Dennis Woods, 59 anos, é um administrador inglês que trabalha em um escritório de advocacia em Essex, na Inglaterra. Poderia ser um perfil de um previsível trabalhador inglês, se não fosse uma paixão pela Seleção Brasileira de futebol, que o levou a ser um dos principais especialistas em estatísticas sobre nosso escrete canarinho.
Sua pesquisa sobre a Seleção começou em 1978 e foi evoluindo ao longo do tempo. Desde 78, Woods assistiu, ao vivo, a 87 jogos da Seleção, sendo três não oficiais e sete de Olimpíadas. Esteve em três Copas do Mundo (1994, 1998 e 2006) e uma Copa América - a de 2019, quando o Brasil foi novamente campeão em casa. Em toda essa trajetória, compilou muitas estatísticas e viveu muitas experiências, como especialista e fã da Seleção.
Com um trabalho consistente e crescente, suas estatísticas ganharam destaque e se tornaram referências para emissoras como BBC e ITV (na Inglaterra) e Globo (no Brasil), além de ser um dos autores do livro "Todos os jogos do Brasil" (Editora Abril, 2006).
Além disso, ele faz parte da equipe do site Yellow and Green Football, em inglês, especializado sobre o futebol brasileiro. Também fornece dados para o projeto RSSSF Brasil, sobre estatísticas do futebol, com contribuições relevantes com dados sobre a nossa seleção. E ainda está à procura de materiais para aprimorar sua base de dados: em especial, vídeo de jogos entre 1970 a 1983, como, por exemplo, a partida entre Brasil x Polônia, em 1980, no Morumbi.
Extremamente discreto, não suporta aparecer - inclusive, mandou uma foto sem mostrar seu rosto, para ilustrar a entrevista. Sua discrição se evidencia no excelente perfil no Twitter que mantém, o BrazilNationalTeamFocus, focado apenas na Seleção Brasileira, com conteúdos inéditos e curados. Com quase 1.000 seguidores, ele curiosamente segue de volta 0 (zero) contas, o que confirma seu perfil recluso. A sua conta no Twitter tem como avatar uma foto do Toninho Cerezo, ainda jogador no Atlético-MG - que, junto com o nickname "Mineiro Giant" (@MineiroGiant), revela sua admiração pelo "Príncipe dos Volantes" e uma certa simpatia pelo Galo.
Então, para saber mais sobre esse inglês expert na Seleção, confira abaixo esta entrevista exclusiva.
Quando você começou a se interessar pelo futebol?
Dennis Woods: Provavelmente desde o nascimento. Para ser mais preciso, desde quando fui adotado. Meu pai era torcedor do Arsenal, então sua influência estava sempre presente. Quando criança, eu sempre jogava futebol. Quando estava na escola, mal podia esperar para voltar para casa e jogar futebol.
E, principalmente, como você se tornou especialista da equipe Brasil? Conte-me sobre esse processo, por favor.
Para alguém interessado em futebol, sempre havia uma certa mística sobre a Seleção Brasileira, que muitas vezes era a "segunda equipe" dos torcedores. Eles raramente eram vistos por pessoas na Inglaterra, exceto na Copa do Mundo. Então a falta de acesso a algo às vezes aumenta a curiosidade. A primeira vez que os vi foi quando eu tinha 9 anos assistindo à Copa do Mundo de 1970 na TV. Lembro-me muito pouco do torneio, mas lembro-me de usar uma camiseta naquela época com o rosto de Pelé - talvez esse tenha sido o gatilho para o meu interesse. No final da adolescência, a revista World Soccer era a única fonte de informação sobre o time.
Desde que você começou a seguir a Seleção, em quantos jogos ou torneios da dela você participou?
Foram 87 jogos internacionais completos, três jogos não oficiais e sete nas Olimpíadas (1996 e 2012). Minha estreia foi o jogo contra a Inglaterra em 1978 em Wembley e a mais recente derrota contra o Peru, em Los Angeles, em setembro de 2019. Estive em três Copas do Mundo (1994, 1998, 2006) e em uma Copa América (2019, incluindo a final contra o Peru). Eu acumulei uma quantidade razoável de milhas aéreas, inclusive por ir para Melbourne, na Austrália, para assistir a dois jogos.
Você pode me contar alguns momentos especiais sobre essas experiências? Alguma curiosidade ou algum momento único? Eu acho que ir ao Arruda, em Recife, em 1994, para a vitória por 2 x 0 sobre a Argentina é algo que vale a pena mencionar. O estádio parecia muito cheio para mim. A atmosfera balançou e o bônus foi um Ronaldo, de 17 anos, estreando por 10 minutos. Outra vez, assistindo ao Brasil treinar na Inglaterra, em 1995, vimos Edmundo procurando por algo, depois que o treinamento terminou. Descobrimos que ele havia perdido o anel de casamento. Meu irmão encontrou o anel e dizer que o "Animal" ficou feliz é um eufemismo. Eu também estava presente em Istambul, quando Neymar marcou dois gols no mesmo jogo contra a Turquia, em Novembro de 2014. E também em Hamburgo, em 2012, quando, vestido com minha camisa do Flamengo, encontrei com Thiago Silva e Wellington Nem, ambos "representantes" do Fluminense. Ah, também já dividi uma academia de ginástica com David Luiz.
'Com uma joia como Neymar tudo é possível. Ele é facilmente um dos melhores jogadores que já vestiu a camisa do Brasil'
Na sua opinião, quem são os maiores jogadores da história da Seleção?
