Os 67.042 torcedores que foram ao Morumbi no dia 12 de dezembro de 2012 não poderiam imaginar, mas após verem o São Paulo conquistar o título da Copa Sul-Americana em um jogo de um tempo só (o rival Tigre, da Argentina, se recusou a voltar do intervalo alegando que seus jogadores foram agredidos por seguranças), voltariam a comemorar um título somente oito anos depois. E no pilar das complicações que fizeram o Tricolor amargar o período de jejum está um nome: Juvenal Juvêncio, que teve na competição continental sua última glória à frente dos dez anos em que comandou o clube (somando as duas gestões).
>>> Desde a última segunda-feira (19) até o dia da decisão da Copa Sul-Americana, o LANCE! mostra uma série de reportagens especiais sobre a trajetória do São Paulo para encerrar o jejum de dez anos sem conquistas internacionais. Na série especial 'Tricolor na Final', a caminhada rumo ao título. Confira os outros textos publicados:
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Com uma personalidade que 'flutuava' entre o lado folclórico e a contundência, o dirigente morreu em dezembro de 2015, depois de uma verdadeira dinastia onde consolidou o poder ao seu redor de tal forma que influencia até hoje os corredores do Morumbi. Algo que o Tricolor não vivia desde Cícero Pompeu de Toledo (1949 a 1958) e Laudo Natel (1958 a 1971), os arquitetos do estádio são-paulino e justamente os que se sentaram por mais tempo na cadeira que Juvenal.
Mas segundo suas próprias palavras, 'não há ninguém que tenha ganho mais do que eu por este clube.' A afirmação, apesar de carregada da peculiaridade personalidade de Juvenal, não deixa de estar correta. Em sua primeira passagem como diretor de futebol após a ascensão política no Morumbi, faturou dois campeonatos estaduais (1985 e 1987) e um Brasileirão (1986).
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É dele o primeiro 'Projeto Tóquio', ou seja, um plano elaborado especificamente para uma equipe brasileira vencer a Libertadores e ir disputar o Mundial de Clubes. O nome, pelo menos, divulgado na imprensa à época, é creditado a ele. O problema é que gabaritado para substituir Carlos Miguel Aidar na presidência no mandato seguinte (1988-1990), Juvenal falhou miseravelmente. O Tricolor foi eliminado ainda na fase de grupos da Libertadores de 1987.
Apesar de faturar mais um Estadual, em 1989, viu a equipe perder um Brasileirão em casa para o Vasco no mesmo ano e fazer pífia campanha no Paulistão do ano seguinte. Tais resultados, além da incômoda polêmica sobre rebaixamento ou não, fizeram o cartola perder status necessário para buscar a reeleição.
Entretanto, a faceta de um Juvenal arquiteto político, conhecida da torcida só duas décadas depois, já era muito sabida no Morumbi. O dirigente perdeu o pleito em 1990 para o banqueiro Antônio Leme Nunes Galvão, um ferrenho opositor. Juvenal não se conteve. Armou uma engenhosa manobra aceita por Galvão que o levou a renunciar. E ascendeu ao poder o aliado José Eduardo Mesquita Pimenta, que enfim colocou em prática de forma eficaz o 'Projeto Tóquio'.
A conturbada eleição de 1990: consenso pelo bem do clube (vídeo abaixo)
DE VOLTA AO MORUMBI, SURGE O JUVENAL SOBERANO
Juvenal voltou ao protagonismo em 2002, novamente como vice de futebol de Marcelo Portugal Gouvêa. E rapidamente alcançou o estrelado com o mágico ano de 2005 e as conquistas de Paulistão, Libertadores e Mundial. O rápido entendimento das mudanças promovidas pela Lei Pelé e a contratação de atletas de destaque de outros clubes de forma gratuita ao final de seus contratos (algo inédito na ocasião), o fizeram ter a fama necessária para ascender mais uma vez como o pleiteante favorito ao posto de mandatário. E assim foi em 2006.
A primeira gestão Juvenal foi marcada por um domínio descomunal do Tricolor em território local. Foram três títulos brasileiros seguidos, o que fez o dirigente dar passos ousados para o padrão que existia no Morumbi. Primeiro, se tornou uma figura muito mais presente no cotidiano. Entrevistas quase que semanais eram dadas aos jornalistas. Algo que os antecessores não faziam. Mais do que isso, ele motivou a adoção de uma mentalidade, digamos, soberana, em que a instituição se assumiu como a melhor do país, sem concorrência.
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O tom provocativo, muitas vezes explícito, isolou Juvenal entre os outros clubes, mas o tornou um símbolo do São Paulo entre a torcida. E uma força nos bastidores. Em uma sequência incrível de títulos, digna de grandes esquadrões na história, o dirigente praticamente extinguiu a oposição. E ainda contava com um evento para alavancar ainda mais seu nome: a Copa do Mundo de 2014, no Brasil, que teria no Morumbi a sede paulista.
