Dorival chega ao top 10 do Santos e troca comemoração por ‘protesto’
Técnico faz história e entra para a lista dos dez que mais comandaram o Peixe, mas não se empolga com o feito e protesta contra a rotatividade de técnicos no futebol brasileiro
Desiludido e sem esperanças por um futuro melhor. É assim que o técnico Dorival Júnior se sente quando o assunto são os rumos do futebol brasileiro e a constante troca de treinadores nos clubes daqui. Nem mesmo com a homenagem feita pelo Santos ao completar cem jogos Dorival se empolga.
Neste sábado, quando o Peixe enfrenta o Água Santa às 18h30, no Pacaembu, o treinador chegará a 106 partidas, contando amistoso, à frente do clube, e tal marca confere a ele o posto de 10º técnico que mais comandou o time em quase 104 anos de história.
Como a incerteza quanto ao futuro de sua profissão é grande, ele aproveita uma marca, que seria motivo apenas para comemoração, para também protestar.
Já que a indignação e a vontade por mudanças são maiores do que o desgosto com quem comanda o futebol nacional, Dorival não se acanha ao expor suas ideias, e foi isso que fez em entrevista exclusiva ao LANCE!.
"Teve treinador demitido antes de os regionais começarem por um mau resultado na pré-temporada", Dorival Júnior
- Gestão do futebol brasileiro é falha. Não tiro a culpa dos treinadores, temos as nossas, mas a nossa gestão é comprometida em muitos aspectos e, queira ou não, é feito no impulso. São tomadas de decisões muito ruins para todo mundo - disse, ao L!.
Embora não seja uma boa recordação para Dorival, vale lembrar que os 106 jogos dele à frente do clube são somados com sua passagem de 2010 pela Vila Belmiro, interrompida porque Luis Álvaro Ribeiro, então presidente do Santos, optou por resolver um imbróglio entre o treinador e o craque Neymar com a demissão do comandante.
Com esta página virada, ele sentiu o drama na pele em outras passagens interrompidas por Flamengo, Fluminense, Vasco, Palmeiras, Internacional e Atlético-MG, quando em muitos casos foi chamado para "apagar incêndios" e assumir clubes perto da zona da degola.
Mesmo assim, Dorival Júnior, aos 53 anos, tem muito mais motivações para seguir no futebol do que simplesmente manter as contas em dia. Como qualquer futebolista, ele tem a ambição de conquistar títulos. Mas quis o destino que depois de seis anos Dorival fosse retornar ao Santos, sendo o único técnico da história do clube a chegar em finais de Copa do Brasil - um título (2010) e um vice-campeonato (no ano passado).
Lá se vão oito meses desde seu retorno e nenhum sinal de demissão ou desavença. Pelo contrário. Até então, tudo caminha nos eixos. Mas tem muita coisa que Dorival ainda quer que mude. Deve ser por isso que ele continua tentando...
Confira abaixo a entrevista feita com ele:
Na Europa técnicos também começaram a ser mandados embora. Como explica isso?
Pela primeira vez, Rafa Benítez, Mourinho, Van Gaal pipocando... Eu acho que eles querem copiar isso da gente também (risos). Difícil analisar assim, não tenho parâmetro, nunca vi isso na Europa. É raro mudar o treinador, e só muda quando há motivos muito reais. Lá clubes são comandados por um dono, não tem o tal do Conselho Deliberativo, que é formado por contentes e descontentes. Lá quem comanda é um dono, e o cara pensa muito na contratação do profissional, mede muito as atitudes para contratar.
E você vê algo sendo feito para começar a mudar a situação?
Ainda não. Muito pouco tem sido feito. A grande verdade é que a CBF tem de mexer um pouco nisso, tem de viver um pouco mais os clubes, descer do pedestal e participar do dia a dia. Ouvir os clubes, trabalhar em prol dos clubes para que ela esteja abastecida com a Seleção Brasileira. E toda a atitude do futebol brasileiro depende da CBF, as federações têm de se preocupar mais com seus filiados, e não é isso que acontece.
Acha que a CBF deveria se preocupar apenas com a Seleção e deixar os clubes se organizarem entre eles?
O fim é sempre a Seleção, mas tem de ajudar os clubes a preparar uma condição para abastecermos jogadores para lá. Nosso campeonato precisa de alterações rápidas, mas é a CBF não querer mudar, querer ou não querer profissionais para falar de futebol. Ela tinha de assumir a responsabilidade. Fica em um pedestal e parece que ninguém chega até eles, e eles não descem para ver a realidade. A CBF, como confederação é uma coisa, mas o dia a dia dos clubes que trabalham é outra.
