‘A Baía de Guanabara deixou a desejar’, diz velejador brasileiro que irá aos Jogos Rio-2016
Samuel Albrecht participa nesta semana da 43ª Semana da Vela de Ilhabela e diz que pode surpreender na Olimpíada ao lado da velejadora Isabel Swan, sua dupla na classe Nacra 17
A vela pode não ter um grande apelo junto aos fãs brasileiros que irão acompanhar os Jogos Olímpicos Rio-2016, mas as chances do país obter medalhas com a modalidade são grandes. Tanto que o esporte é o segundo que mais subiu ao pódio em Olimpíadas pelo Brasil, com um total de 17 medalhas (fica atrás apenas do vôlei, que tem 19).
No Rio, um dos responsáveis por manter essa tradição da modalidade é Samuel Albrecht, que competirá ao lado de Isabel Swan na classe Nacra 17, que será disputada pela primeira vez em uma Olimpíada. Em entrevista exclusiva ao LANCE! durante a 43ª Semana da Vela de Ilhabela, que ocorre até o próximo sábado, 9, no litoral norte de São Paulo, o brasileiro afirmou que não é um dos favoritos da prova mas que pode surpreender nesta que será sua segunda participação em Jogos Olímpicos (a primeira foi em Pequim, em 2008).
Sobre o local onde será realizado as provas de vela na Rio-2016, a Baía de Guanabara, que foi muito criticado por conta da poluição da água, Albrecht diz que as condições para prova "deixaram a desejar" mas aponta que os atletas já superaram o problema e que o foco no momento é apenas na disputa dos Jogos Olímpicos.
Nesta conversa, ele também comenta sobre a parceria com a velejadora Isabel Swan, dificuldades em obter patrocínios e a expectativa de participar de mais uma Olimpíada a poucos dias para o início do evento. Veja abaixo a íntegra da entrevista com o atleta brasileiro.
Você já disputou uma Olimpíada, em Pequim-2008. Qual a expectativa de disputar um Jogos Olímpicos em casa? Há diferenças?
É diferente, são momentos distintos da minha carreira como velejador. Em 2008, eu ainda era bastante jovem e era uma aventura participar de uma Olimpíada. Foi uma campanha olímpica bem curta, feita em cima da hora e que acabou dando certo. A verdade é que não tínhamos muita expectativa de um bom resultado ou ter chance de brigar por uma medalha. E agora é diferente, eu trabalhei três anos na campanha olímpica e consegui treinar mais. Hoje eu velo como timoneiro e antes eu era proeiro, então eu participo mais das decisões táticas e do barco. Então as minhas expectativas são maiores e há um pouco mais de cobrança pessoal mesmo para essa ser a minha Olimpíada e tentar um bom resultado.
A vela é uma das modalidades que mais conseguiu medalhas para o Brasil, ficando atrás apenas do vôlei. Isso é bom ou ruim para quem disputa uma Olimpíada?
Isso é bom pois ser de uma modalidade que mais trouxe medalhas para o Brasil dá uma maior exposição para o esporte e o reconhecimento do seu trabalho também aumenta. E isso credencia o Brasil como um país forte na vela e fazer frente aos outros países.
Como avalia suas chances de medalha na Rio-2016?
Não fizemos nenhum resultado dentro do ciclo olímpico que nos deixa com chances de medalha, não ficamos entre os três primeiros em nenhuma etapa de Copa do Mundo ou Mundial. Mas o que me deixa otimista é que em todos os resultados de 2016 foram crescentes, fomos 18º no Mundial, depois 13º na etapa de Copa do Mundo na Espanha e fizemos 9º na França. Como formação com a Isabel (Swan, parceira de barco na classe Nacra 17) é recente, de um ano de dupla, mostramos melhores resultados após seis, oito meses de parceria. E nos treinos temos melhorado também então estou confiante de fazer um bom resultado na Rio-2016. Falar em pódio ou medalha é gerar uma expectativa desnecessária mas eu ficaria muito satisfeito se eu conseguir ficar entre os dez primeiros. Mas acredito que possamos fazer ainda mais e quem sabe surpreender.
A classe Nacra 17 é estreante na vela em Olimpíadas. Isso de alguma forma pode ajudar em uma surpresa na competição?
Isso não muda. Todo mundo já está velejando há três, quatro anos na classe, nós aqui do Brasil começamos por último, com um ano de atraso, mas é novo nos Jogos mas nas competições não é mais uma uma novidade. Todo mundo já tem um bom domínio do barco e farão o melhor para buscar a medalha.
E por que teve esse atraso no Brasil?
Aqui no Brasil temos dificuldades em diversas coisas. Primeiro pela distância e demora na chegada dos barcos. Ele foram fabricados em outubro de 2012, logo após os Jogos de Pequim, e as principais competições mundiais já foram realizadas no início de 2013. Nós compramos os barcos apenas em fevereiro e com a importação e toda a logística para trazê-los ao país, os primeiros barcos foram chegar apenas em junho, e o meu foi chegar apenas em outubro de 2013. Então perdi um ano por conta disso.