Teria, mas foi um abalo do qual a gestão Juvenal se recuperou. Em nome do Mundial na casa são-paulina, o Conselho Deliberativo concedeu a permissão para o dirigente concorrer a um terceiro mandato. Reflexos tanto pelo espólio vitorioso dos anos anteriores, quanto da ausência total de oposição. A justificativa era a de que Juvenal era o único capaz de conduzir as reformas do Morumbi para a Copa.
E de fato houveram melhorias significativas na estrutura. Juvenal tirou do papel Cotia para a base, modernizou o CT da Barra Funda (que havia adquirido nos anos 1980) e o próprio Morumbi. Mas o ranço gerado pelas declarações dele afetaram as escolhas para a Copa. Depois de comprar briga com Andrés Sanchez, presidente do rival Corinthians na ocasião, e Ricardo Teixeira, então mandatário da CBF, a casa são-paulina acabou excluída das praças escolhidas. E como um efeito cascata, a superioridade são-paulina acabou desabando frente aos rivais.
O depoimento de Juvenal ao Museu da Pessoa em 1989 (vídeo abaixo)
SUCESSÃO PROBLEMÁTICA E DESMONTE PREJUDICIAL
Quando o São Paulo venceu a Sul-Americana há dez anos, o Morumbi já estava fora da Copa. Mas entre a torcida existia um otimismo de resgate dos dias de glórias de tempos antes. Por mais que rivais como Corinthians e Santos vivessem épocas excepcionais. E aí a sucessão de Juvenal se tornou um calvário que aprofundou a crise pelos lados do Morumbi. A Libertadores, eterno flete do clube, caiu entre os dedos em 2013 após derrota nos dois jogos para o Atlético-MG nas oitavas. E foi a deixa para a paixão das arquibancadas pelo cartola ganharem ruídos.
- Passou-se a acreditar que as pessoas não faziam diferença mais. Que a estrutura por si só fazia a diferença. E muita gente que fazia o bem para o São Paulo acabou saindo. De repente o Juvenal se encheu de aliados e as críticas construtivas deixaram de ser bem-vistas - disse o então coordenador de futebol do clube, hoje conselheiro e genro de Juvenal, Marco Aurélio Cunha, ao canal 'Flow Esporte Clube'.
Sem oposição, Juvenal escolheu a dedo o sucessor após a conquista da competição. Resgatou Aidar, antigo aliado da década de 1980, com a premissa de que cuidaria de Cotia. O casamento não durou muito. O antigo presidente acabou demitido e restou a ele a ressignificação das críticas à imprensa, que continuou a atender até sua morte.
Espécie de cartola-símbolo do São Paulo, Juvenal nos deixou sem ver o clube do coração passar pelos piores momentos de sua história política, com Aidar renunciando por denúncias de corrupção. Antes fechado, o Tricolor viu escândalos ganharem manchetes e o time lutando contra o rebaixamento. Reencontrou o caminho dos títulos só no ano passado, quando conquistou o Paulistão. Sua influência e conduta, entretanto, rondam o Morumbi até hoje. Afinal, o homem que distribuía bichos em dinheiro ainda no gramado e presenteava jogadores com cavalos de raça marcou sua trajetória. Para o bem ou para o mal.
Segundo dados divulgados após sua saída da vida política do clube, em 2005, o último ano antes da volta de Juvenal, o São Paulo tinha uma dívida de R$ 27 milhões. Em 2013, o último completo com o cartola falecido, a dívida tinha crescido praticamente nove vezes, chegando a R$ 251 milhões. Atualmente esse montante já é de R$ 642 milhões.
Já o aumento de receitas na era Juvenal foi bem menor, não chegando a quatro vezes. O São Paulo faturou R$ 114 milhões em 2005 e R$ 365 milhões em 2013.
ISSO É JUVENAL JUVÊNCIO
Nascimento: 25 de fevereiro de 1934, Santa Rosa de Viterbo (SP)
Morte: 9 de dezembro de 2015, São Paulo (SP)
Título pelo Tricolor:
Como diretor de futebol: Dois campeonatos brasileiros (1986 e 2006), três campeonatos paulistas (1985, 1987 e 2005), um Mundial (2005) e uma Libertadores (2005)
Como presidente: Dois campeonatos brasileiros (2007 e 2008) e uma Copa Sul-Americana (2012)
O SÃO PAULO NOS DEZ ANOS ANTES DE 2012
Presidentes: 2 (Marcelo Portugal Gouveia e Juvenal Juvêncio)
Títulos: Um Mundial (2005), uma Libertadores (2005), três Brasileirões (2006, 2007 e 2008), uma Copa Sul-Americana (2012), um Paulistão (2005) e um Supercampeonato Paulista (2002)
Dívida ao fim do período: R$ 251 milhões
O SÃO PAULO NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS ANTES DE 2022
Presidentes: 4 (Juvenal Juvêncio, Carlos Miguel Aidar, Carlos Augusto Barros e Silva e Julio Casares)
Título: Um Paulistão (2021)
Dívida ao fim do período: R$ 642 milhões
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