Zagueiro revela drama familiar, pede nova chance no São Paulo e chama Aidar de ‘mosca morta’
Lesionado, Luiz Eduardo sofre com doença grave da esposa e diz que o sonho de defender o clube pelo qual torce desde criança ainda não terminou
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Luiz Eduardo remou contra a maré. Enquanto uma barca de jogadores deixava o São Paulo no meio do ano, no fim de julho de 2015, o zagueiro chegava para suprir a carência de defensores. Vindo do São Caetano e sem empresário, o próprio beque acertou sua transferência com José Eduardo Chimello, então gerente-executivo do Tricolor, que lhe ofereceu um contrato até o fim do ano. São-paulino desde criança, Luiz Eduardo não negou a proposta e decidiu que “daria a vida” neste tempo para provar seu valor e continuar no clube em 2016.
Após ter aproveitado bem a sequência de jogos dada pelo treinador colombiano Juan Carlos Osorio, logo em sua chegada, o zagueiro de 28 anos sofreu uma lesão no joelho esquerdo, em setembro, que o deixou um mês fora dos gramados. Foi aí que o sonho tricolor começou a ruir.
Enquanto se recuperava no departamento médico, Luiz Eduardo descobriu que sua esposa, Jucyane Marçal, havia sido diagnosticada com esclerose múltipla, doença crônica do sistema nervoso central que afeta o cérebro. Uma das maneiras de tratar a disfunção é através de injeções diárias, que reduzem as complicações da doença.
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- Imagine eu tendo contrato até o final do ano, com uma puta responsabilidade, acabando de voltar de contusão, sabendo que minha esposa tem injeção todo dia para tomar à meia-noite, sabendo que até então eu aplicava a injeção. Tinha que concentrar e ela mandava mensagem: “Apliquei um pouco errado, doeu um pouco” – afirma Luiz Eduardo, pela primeira vez abertamente sobre o assunto, em entrevista exclusiva ao LANCE!.
O zagueiro retornou, sentiu novamente dores no joelho, mas seguiu atuando até o corpo se esgotar. Foi quando teve que operar, em novembro. Desde então, segue se recuperando – a previsão é que Luiz permaneça no departamento médico por mais um mês e meio.
Com o contrato perto de vencer, em 31 de dezembro de 2015, o jogador procurou o São Paulo para saber sua situação. Gustavo Oliveira, o diretor executivo de futebol do clube, ofereceu um contrato de dois meses para o camisa 26 terminar a recuperação no Reffis e o Tricolor evitar problemas judiciais. Luiz Eduardo sabe que uma nova prorrogação é muito difícil, mas não deixa de acreditar no “sonho de criança” de atuar novamente com a camisa do clube de coração.
Confira a entrevista completa com Luiz Eduardo, que fala sobre a desconfiança em sua chegada, o peso da saída de Osorio, as aulas de finanças para o elenco, os bastidores da classificação para a Copa Libertadores, a renovação de contrato e dispara contra Carlos Miguel Aidar:
Como foi feita a prorrogação do seu contrato?
Prorroguei o contrato por mais dois meses e pretendo continuar. Pretendo ter uma nova oportunidade da diretoria, mas minha preocupação, primeiro, é recuperar o joelho, estar 100%. Preciso estar 100%, ou não rendo. Não sei se vou ter a oportunidade de mostrar meu trabalho. Já que o Ataíde (Gil Guerreiro, vice-presidente de futebol) pediu a segunda chance dizendo que é capaz, por que o Luiz Eduardo não pode ter também? Se for falar um desejo do meu coração, é de permanecer. Sinto que minha história não acabou. Quando acabou o ano, achei que eles me dariam mais seis meses de contrato.
Com quem você tratou a renovação?
Conversei com o Gustavo. Foi uma conversa bastante tranquila, é um cara bem sincero, bem profissional, um excelente diretor. A gente conversou e acertamos por dois meses, para eu poder me recuperar. Não falou nada se eu iria continuar, se eu ia deixar o clube, alguma coisa assim. Acredito que me recuperando, fico aberto a qualquer coisa.
E se o São Paulo não renovar por mais tempo, quais são seus planos?