E essa é a primeira classe mista em uma Olimpíada. É diferente velejar com uma mulher? Há um cuidado maior?
Não muda. A Isabel é uma velejadora bem experiente, é medalhista olímpica e tem muitas horas dentro de um barco. Não vejo muita diferença na hora da regata, de velejar com um homem ou uma mulher. O objetivo é o mesmo e a vontade de ganhar também. Mas às vezes tem que tomar um pouco de cuidado com as mulheres na forma de falar ou agir durante a competição pois as mulheres podem interpretar isso como algo mais pessoal e se chatear um pouco. Mas nossos eventuais problemas ficam dentro do barco e estamos bem focados em fazer o melhor pela equipe, e a Isabel não mede esforços para fazer o melhor possível.
Como começou essa parceria com a Isabel?
Antes de velejar com a Isabel, eu comecei velejando com a Caroline, que é uma menina de Porto Alegre e velejamos juntos durante dois meses mas ela não se adaptou ao barco. Depois treinei com a Georgia, também de Porto Alegre, e no decorrer da campanha eu senti a necessidade de fazer alguns ajustes e melhorar minha performance, e uma dessas coisas foi experimentar uma nova proeira que tivesse um biotipo um pouco maior, com um pouco mais de força física. E a Isabel estava declinando da campanha olímpica em outra classe e eu vi nela boas características nela e resolvi arriscar nessa parceria e deu certo.
A parceria é recente, tem um ano apenas. Ainda tem o que entrosar ou esse tempo foi o suficiente?
Não, tem muito ainda para entrosar. O barco é bem difícil e a gente demora para viver todas as situações de uma regata. Com certeza, estamos em um nível muito bom e nosso desafio realmente é o tempo, pois as outras duplas passaram por isso dois anos atrás. Melhoramos muito mas só saberemos se é o suficiente depois da Olimpíada.
A Baia de Guanabara, onde será a competição de vela na Rio-2016, foi muito criticado pela poluição da água. Como você avalia o local para a disputa?
As condições da Baia de Guanabara não foram as ideias no ciclo olímpico. A gente sabe que a Baia deixa um pouco a desejar, tem dias melhores ou piores. Mas, nos principais eventos que tivemos, como o evento-teste, as condições foram boas para a regata. Algumas medidas foram tomadas para ter boas condições. Como brasileiro, eu gostaria que a Baia de Guanabara permanecesse limpa e tivesse um legado mas não acredito que vamos atingir isso. Em termos de competição, se tiver lixo ou não, vai ter para todo mundo. Temos que redobrar a atenção e tentar evitar, pois não tem muito o que fazer.
Você já velejou lá. Como o lixo na água interfere na disputa? Tem que mudar o trajeto, perde velocidade…
Pode ter um lixo como um saco plástico que engate na quilha ou leme do barco e isso faz você perder rendimento e velocidade. Isso pode acontecer e é o que acontece lá.
Qual o comentário de outros atletas olímpicos sobre o local?
Teve uma pressão maior algum tempo atrás. Nas competições a gente escutava mais falar sobre a Baia de Guanabara. Agora, todo mundo está focado em fazer o melhor resultado nos Jogos Olímpicos, pois todos já sabem que vai ser ali e não tem mais se preocupado com isso. Agora isso foi deixado um pouco de lado.
Em relação a patrocínio, você tem dificuldades em obter parceiros? O fato de disputar a Rio-2016 atraiu empresas interessadas em patrociná-lo?
Temos dificuldades sim e só consegui alguns contratos agora, no final da campanha olímpica, depois que já tinha conquistado a vaga. Fora esse período é muito difícil. O problema também ocorre na legislação brasileira, pois faltam normas municipais e estaduais que incentivam o esporte, pois hoje há apenas uma lei federal que dá a oportunidade para os atletas fazerem um projeto esportivo através de incentivo. Faltam outras formas de apoio. Além disso, a iniciativa privada apoia muito pouco. É muito fácil a sociedade em geral cobrar resultados e medalhas, mas quando têm a oportunidade de fazerem sua parte não fazem. Eu mesmo tenho um projeto através da lei federal e estou há dois anos tentando captar verba via isenção de imposto de renda e não consigo. Então, é um pouco de cada coisa.
Você tem quantos patrocínios hoje?
Hoje tenho o patrocínio da Nissan, onde faço parte do Time Nissan para os Jogos Olímpicos, da Embratel/Claro através da Lei de Incentivo ao Esporte de ICMS pelo Rio de Janeiro, e ambas consegui no início do ano após a vaga olímpica. O meu maior patrocinador e incentivador da campanha olímpica foi a Equipe Crioula de Vela (barco pelo qual competiu na Semana de Vela em Ilhabela), que foi quem me deu o primeiro Nacra e me proporcionou muitas coisas durante a campanha. Se eu colocar na ponta do lápis foi a que mais investiu em mim. O Comitê Olímpico do Brasil (COB), através da Confederação de Vela, também me deu um bom apoio do Bradesco, que apesar de não ser um patrocínio direto, me proporcionou passagens e hospedagens nas competições fora do país. Além desses, tenho o Bolsa Atleta que é um recurso que ajuda nas despesas.