Derrota da gestão: entenda a saída de diretor do futebol do São Paulo
'Renúncia' de Luiz Cunha vai além de discordância na contratação de atacante peruano. Processo tem diz-que-me-diz, problemas recorrentes e a velha briga baseada no poder
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A saída do diretor de futebol Luiz Cunha não foi exatamente uma surpresa para o São Paulo. Ou pelo menos não deveria ser. O desgaste da relação do dirigente, que culminou em seu desligamento confirmado nesta terça-feira, vem de algum tempo e expõe velhos problemas estruturais do clube do Morumbi.
O estopim para a saída, na versão de Cunha e até reconhecida pelo São Paulo, se deu na contratação do atacante peruano Christian Cueva. O ex-diretor disse que não concordava com o investimento (cerca de R$ 8,8 milhões) feito para trazer o jogador. Na visão dele, o clube não poderia gastar com reforços para não tirar recursos da negociação para a permanência do zagueiro Maicon - o contrato do atleta vence no fim do mês e precisará ser estendido para ele jogar as semifinais da Libertadores. O Porto (POR) quer dinheiro. No entanto, esse episódio minimiza um contexto mais amplo. Entenda abaixo.
Embate de versões
A saída de Luiz Cunha desencadeou um novo ringue de críticas no São Paulo. Do lado do diretor, reclamações de um suposto regime arcaico mantido pelo presidente Carlos Augusto de Barros e Silva. Cunha disse após a saída que tentou modernizar o trabalho, mas não conseguiu superar barreiras. Há queixas de que as negociações são feitas sem a anuência do departamento financeiro do clube, que sofre com dívidas. A crítica respinga sobre Gustavo Vieira de Oliveira, o diretor-executivo. É ele quem toca o planejamento que levou o time à semifinal da Libertadores. Em outras palavras, é o homem forte do futebol. Gustavo, no entanto, toma medidas com aval do presidente e é visto no mercado como um dirigente que gasta pouco. As contratações de Maicon, Lugano, Mena, Kelvin, Calleri e Ytalo foram sem custos.
Do lado do departamento de futebol gerido por Gustavo, há o contraponto. Nos últimos dias, circulou internamente no São Paulo a informação de que o agora ex-diretor estava trabalhando para trazer de Cotia profissionais para trabalhar no departamento profissional, na Barra Funda, em substituição aos que lá estão. Cunha, como se sabe, ganhou projeção no Tricolor pelo tempo que passou na base, no segundo semestre do ano passado, período a partir do qual o time sagrou-se campeão de tudo. Ele nega, porém, tal movimento.
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É preciso ressaltar que o trabalho da base era a principal bandeira de Luiz Cunha. Ele não é conselheiro do São Paulo, mas foi promovido pelo presidente Leco ao profissional para substituir Ataíde Gil Guerreiro com esse cartaz dos feitos de Cotia. Desde o princípio, Cunha disse que só aceitou o cargo com garantias de que teria autonomia. Seu primeiro grande ato foi demitir o ex-coordenador técnico Milton Cruz. Passa por aí, também, a informação de que faz pressão para que mais garotos sejam utilizados no profissional, em detrimento a aquisições mais modestas, como a do atacante Ytalo, por exemplo. O camisa 37 veio do Osasco Audax sem custos e marcou o gol da vitória por 1 a 0 sobre o Cruzeiro, no último domingo.
Quem manda?
O processo de saída do diretor desagradou profundamente o presidente Leco. Luiz Cunha disse que estava angustiado por não conseguir atuar da maneira que gostaria nos últimos dias e por isso achou melhor se desligar. Na ala do presidente e dos que ficaram, tal atitude foi vista como um surto do ex-diretor, que não pensou no bem coletivo, e traiu a confiança de quem o colocou no cargo.
Cunha, em contrapartida, sentiu-se desautorizado e viu um cenário de quebra de herarquia. O São Paulo confirma que o dirigente tentou brecar a negociação de Cueva, mas o presidente Leco avalizou. As partes, porém, divergem em outro ponto: a participação do ex-diretor nas tratativas. Ele diz que soube depois, mas é rebatido com a informação de que participou desde a primeira conversa, apenas foi voto vencido.
A questão é que o próprio modelo de gestão do São Paulo permite esse tipo de situação. O presidente Carlos Augusto de Barros e Silva tem optado por postura mais atuante e próxima das decisões do futebol. Vai constantemente ao CT acompanhar os treinos e toma, pessoalmente, nota das informações passadas por Gustavo Vieira e, antes, Luiz Cunha. Portanto, a anuência da figura diretiva mais importante do clube já é suficiente para que o diretor-executivo, no caso Gustavo, atue numa decisão sem necessariamente demonstrar quebra de hierarquia. O diretor de futebol, cargo estatutário, por outro lado, tem o argumento de que precisa assinar os documentos dos acordos fechados para o futebol. Essa questão já atrapalhou o Tricolor em outros tempos.
Vale lembrar que os últimos técnicos do São Paulo reclamaram da dificuldade se trabalhar num ambiente em que o poder era dividido entre vários dirigentes. Muricy Ramalho, o colombiano Juan Carlos Osorio, atualmente no México, e até mesmo Edgardo Bauza já fizeram esse tipo de queixa.
Para se ter uma ideia, antecessor de Cunha em tese, Ataíde Gil Guerreiro passava toda a autonomia do departamento de futebol a Gustavo, seu homem de confiança. Se preocupava mais em blindar o CT da interferência de outras alas do São Paulo e justamente por isso virou teto para críticas de diversas alas do clube. Leco não suportou mantê-lo e acabou o remanejando para a diretoria de relações institucionais. Ataíde, como se sabe, foi protagonista da crise política ao se envolver em briga com o ex-presidente Carlos Miguel Aidar.
E agora?
No fim, boa parte dos sintomas já foram vistos em outras turbulências do clube: vaidade, falta de sintonia e briga por território. Como resolver? Na parte da gestão, a alternativa mais plausível, já discutida no clube há anos, seria a mudança no organograma, que precisaria passar por alteração no Estatuto. Não é um processo simples. Resta saber como a última baixa vai refletir no dia a dia do São Paulo, que está prestes a disputar uma semifinal da Libertadores.
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