15 anos da façanha: Robgol e Iarley relembram vitória do Paysandu contra Boca na Bombonera
Paysandu superou duas expulsões e a Bombonera lotada para vencer o Boca Juniors, pela Libertadores. O LANCE! conversou com personagens daquela eliminatória
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A imprevisibilidade é um charme que caracteriza o futebol como esporte mais apaixonante do mundo e o Paysandu tem um feito que corrobora essa introdução. Primeiro e único clube do Norte a disputar a Libertadores, fez história ao vencer o Boca Juniors, em 2003, pelas oitavas de final, em La Bombonera. Com gol de Iarley na vitória por 1 a 0, o Papão repetiu o feito que até então só havia sido conquistado pelo Cruzeiro de Ronaldo (1994) e Santos de Pelé (1963): vencer na casa do gigante argentino. A façanha, realizada em 24 de abril, completa 15 anos nesta terça, véspera de Boca x Palmeiras, justamente no estádio, também pela Copa Libertadores.
– O Paysandu passava por um momento de dificuldade, pela parte financeira. Tudo era motivo de motivação, para a gente mostrar nosso futebol, mostrar individualmente o nosso potencial nesse cenário, não só nacional, mas também internacional. A gente usava tudo isso para motivar – ressaltou Iarley em entrevista, ao LANCE!
Com uma excelente campanha na fase de grupos, o Papão chegou como fantasia e saiu como realidade. No grupo com Universidad Católica (CHI), Sporting Cristal (PER) e Cerro Porteño (PAR), classificou-se de forma invicta com quatro vitórias e dois empates. Com isso, os olhares se voltaram para o Norte e o Paysandu surgia como a sensação da Libertadores. Nas oitavas, enfrentaria o maior desafio de sua história.
O início: a Copa dos Campeões e a vaga
O título da Copa dos Campeões de 2002 garantiu o Paysandu na Libertadores de 2003. Com apenas três edições, o torneio foi organizado pela CBF entre 2000 e 2002. A ideia era contemplar os times campeões das Copas Regionais, como a Copa do Nordeste, Copa Sul-Minas e Torneio Rio-São Paulo. Por ser campeão da Copa Norte, o Papão garantiu vaga.
Invicto, se classificou em primeiro no Grupo A, juntamente com o Fluminense, desbancando Náutico e Corinthians. Nas quartas, venceu o Bahia por 2 a 1 e, na semi, venceu o Palmeiras por 3 a 1, com gols de Vandick, Trindade e Albertinho. Nenê (ex-Vasco, atualmente no São Paulo) descontou para o Palmeiras.
– Logo quando eu cheguei já existia uma equipe montada que tinha sido campeã da Copa dos Campeões. Eu cheguei já tinha uma base, com Robgol, Sandro Goiano, Waltinho e Neto. Ficou muito mais fácil de me encaixar ali – conta Iarley.
Com moral, o Papão chegou à final e fez uma partida épica contra o Cruzeiro. No jogo de ida, vitória celeste por 2 a 1, com gols de Fábio Júnior e Joãozinho. Sandro descontou. No jogo de volta, 4 a 3 para o Paysandu, obrigando a final a ser decidida nos pênaltis. O Cruzeiro errou todas as suas cobranças, ao contrário do Paysandu, sagrando-se Campeão dos Campeões. O maior título que um clube do Norte já conquistou até os dias atuais.
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Mesmo com um título nacional na bagagem, o Paysandu chegou desacreditado na Libertadores. O grupo tinha clubes tradicionais no cenário sul-americano, apesar de nunca terem conquista a Copa. Dentre os jogos mais marcantes, a vitória fora de casa, contra o Cerro Porteño, por 6 a 2.
O Papão se classificou em primeiro do grupo, com 14 gols feitos e apenas cinco sofridos. Teve o terceiro melhor ataque e a terceira melhor defesa da competição na fase de grupos. Robgol foi o artilheiro do clube na competição, com sete gols marcados.
– O ponto forte (dessa equipe) eram os onze jogadores. A gente encaixou muito bem a equipe, tanto que a gente classificou com uma rodada de antecedência – destaca Robgol.
O pré-jogo desrespeitoso da imprensa argentina
Próximo adversário: o Boca Juniors. A equipe argentina, até então, já tinha conquistado a principal competição das Américas em quatro ocasiões (1977, 1978, 2000 e 2001). A imprensa local, principalmente, tratava o jogo como um confronto fácil para o time xeneize.
– Não trataram a gente com respeito não, tanto que a resenha que rolava lá em Buenos Aires é que eles iam nos golear, que ia ser uns 5, 8 a 0, por aí. No dia que chegamos lá, que fomos treinar e fazer o reconhecimento da La Bombonera, existia um burburinho muito grande de que eles iam engolir a gente – relembra Robgol.
O Paysandu, por sua vez, focou na partida desde o momento em que soube que iam enfrentar o Boca Juniors. Vencer aquela partida significava um fôlego necessário na busca pelo título da Libertadores.
– A gente sabia que, se passasse do Boca Juniors, a gente iria para a final. Era um time de peso. Um bom desafio para nosso time. Ali a gente jogou tudo na La Bombonera. Estudamos bastante o Boca Juniors. O Dario (Pereyra, treinador do time) levou a gente ao museu, para a gente conhecer a cultura do Boca e ver o que a gente ia enfrentar – revela Iarley.
Primeiro tempo, primeira expulsão
O jogo já era cheio de dificuldades por si só: fora de casa, fase eliminatória, adversário forte e com tradição, inexperiência na competição, entre outros. O Paysandu perdeu Robgol, expulso, logo no início e depois Wanderson, um dos mais experientes do setor defensivo. Porém, as adversidades já começaram antes mesmo de o Papão entrar em campo.
