O timbre da voz lembra muito bem a dos cantores de axé, que ganharam uma fama maior pelo Brasil na década de 90. O brinco na orelha, que até parece um diamante, as tatuagens e as diversas fotos nas redes sociais em festas e com amigos, faz recordar alguns astros do futebol mundial. Mas, na verdade, estamos falando de um canoísta brasileiro. Não um atleta qualquer. Ele é Isaquias Queiroz, o primeiro medalhista do Brasil na modalidade em uma edição de Jogos Olímpico.
Isaquias foge um pouco do padrão encontrado em muitos competidores do país na atualidade. Esqueça aquele jeito certinho, que mede as palavras antes de falar ou que está mais preocupado com a opinião dos outros e deixa de viver à sua maneira. A espontaneidade e simplicidade ainda são as marcas do canoísta. Talvez, até por isso, seja um dos atletas da delegação brasileira nos Jogos Olímpicos que ainda não faz parte do Exército. Seguir tantas regras e prestar continência no pódio não combinaria muito com ele.
Ao mesmo tempo, não tem deixado de se dedicar nos treinamentos para realizar seus grandes objetivos. Afinal, trocar a pequena Ubaitava, na Bahia, onde nasceu, pela também pacata Lagoa Santa, em Minas Gerais, apenas para focar no sonho olímpico não deve ser fácil. Mas tudo isso vale a pena na luta pelas medalhas na Rio-2016. Ainda mais, quando o técnico, o espanhol Jesús Morlan, é seu principal incentivador.
- Em 2012, eu tinha sumido do mapa da canoagem. Nem sei se estava pensando na Olimpíada do Rio. Mas, em 2013, o Comitê Olímpico do Brasil fez uma contratação muito importante. Com Morlán, os resultados melhoraram muito na canoagem. Fomos para Mundial logo na primeira temporada e conseguimos medalhas de prata, bronze e ouro. Acho que sem ele eu não teria ganhado essa medalha. O pessoal pode falar que eu tenho talento, mas sem um bom cara para lapidar o diamante não tem como chegar a um ponto certo. Sem ele não teria ganhado essa medalha. O cara tem cabeça, tem seis medalhas no currículo. Não é para qualquer treinador. Ele sabe treinar o atleta e é como um pai para mim, sempre me incentivou – afirmou o atleta.
O treinador também é um dos responsáveis por acalmar o ímpeto do canoísta. Meses atrás, era comum acompanhar a rotina social de Isaquias pelas redes sociais. Fotos com amigos, em festas eram coisas normais. Com a proximidade dos Jogos Olímpicos, isso diminuiu. E muito. Prova que o foco está na Olimpíada, ainda mais após o acidente sofrido em setembro de 2015, quando capotou o carro na BR-101, em uma região próxima a Ubaitava, depois de buscar o irmão no aeroporto.
Nada de grave aconteceu com ele. Ainda bem. De situações complicadas, a vida dele já é cheia, afinal, aos os três anos teve parte do corpo queimado ao se acidentar com uma panela com água quente e passou mais de um mês internado. Aos cinco, foi sequestrado. Já aos dez, caiu de uma árvore, teve hemorragia interna e perdeu um rim.
- É uma satisfação ganhar essa medalha após passar por tantas coisas em minha vida. Perder um rim... Só tenho um, mas nunca usei isso como desculpa, é uma coisa normal para mim. Tive uma queimadura de quase toda a parte direita do meu corpo. Então, foram várias coisas para me deixar desmotivado, mas isso nunca me abateu ou mexeu c com psicológico. Na vida pessoal , todos têm dificuldade – declarou o brasileiro.
Isaquias não tem medo de suas origens. Nem de mostrar quem realmente é. Muito menos enfrentar grandes concorrentes dentro das provas de canoagem. E o que mais assustou após a conquista da prata na prova C1 1.000m, na última terça-feira, na Rio-2016. Bom, bem ao seu jeito, ele mesmo responde:
- Foi muito f... a imprensa, nunca tinha ocorrido isso, de a imprensa estar muito em cima. E principalmente a torcida do Brasil, primeira vez que as pessoas vêm assistir À canoagem. Na Alemanha e na Hungria tem mais. Sempre imaginei isso no meu país, e nesta terça-feira, eu tive.