Luiz Gomes: ‘A obrigação de vencer do Palmeiras termina hoje’
'Pragmaticamente, a obrigação de vencer do Palestra termina no duelo com os mexicanos'
Fazendo uma análise descontextualizada das estatísticas em torno dos campeões mundiais de clubes reconhecidos pela Fifa, desde 1960, os resultados não parecem assim tão díspares: são 33 conquistas de times europeus e 26 de sul-americanos. Mas, quando se desce mais a fundo nos números, uma realidade cruel salta aos olhos: nos últimos 10 anos, a supremacia europeia se acentuou de forma avassaladora – apenas o Corinthians, em 2012, conseguiu quebrar o domínio dos clubes do lado de lá do Oceano Atlântico.
Não é apenas a diferença de títulos que impressiona, mas a forma como boa parte deles foi conquistada, com um domínio total dos europeus dentro do campo, expresso por goleadas como os 4 a 0 do Barcelona sobre o Santos de Neymar em 2011 ou os 3 a 0 do Barcelona sobre o River em 2015. Nas temporadas de 2018, 2016, 2013 e 2010, os sul-americanos sequer chegaram à final, eliminados por clubes da África e da Ásia, na fórmula atual de disputa.
É a constatação de que o abismo que separa o futebol de cá do de lá não para de aumentar. Um cenário que começou a se desenhar ainda nos anos 90 quando entrou em vigor a chamada lei Bosman. Naquela época, o mundo estava em transformação, o globalismo dava os primeiros passos e a Europa se reintegrava após o esfacelamento da URSS e da Cortina de Ferro. Mesmo assim, o futebol ainda resistia em abrir-se à nova realidade. Até que, em 1995, um mediano meio-campista belga chamado Jean-Marc Bosman decidiu desafiar os caciques da Uefa dando início a uma longa e dolorosa batalha judicial em defesa de seu direito de jogar onde quisesse.
Bosman, que entrou para a história muito mais pela luta nos tribunais do que pelo talento com a bola, recorreu à Justiça para que, ao final dos contratos, jogadores estivessem liberados para assinar com outros clubes, o que foi na prática o fim da lei do passe. Mais do que isso, sua vitória na Justiça permitiu que, a exemplo do que já ocorria com profissionais de outras áreas, atletas nascidos nos países da União Europeia pudessem atuar livremente em qualquer país do bloco.
A partir daí os limites estabelecidos pela Uefa e as ligas nacionais para a contratação de estrangeiros deixaram de englobar os jogadores comunitários. E os grandes clubes europeus passaram a preencher suas cotas buscando a baciadas os grandes nomes do futebol sul-americano, asiático e africano, tornando irreversível esse fluxo e consolidando sua superioridade.
Hoje, um bicampeonato consecutivo como o do São Paulo em 1992 e 1993, times como os argentinos Vélez Sarsfield, Estudientes, Racing ou até o Independiente, o Olimpia do Paraguai e mesmo os uruguaios Peñarol e Nacional, em permanente crise financeira e instabilidade política interna, chegarem ao topo do mundo é muitíssimo próxima de zero.
Há questões estruturais indiscutíveis para o desnível - as diferenças econômicas entre os países da zona do Euro e os do Mercosul, é apenas a mais óbvia delas. Mas o modelo amador de gestão que vigora no futebol brasileiro, argentino e do resto do continente, as administrações no mínimo temerárias das confederações e principalmente dos clubes nos últimos tempos, são certamente outros elementos de contribuição para agravar essa realidade.
O Palmeiras, assim como aconteceu com o Flamengo no ano passado e o Grêmio em 2018, começa neste domingo a travar a difícil batalha de Davi contra Golias. Ter a cabeça no Tigres é o primeiro passo. Não foram poucos, como o Atlético-MG de Ronaldinho Gaúcho ou o Internacional, que ficaram pelo caminho, abatidos pela soberba e pela própria armadilha de focar apenas nos gigantes europeus.
Pragmaticamente, a obrigação de vencer do Palestra termina no duelo com os mexicanos. Daí para frente o que vier é lucro. Repetir contra o Bayern – se for mesmo o Bayern, é claro - um jogo de igual para igual, como o Flamengo de Jorge Jesus fez contra o Liverpool, já será um resultado digno do reconhecimento do torcedor. E para fazer história.