– Não colocaram a gente em um vestiário muito bom, não. O vestiário que nós ficamos lá não tinha nem 10m², era muito pequeno, era um quarto todo frio. Todo mundo apertado – relembra Robgol.
Dentro de campo, quem teve dificuldades foi o time argentino. O Boca sofria com a falta de criatividade e com a teimosia de seu experiente técnico Carlos Bianchi, que insistiu em deixar a revelação Carlitos Tévez no banco de reservas. No Paysandu, a expulsão de Robgol, artilheiro do time, logo aos 22 minutos do primeiro tempo, foi o primeiro baque que a equipe teve que superar.
– Eles se surpreenderam com nosso time. Infelizmente, fui expulso logo no início, com 22 minutos, por engano. Eu achei que a expulsão foi muito rígida. Naquela época, eu era o artilheiro da Libertadores, já era um ponto forte para não jogar o jogo de volta. Surpresa e expulsão – lamenta o craque, 15 anos depois de ser expulso por Carlos Amarilla.
Silêncio em La Bombonera e o grito de um herói
Com um a mais, o Boca veio com tudo para o segundo tempo, mas decorridos dez minutos, outro golpe. Vanderson foi expulso, por acertar uma cotovelada no atacante Schelotto. Com nove jogadores, a tarefa do Paysandu se tornava ainda mais difícil.
– A falta do Robgol não sentimos tanto, porque ele jogava lá na frente. A gente tinha o Balão, Luis Augusto. Mas a saída do Vanderson prejudicou bastante nosso time, porque era um cara que dava uma sustentação muito grande para a nossa zaga – diz Iarley.
Aos 23 minutos, o improvável apareceu e sorriu na história do Paysandu. O Papão da Curuzu recuperou a bola na defesa e foi tocando até chegar a grande área do time argentino. Iarley se livrou de dois marcadores e tocou no canto esquerdo de Abbondanzieri. O estádio, conhecido mundialmente pelo barulho de sua torcida, conheceu o silêncio.
– Esse foi um gol que me colocou na história do Paysandu, me abriu as portas para vários clubes e sou muito grato por isso. Estava muito preparado e esperando um jogo como esse para mostrar o meu futebol – comentou Iarley.
A vitória surpreendeu a imprensa argentina. Se antes o Paysandu era tratado com demérito, agora era visto com a credibilidade necessária para eliminar o tradicional clube. No jogo de volta, o Boca Juniors teve que mudar de postura, fazendo uma marcação forte no lado esquerdo, justamente onde jogava Iarley.
– Chegamos no sábado em Belém e já tínhamos que jogar domingo. Saímos do jogo contra o Boca na quinta, chegamos em São Paulo na sexta e, no sábado, chegamos em Belém, à tarde. O treinador queria que a gente concentrasse, mas nós pedimos uma folga para, pelo menos, dar um “cheiro” na mulher, né? E ele nos deu essa folga até as 22h e, no outro dia, enfrentamos o São Paulo (Brasileirão) e metemos 5 a 2 neles. Eu fiz três nesse jogo – revela Robgol.
A queda em Belém
Sem Vanderson, um dos principais defensores; sem Robgol, o principal atacante; além de não contar com Rodrigo e Tinho, o Paysandu teve muitas dificuldades de imprimir seu jogo na volta. O Boca Juniors, completo, teve mais facilidade.
– Tinha uma equipe já formada que vinha fazendo uma boa atuação na fase de grupos. Aqueles dois jogadores que entram um ou outro, ainda dá para suportar, dá para um corrigir o erro do outro. Agora ter um desfalque de quatro titulares, isso com certeza foi um fator primordial para a gente não alcançar o resultado – lamenta Robgol.
Com grande atuação de Schelotto, o Boca venceu por 4 a 2 e se classificou para as quartas de final. O atacante marcou três gols e Delgado completou para o clube argentino. Lecheva e Burdisso (contra) fizeram para o Paysandu. O clube argentino viria a ser campeão daquela edição, vencendo outro brasileiro na final: o Santos, por 5 a 1 (no placar agregado).
- O Paysandu foi o melhor classificado. Nós não estávamos muito bem e na partida na Bombonera jogamos mal e perdemos. Depois daquilo, foi uma outra equipe em Belém e ganhamos todas as partidas. Mudou a equipe, passamos a jogar com três atacantes. Saímos de campo falando que íamos ganhar no Brasil - disse Schelotto, hoje treinador do Boca, ao L!.
No entanto, esses dois jogos entraram para a história, não só dos jogadores que participaram, mas também do imaginário do torcedor do Paysandu. O Norte brasileiro, muitas vezes esquecido dentro do próprio país, entrou no radar do futebol internacional. A história do futebol, escrita com pés, ganhou mais um novo capítulo.
– Foi um feito do Paysandu. O jogo de volta foi bastante triste, porque se a gente passasse teria uma marca maior. Mas fica o reconhecimento de que a gente brigou até o último minuto. Com certeza os jogadores que fizeram parte da campanha são bastante reconhecidos. Eu já estive em Belém, é uma euforia. Tenho o Paysandu com muito carinho, como um time que me projetou para o futebol – ressalta Iarley.
– Eu moro em Belém ainda, tenho respeito da mesma forma, tenho reconhecimento nas ruas. Eu sou paraibano, mas resido aqui em Belém, também, por causa do carinho das pessoas – conclui Robgol.
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