Já recebi propostas de três clubes grandes da Série A, do futebol chinês e do futebol mexicano. A minha resposta foi a seguinte: “Eu não vou definir enquanto não tiver resposta do São Paulo”. Porque eu sou assim. Dinheiro é “bão”, é “bão” para caramba, mas eu sonhei, eu lutei para chegar no São Paulo, eu não vou entregar os pontos tão fácil. Quando você está machucado, você não vale mais nada. Isso é assim na China e em qualquer lugar. Sei que estou em um dos melhores lugares do Brasil. Primeiro, tenho que recuperar meu joelho. Vendo que estou sem dor, se não me quiser, vou seguir minha vida em outro lugar.
O Gustavo falou se o Bauza tinha interesse em você?
Falou que veria minha situação primeiro. Depois que eu recuperasse e começasse a treinar, aí a comissão iria me avaliar, se me queria ou não.
Como está a recuperação?
Como a minha lesão é controdopatia patelar, ficarei mais um mês, um mês e meio fora. Se não for no São Paulo, minha volta vai ser em outro lugar.
Sua vida mudou muito depois que você foi para o São Paulo?
Com certeza mudou. Eu, como são-paulino desde moleque, minha família toda torcedora do São Paulo, realizei o sonho de várias pessoas e meu sonho particular. Ter jogado no São Paulo e no Atlético-MG mudou minha vida. Foi pouco tempo, mas foi muito intenso. Dei meu máximo. Ajudei quanto pude, até essa contusão que veio para me atrapalhar. Joguei alguns jogos com dor para tentar dar meu máximo. Parei porque não estava aguentando mais.
Como você analisa a sua passagem, até agora, pelo São Paulo?
Foi positiva. Em uma semana que estava no São Paulo, cheguei estreando contra o Corinthians, um clássico. Não estava enturmado com quase ninguém, cheguei meio receoso. Chegar em um clube da grandeza do São Paulo, jogando um clássico e jogar bem... Depois mantive a sequência de jogos enquanto o Osório esteve. Vim do São Caetano, tive que mostrar tudo muito rápido, estar no mesmo nível de todos. Acho que foi muito positivo. Depois me machuquei, voltei e fiz três jogos com o Doriva. Estava me incomodando um pouco o joelho, foi então que parei e resolvi fazer a cirurgia.
Quão doído foi para você ter que fazer a cirurgia?
Logo na semifinal, era uma oportunidade para todos me verem jogar, que estava chegando ali, sei que já tinha mostrado antes. Fiquei fora um mês e meio. Quando voltei, voltei jogando contra o Vasco, o joelho ainda incomodava. Achava que era normal. Depois acabei jogando a semi contra o Santos, depois a sequência até o Coritiba. Não estava conseguindo jogar 100%. Acabou que o doutor René (Abdalla, cirurgião do clube) decidiu junto com a fisioterapia que eu deveria operar.
Quanto a lesão te atrapalhou neste ano?
Eu entrei no São Paulo como se fosse minha vida. Sou um cara batalhador, de família muito humilde. Encarei como a chance da minha vida. Frustrou meu sonho com essas lesões. Sou muito firme com Deus, então Deus tem me confortado a aceitar isso. Agora que estou no São Paulo, jogando, acontece essas coisas. Meu coração ficou em pedaços. Uma coisa é começar a temporada no clube. Começar do zero, com treinador novo. Outra é chegar no clube vindo de um time da Série B, com desconfiança de todo mundo, falando que não deveria ser contratado, metendo o pau, com contrato de apenas cinco meses e mostrar tudo o que tem que fazer. É muito difícil.
E sua chegada foi em um momento conturbado...
Eram muitos caras saindo. Aí chega o Luiz Eduardo, com a torcida desconfiada. Surpreendi pelo meu futebol. A maioria dos torcedores pensava que havia saído um jogador que confiavam para chegar um Zé Mané. Para lidar com esse psicológico é difícil. Ter que mostrar isso tudo, para todo mundo. Muito jogador chega de time grande e não consegue render. Com uma semana de clube, já tive a confiança do Osorio. Na cabeça do torcedor, o Luiz Eduardo já tinha resolvido o problema.
A crise política atrapalhou o elenco?
