Há anos, talvez décadas, estamos discutindo como o futebol brasileiro tem sido carente de ideias. Com isso, vez ou outra, buscamos alternativas em técnicos estrangeiros, que vem e vão sem deixar o legado esperado. Mas com o trabalho de Abel Ferreira no Palmeiras isso parece estar mudando de figura. O português segue deixando suas lições no Verdão e em tudo o que pode contribuir.
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A última contribuição do comandante palmeirense foi em um curso para renovação da licença A e PRO da CBF Academy, como ilustrou a reportagem de Raphael Zarko, do GE, publicada na última quarta-feira. Em abril, Abel foi convidado a palestrar para outros treinadores, falando de sua carreira, seus métodos e seus estudos até aqui.
Segundo a matéria, o português ficou uma hora além do tempo previsto para se colocar à disposição dos jovens e experientes técnicos que acompanhavam a chamada de vídeo. Quem é próximo de Abel sabia que isso aconteceria, já que é exatamente nesse tipo de ambiente e nesse tipo de papo que ele se sente à vontade.
Com perfil expansivo para dar essas contribuições e falar de futebol, Abel Ferreira é reservado quando o assunto é aparecer ou dar entrevistas exclusivas. Ou fala para todos, ou não fala para ninguém. Uma exceção foi a participação no programa "Roda Viva", da TV Cultura, onde o português viu Ayrton Senna e Telê Santana, dois personagens que admira, serem entrevistados nos anos 90.
E por lá também ele pôde contribuir com respostas e ensinamentos próprios de quem está disposto a deixar algo mais do que os resultados em sua passagem pelo país. Ele sabe que aquele programa ficará eternamente na internet, como ficarão os de Senna e Telê. Um documento histórico que será buscado daqui 10, 20, 30 anos ou mais, e servirá de fonte de conhecimento por aqui.
Mesmo quando as palavras são transmitidas em uma entrevista coletiva, Abel Ferreira sempre tem algo a ser observado e que pode virar fruto de reflexão. Dificilmente não extraímos algo dali, embora seus detratores insistam que ele nunca fala de futebol, que ele só critica arbitragem e que apenas reclama de "barriga cheia" no clube.
De "barriga cheia" ele reclama mesmo, e talvez isso seja o diferencial. Mesmo com títulos, vitórias e sucesso, Abel aproveita o seu espaço no microfone para bater na tecla daquilo que vê como errado no futebol brasileiro, por exemplo o calendário. Depois de atropelar o Corinthians por 3 a 0 na Arena Barueri, lá estava o português inconformado com a maratona, se solidarizando com técnicos daqui.
Como um personagem que ganhou um tamanho gigantesco no futebol brasileiro, ele sabe da força que discutir pautas como essa ganham com um posicionamento como o dele. E vale destacar, Abel não vai ficar aqui para sempre, ele um dia irá embora, não precisa entrar nessa briga, mas o propósito é muito maior, não é para ele, é para quem ficar, para quem não tem o mesmo espaço conquistado.
Chegamos até aqui e não falamos talvez da contribuição mais importante que Abel Ferreira já deixou por aqui: o seu livro "Cabeça Fria, Coração Quente". Na publicação, escrita em conjunto com seus auxiliares, o português compartilha todos os processos, métodos, planejamentos, problemas, fracassos e sucessos desde a sua chegada no Palmeiras até a conquista do título da Libertadores-2021.
Na parte final do livro, o treinador alviverde reserva um espaço para tratar das "Reflexões sobre o futebol brasileiro", onde ele dá as impressões e as opiniões em relação ao que viram por aqui. Essa é mais uma amostra do que um olhar de fora, comprometido, pode deixar para o país em termos futebolísticos. Os resultados, claro, ajudam, mas Abel faz disso uma discussão muito além deles.
Enquanto pedras seguem buscando atingir Abel e seu trabalho, ele continua trabalhando e deixando sua marca nessa passagem de apenas um ano e meio pelo Brasil. Podemos hoje não dimensionar a história que estamos vivendo, mas daqui há alguns anos certamente iremos lembrar do que essa comissão técnica portuguesa contribuiu. O legado está aí, tem sido deixado a cada dia, basta "tirar a venda".