acredita que a ansiedade por tudo o que viveu prejudicou seu retorno perto da Olimpíada?
AC: Eu já vinha de uma semana forte de treinamentos e acabei sobrecarregando nos treinamentos. Juntou com a adrenalina de receber muitas notícias boas, com o fim da suspensão. Faltou um pouco de cautela da minha parte, sim. Eu queria muito mostrar resultado.
L!: Que balanço faz deste ano?
AC: Foi um ano de aprendizado, como pessoa e atleta. Quando você passa por um processo de doping, aprende a se colocar no lugar do outro. Só o atleta sabe o que é isso. É interessante contar para as pessoas, pois você tem uma visão diferente. Perde-se muito, mas você conhece quem está ao seu lado e quem não está. Como velocista, não tenho muita paciência, mas aprendi a ter. Tive de respeitar prazos de julgamento e depender dos outros.
L!: O que passou pela sua cabeça no período do doping?
AC: Quando recebi a notícia do doping, só queria que a verdade aparecesse. Eu não sabia o que tinha acontecido, até que a análise de suplementos enviada para a UFRJ e depois para Montreal, constando a contaminação. Depois, tive de esperar. Pensei em parar, em desistir, mas ao mesmo tempo dizia: “se eu fizer isto, estarei fraquejando no caminho”. Seria ir contra minha personalidade, minha história e minha carreira. Depois de tudo, os problemas ficam até pequenos. Lesões eu sempre tive. Damos muita porrada no corpo, e ele sente. Estou mais cautelosa agora. O que tiver de vir, virá. Não adianta forçar.
L!: O que prevê do atletismo brasileiro para 2020, em meio ao momento delicado do país no investimento nos esportes?
AC: Acho que aprendemos com a Olimpíada do Rio. As novas gerações estão vindo. Só que precisamos de investimento. Quanto mais apoio, melhor será o resultado. É preciso haver renovação e incentivo nas escolas. Foi onde eu apareci no esporte. Agora, algumas nem têm aulas de Educação Física. Isto é muito ruim. O que veremos em 2020 é um pouco do Rio e outros que vão aparecer. Com toda a crise, fica um pouco difícil algo concreto, mas a tendência é que o apoio melhore. Isto te fortalece para planejar o ciclo. Brasileiro tem mania de querer as respostas imediatamente, mas em março, abril, as confederações terão seus orçamentos e renovação de projetos. Acho que é normal.
"Serei sempre a favor do jogo limpo. Você trabalha duro, deixa de passar o tempo com a família e os amigos para se dedicar. O único lado ruim é que, quando descobrimos que ganhamos uma medalha por causa de uma desclassificação por doping anos depois, perdemos a glória do pódio"
L!: A nova conduta da Wada de cerco aos atletas que se dopam dará resultado no futuro?
AC: Acho muito importante. Serei sempre a favor do jogo limpo. Você trabalha duro, deixa de passar o tempo com a família e os amigos, tudo para se dedicar ao esporte. A posição da Wada é certíssima. O único lado ruim é que, quando descobrimos que ganhamos uma medalha por causa de uma desclassificação por doping anos depois, perdemos a glória do pódio. Aquele momento de viver a conquista, de rever aquele filmezinho na cabeça depois. Mas os métodos de detecção estão cada vez melhores. Por mais que demore, a verdade aparece, como o bronze do Brasil no 4x100m em 2008, quando fui reserva. Achei muito bacana.
NR: As brasileiras Rosemar Coelho Neto, Lucimar de Moura, Thaissa Presti e Rosângela Santos herdaram a medalha após a comprovação de doping de uma atleta russa.
QUEM É ELA
Nome
Ana Cláudia Lemos da Silva
Nascimento
6/11/1988, em Jaguaretama (CE)
Idade
28 anos
Altura e peso
1,58 m e 57kg
Recordes
Nos 100m, quebrou o próprio recorde sul-americano em abril de 2015, ao correr em 11s01 no 57º Mt. Sac Relays, em Walnut (EUA). Nos 200m, fez 22s48, conquistou o recorde sul-americano no Troféu Brasil, em São Paulo, em 2011.
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