Eu cheguei e tinha uma briga com o ex-presidente, o Aidar. Todo esse negócio político. Depois o Osorio saiu, assumiu o Doriva, técnico contratado do presidente que não estava mais. O mérito foi de todos os jogadores ao ter levado o São Paulo para uma fase preliminar da Libertadores em uma das maiores crises da sua história. Acho que a gente tentou se blindar e se blindou, se não estaria lá embaixo.
Como o vestiário ficou sabendo da saída do Aidar?
Na hora que ele mandou a carta. O grupo entrou na internet e ficou sabendo pela internet. Ele acusou que quem fez minha negociação foi o filho do Milton Cruz. Eu só vim a conhecer o filho do Milton, o Tadeu, depois do jogo contra o Corinthians.
Os jogadores ficaram contentes pela saída do Aidar?
Tenho certeza que sim. Igual o Rogério Ceni tinha falado, o Aidar precisa de ajuda. Ele falou algumas coisas sem lógica, no desespero. O Aidar não era participativo, não falava nada, parecia uma mosca morta. Ele impedia muito os outros de tentarem fazer algumas coisas.
Você esperava que o São Paulo conseguiria a vaga na Libertadores?
Cara, eu imaginava que depois que foi eliminado da Copa do Brasil, ficaria difícil. Os resultados foram dando certo. A gente tinha jogo relativamente difícil em Goiânia (na última rodada). O Goiás brigava para não cair, foi muito tenso. Acabou que no final do jogo, estávamos eu, Breno, Rodrigo Caio e Rogério Ceni, sem televisão no vestiário. A gente desceu antes de o jogo acabar. Na hora que o Rogério fez o gol, não sabia se era do São Paulo ou do Goiás. Ficou aquele clima tenso por dez segundos. O segurança estava escutando no radinho e disse que tinha sido do São Paulo. A gente se abraçou e teve a certeza que iria para a Libertadores. Naquele momento, eu nem pensava se continuaria. Pensei só na classificação e no torcedor. Foi um ano muito emocionante.
Qual foi a melhor dupla de zaga que você fez no São Paulo?
Eu e o Rodrigo Caio. Porque foram dois jogos que o time ganhou de 3 a 0 e não tomamos gols. O Lucão também é um excelente zagueiro. Torcida pegou no pé de uma maneira um pouco exagerada. Ele é muito novo, tem muito a crescer ainda dentro do São Paulo. Torcida tem que ter paciência. O Lucão precisa só ter um pouco mais de liderança e falar mais em campo.
O que você acha da possível chegada do Lugano? Ficou animado?
Eu torço para ele chegar. Torço muito. Ele é uma referência no São Paulo, zagueiro de Copa do Mundo, seleção uruguaia. Conquistou títulos no São Paulo, é um zagueiro experiente, pode ser o líder com a aposentadoria do Rogério. O São Paulo precisa de uma referência, que pode ser ele. Seria um prazer imenso poder trabalhar com ele.
Você fala com bastante carinho do Osorio. Como você reagiu à saída dele?
Osorio é um cara extremamente especial para mim. Não porque ele me levou, mas porque é um cara que senta na mesa de refeição, com você machucado, e começa a perguntar da sua cidade, da sua família, conversa com você. Um cara que acredito que também chegou desacreditado. Na saída dele, quase todos os jogadores postaram foto em rede social. É um cara que me ensinou muito, aprendi muito com ele. Eu já era humilde, aprendi a ficar ainda mais humilde com ele. A vida do cara era ver futebol. Acordava às 4h da manhã para ver. Ele sabe lidar com jogador bom, com jogador problemático. Ele é um cara 100, é uma referência.
O grupo sentiu a saída dele?
Não só eu, mas todos os jogadores ficaram muito sentidos. Acharam muito ruim a saída dele. Depois, chegou um excelente profissional, mas todo mundo já estava adaptado com o Osorio, pelo carisma que ele tinha. Por estar em reta final de competição, a gente não sabia muito do outro treinador.
Qual foi o peso que a saída do Osorio teve para o time?
Naquele momento, qualquer outro treinador que chegasse, poderia ser o Doriva ou outro, o time não conseguiria render igual vinha rendendo antes. Tudo o que o Osorio fez foi diferente do que qualquer um que já tinha passado na carreira. A dois meses para acabar o campeonato, qualquer treinador seria muito diferente. O time poderia ir muito bem ou poderia ir muito mal. Não sei qual foi a avaliação para o Doriva ter saído. Acredito que ele não teve culpa nenhuma, porque o trabalho do Osorio era diferente de tudo. Todo mundo achou que o Doriva ficaria até o final do ano.