Como avalia a criação das ligas?
Eu acho que essas ligas devem ser bem pensadas e trabalhadas, não com o sentido de separação da CBF, senão ninguém vai ganhar nada. Sou contra o modelo de gestão da CBF, contra a maneira como é conduzido o futebol. Acho que pode mudar muita coisa. Precisamos de modelo de gestão dos clubes também. Conselho Deliberativo com 40 pessoas falando no ouvido do presidente, ninguém tem base para sustentar nada. Não vai mudar tão cedo, porque no Brasil essa falta de cultura de jogar tudo em cima de um profissional ficou cômodo para todo mundo, até mesmo para os treinadores, que saem daqui e em 15 dias já vão para um outro clube.
"Acho que eles vêm com muita seriedade. Eles vêm para marcar terreno", Dorival, sobre o mercado chinês
E o que acha que pode ser feito?
A gente tinha de buscar alternativas, por isso sempre defendi um trabalho mais abrangente. Muita gente tem ideias muito boas que poderiam ser difundidas e testadas, e não acontece isso. Não vejo um movimento sério, parece que está cômodo manter a situação como está. O futebol brasileiro não quer mudar, não existe seriedade para que possa condicionar um trabalho a algumas regras que devem ser seguidas. Muita coisa foi falada, seminários de trazer treinadores, dirigentes. Mas e as atitudes, cadê? É só aquele foguinho de palha de quando acontece uma tragédia. É um reflexo de um país sem responsabilidade com nada.
E como avalia a participação do Bom Senso no futebol?
Bom Senso é muito pouco. A representatividade ainda não é grande, porque os próprios jogadores não se dão conta da importância e deixam na mão de meia dúzia para conduzir um processo que deveria ser de todos. Lances isolados acontecem, mas sem força, então isso dificulta ainda mais. Ninguém vai fazer nada sozinho, as pessoas não percebem que têm de se agrupar para instigar um movimento que queira mudança e obrigue a tomada de decisões.
A formação dos técnicos seria a solução para a categoria?
De um modo geral, pergunto quem é bem formado no país? Tem poucas áreas com pessoas que realmente representem. Treinador nunca teve essa preocupação de se formar. O curso da CBF é vago, busca só angariar fundo, mas para quem eu não sei. Futebol deixou de ser entretenimento, tem de ser estudado. Lá fora, o técnico leva duas mil horas de estudo, aqui no Brasil o cara faz um fim de semana de curso e fala que é treinador. Aí acaba a Copa e dizem que o treinador tem de se reciclar. Onde? Vou na USP? Minha reciclagem então tem de ser feita lá fora, porque lá eles têm curso de formação, estudam futebol por muito tempo. Mas quantos podem ir lá para fora melhorar suas condições de trabalho? Essa década está perdida, precisamos formar daqui para frente. Temos de saber que estamos muito atrás e que o futebol brasileiro parou no tempo. Não investimos em pesquisa e nem em estudo.
Como avalia a presença de técnicos estrangeiros no Brasil?
Se equivalem nos aspectos. Se nós chegarmos em um país, também teremos dificuldades de adaptação. São profissionais bem-vindos, mas tem de ter tempo de trabalho, não dá para avaliar sem tempo. Não se dá tempo para o treinador e ele é demitido. Quando ele monta a equipe, não vê o resultado final porque em três meses já está fora. O processo de montagem é complicado. Trazer por trazer, se não der condição de trabalho e entrar na mesmice, não tem porque trazer. Brasileiro, por exemplo, não pode entrar na Europa, não temos chancela da Uefa. Não pode treinar. A CBF teve de expedir um certificado para o Felipão poder entrar na China comprovando que ele é treinador. É uma vergonha. E aí falam que não temos espaço nos clubes da Europa, mas é que não podemos ser treinadores de times europeus.
Mas aqui no Brasil, acha que daria certo um curso como o da Uefa? O treinador brasileiro teria a ambição de se tornar realmente um técnico?
Daria. Seria fundamental que acontecesse. A partir daí ele seria reconhecido como treinador. Só que isso caberia à CBF implantar. O que queríamos da CBF é que preparasse profissionais para ensinar, que acompanhasse cursos de formação. Poderia ficar sob sua responsabilidade, mas desde que estivesse preparada para ensinar. Mas como tem curso de fim de semana, é interessante, pois tem interesse por trás de tudo isso.