Houve muitos e Pelé lidera, é claro. Para aqueles que eu já vi em um estádio, penso em Robinho, Ronaldo, Neymar, Romário, Kaká, Marcelo, Lúcio, Thiago Silva, Mauro Silva, Roberto Carlos e Bebeto. Também tenho muito respeito pelo Taffarel. Ele era muito calmo e seguro. E sua óbvia qualidade fez muitas pessoas repensarem a avaliação sobre os goleiros do Brasil.
Você ama Cerezo e Robinho. Pode me dizer por quê?
Para mim, Cerezo é um príncipe de volantes (na verdade, acho que ele era "muito livre" para o papel de volante, mas vamos em frente!). Um comentarista de televisão na Inglaterra o chamou de "majestoso" quando tocou na bola, no jogo Brasil x Inglaterra, em 1981. Essa foi uma descrição muito boa. Gostei da maneira como ele era "flexível" (não posso dizer nada melhor do que isso!), misturando delicadeza, criatividade com poder e energia. Em relação a Robinho, ele é minha ideia do que deveria ser um futebol brasileiro, com essa técnica suprema e extravagante. A "Alegria Moderna do Povo", como eu o chamo, era a luz do sol no campo. Alguns jogadores nascem jogadores e é ele um exemplo. Ele é um jogador de alto nível, com a capacidade de fazer as coisas com facilidade que muito poucos conseguem fazer.
Quais são as melhores seleções que você já viu?
Além da de 1970, quando Zagallo encontrou uma maneira de obter todos os seus ativos de ataque entre os 11 iniciais, eu diria 1997-1999. E não houve coincidência com Ronaldo estar no auge. Eles venceram duas Copas América e uma Copa das Confederações da FIFA. Outro digno de menção foi quando o Imperador Adriano estava no time com jogadores como Ronaldo, Kaká e Robinho.
Você tem um profundo trabalho de pesquisa sobre as estatísticas da Seleção. Quais são os dados que você mais gosta? Ou acha muito interessante representar a Seleção? Você pode destacar alguns?
Existem tantos - e estou descobrindo cada vez mais ao longo do tempo. Gosto do fato de Robinho manter o recorde de aparições consecutivas no Brasil (40 jogos). O Brasil nunca sendo derrotado em uma eliminatória da Copa do Mundo em casa também é do que eu gosto (e espero que continue por muito mais tempo, é claro). O negativo: é incrivelmente frustrante ser um 'homem das estatísticas', apesar de ninguém concordar com exatamente quantos jogos oficiais o Brasil jogou.
O que você acha do presente e do futuro da Seleção?
Acredito que o Brasil sempre produzirá jogadores talentosos. O que não quero que aconteça com esse talento é a capacidade natural ser diluída, seja com treinamento ou com cautela excessivos. Cinquenta anos atrás, Zagallo colocou todos os seus ativos de ataque em campo em um time, mas isso aconteceria agora? Quero que os brasileiros joguem como brasileiros, em vez de entrar em campo com uma camisa de força. De maneira geral, não gosto da composição da equipe com o grande número de jogadores vindos de clubes estrangeiros. O talento local é negligenciado um pouco demais para o meu gosto. Acho que treinadores respeitados estão avaliando um jogador que joga na Europa como um nível mais alto do que aqueles que jogam no Brasil. Outra antipatia é a equipe jogar muitos amistosos em outros países - a população local está sendo privada de ver seu país jogando nos estádios locais. Outro ponto negativo é a incapacidade ou falta de vontade dos administradores de futebol de organizar o calendário, para que não tenhamos essa situação ridícula em que os clubes locais estão jogando um dia antes ou depois da Seleção jogar, em uma data FIFA.
Temos alguma chance de ser campeão do mundo novamente, considerando a enorme e real diferença entre a Europa e a América do Sul em termos de organização e estrutura?
É claro que o Brasil tem chance de ser vencedor da Copa do Mundo novamente. Com uma joia como Neymar tudo é possível. Ele é facilmente um dos melhores jogadores que já vestiu a camisa do Brasil (e essa avaliação não mudará, mesmo que ele não vença uma Copa do Mundo). A organização e a estrutura às vezes são necessárias e outras são superestimadas. Eu apoiaria o Brasil tocando 'naturalmente' para vencer a maioria, senão qualquer nação do mundo.
2022: o que Tite deve fazer para a Seleção jogar uma ótima Copa? Que conselho você daria a ele?
Essa é uma pergunta difícil, já que muita coisa poderia acontecer no futebol brasileiro até lá. Alguém pode surgir nos próximos dois anos, por exemplo. Outros jogadores estabelecidos podem perder a forma ao longo do período. Sou um mero apoiador, por isso não me sinto totalmente confortável em dar um conselho, mas como você insiste: ele está no caminho certo, mas eu gostaria que o Brasil jogasse bem e de forma mais extravagante. A vitória na Copa América foi essencial para ele. Eu gostaria de que ele desse uma chance a mais jogadores locais: acho triste que um jogador eleito o melhor jogador do Brasileiro (Dudu, do Palmeiras, em 2018) mal tenha tido uma chance.
Você visitou o Brasil, como me contou. Você tem planos de voltar aqui? Finalmente, uma pergunta fácil! Eu certamente pretendo visitar o Brasil novamente. A primeira cerveja será por minha conta, se nossos caminhos se cruzarem. Obrigado por me convidar para dar esta entrevista para uma organização de prestígio como o LANCE!.
*Paulo Henrique Ferreira é jornalista, diretor da Barões Digital Publishing. Entre outras posições no mercado da internet, foi gestor de mídias digitais do LANCE! entre 2008 a 2015.