Teve alguma passagem com o Osorio que te marcou?
Era o jogo do Corinthians, no domingo. Acabou o treino do sábado, fiquei sentado na porta do vestiário, tirando o meião. Aí ele veio, olhou para mim e falou: “Preparado?”. Respondi: “Estou preparado, pode confiar em mim”. Ele pegou e disse: “Eu confio. Tem muito treinador que diz que confia e não põe para jogar. Eu vou ter por para jogar.” Ele nunca tinha me visto antes. Cheguei, treinei bem e me colocou para jogar.
Você se despediu pessoalmente dele?
Despedi no meio do grupo, onde todos estavam. Depois peguei o celular dele com alguém do clube e mandei mensagem de despedida, desejando sorte, agradecendo a oportunidade, que tinha mudado a minha vida. Ele também me agradeceu, disse que gostava muito de mim e que estava com saudade de todos.
Quando você chegou no São Paulo, ficou conhecido como “economista”. Os jogadores brincavam com você por causa disso?
Eles não brincavam, pediam muita informação. Eu não sou formado em economia, fiz curso de gestão financeira. Dei muita dica para alguns jogadores sobre finanças. Quando a gente ia conversar sobre essas coisas, algum jogador com dificuldade, a gente trocava ideias. Eles também sabiam de muitas coisas, acabou aproximando todo mundo, não por saber que sou culto, mas que não sou um cara qualquer.
Como é a sua amizade com os jogadores?
Sou um cara muito simples, muito natural nas minhas amizades. Sempre procurei ser eu mesmo. Tenho até amizade com o Ronaldinho Gaúcho. Fiz amizade com Luis Fabiano, Breno, Rogério Ceni... A gente conversou bastante. A gente tem que ser humano, a raiz da gente. Se está no São Paulo, São Caetano ou no Íbis, tem que ser a pessoa que sempre foi. Não pode se diminuir, tem que procurar ser o que é.
No seu Instagram, na sua chegada ao São Paulo, você postou uma foto quando jovem ao lado do Luis Fabiano. Chegou a falar com ele sobre isso?
A gente foi para o sítio dele em Jaguariúna, passamos um final de semana no fim do ano. Eu falei com a minha mãe para mandar a foto para mim no Whatsapp e mostrei para ele. Ele ficou impressionado, nem ele lembrava. Foi em 2001, no jogo da Copa do Brasil em que o time ganhou de 10 a 0 do Botafogo da Paraíba. Mostrei para ele, ele curtiu para caramba, até mostrou no sítio com orgulho para os familiares, os filhos.
Você pretende ter filhos também?
Eu nunca falei isso antes. Minha esposa tem esclerose múltipla, toma injeção diária de corticoide. Tem que tomar por dois anos já que vai ter que fazer tratamento. O Doutor Acary (Bulle de Oliveira, especialista em esclerose) está dando toda assistência, junto com o Doutor José Sanchez, que apresentou ele para a gente e deu todo apoio para mim. Sou muito grato a eles dois, muito mesmo, não tenho nem palavras. Quando nós descobrimos a doença, eu estava no São Paulo, machucado . De início, fomos em outro médico. Foi ver os exames, foi descartado o tumor e diagnosticou a esclerose. Ela não estava mais sentindo gosto do alimento, a sola do pé.
Como ficou sua cabeça ao descobrir a doença?
Ninguém sabe o que passa. Imagina eu tendo contrato até o final do ano, com uma puta responsabilidade, acabando de voltar de contusão, sabendo que minha esposa tem injeção todo dia para tomar à meia-noite, sabendo que até então eu aplicava a injeção. Tinha que concentrar e ela mandava mensagem: “Apliquei um pouco errado, doeu um pouco”. Não é fácil, sabendo que tem uma mulher dentro de casa dependendo de você. Minha mãe teve que ir para São Paulo porque estava difícil. Ninguém quer saber de nada. Entrou lá (no gramado), tem 50 mil pessoas. Se tem problema, se o joelho está doendo, se o salário está atrasado, não tem ninguém aí, tem que dar o seu melhor. E eu dei o meu melhor.
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