Dunga: ‘Brasil foi estudar a Europa naquilo que não precisava estudar’
Ao Lance!, capitão do Tetra fala sobre Seleção, Ronaldo na CBF, Neymar...
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Capitão da Seleção Brasileira na conquista do Tetra e treinador da equipe em duas oportunidades, Dunga reconhece que o momento do time nacional não é bom. Mas o ex-camisa 8 considera que o Brasil não perdeu o encanto. Para ele, o que a Seleção precisa é "ter humildade" e entender que está em um momento de transição.
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Dunga esteve no Rio esta semana para o lançamento da série documental “Brasil vs Dunga – Futebol em Pé de Guerra”. Nesta entrevista exclusiva ao Lance!, ele discorre sobre a Seleção Brasileira, o desejo de Ronaldo Fenômeno de ser presidente da CBF, Neymar e Vinicius Jr.
LANCE! - Você consegue ver semelhanças do momento da Seleção Brasileira com aquela de 1990, 1994?
DUNGA - Em alguns aspectos, sim. A de 1990, nós fizemos uma Copa América em 1989 muito boa. O Brasil não ganhava a Copa América havia 40 anos. Mas se criou uma expectativa, se cria uma expectativa sempre do Brasil. Por mais que a gente critique e fale, a Seleção Brasileira, pela história, é sempre favorita. E talvez a Seleção de 1994 recebeu muitas críticas porque todos os jornalistas que entendiam de futebol, ou que achavam que eram os donos da verdade, deram como a Seleção perdedora. Aí, quando a Seleção ganhou, eles tinham que justificar a opinião deles. Nunca foi reconhecido o merecimento da Seleção de 1994, porque os caras deram como perdedora e eles tinham que afirmar o pensamento deles. Nunca modificaram e disseram “olha, foi uma seleção que jogava um futebol moderno, posse de bola, chances de gol, bons atacantes, defesa menos vazada”. Nunca se conseguiu ter essa análise.
A Seleção atual está perdendo o encanto?
Não, a Seleção não perde o encanto. Porque não é a Seleção, é a camisa amarela. Aonde você vai no mundo, tem uma camisa da Seleção. Lógico, a desconfiança tem, é normal, passa pelo momento. Mas onde o Brasil vai é referência aos seus jogadores. Não estamos tendo os resultados que nós gostaríamos que a Seleção brasileira obtivesse, mas também não adianta a gente ficar lamentando e chorando. Vão ser os jogadores que vão ter que resolver lá dentro do campo, mostrar o potencial, o valor que eles têm.
Eu sou um pouco de opinião diferente daquela “ah, não tem mais jogador bom”. Na nossa época, a maioria dos nossos jogadores eram referência nos clubes onde jogavam. Hoje, pelo futebol globalizado, poucos jogadores nossos são referência no clube, porque têm outros jogadores como referência. Mas eles são bons. E eles têm que provar isso na Seleção. Eles têm que provar por que foram jogar na Europa dentro da Seleção Brasileira.
Nesse sentido, você acha que outras seleções, outros países, evoluíram muito, ou o Brasil evoluiu menos que deveria?
Eles evoluíram, mas a questão de evoluir é a questão também de geração. Por exemplo, a Espanha teve uma geração boa, e depois de muito tempo ela voltou a ter essa geração boa. O Brasil teve uma geração boa e vencedora de 1990 a 2002, então ficou referência. Mas as pessoas acham que vai ser sempre assim. O Brasil foi finalista em três Copas seguidas, algo muito difícil. E se criou esse pensamento “ah, o Brasil vai ser sempre finalista”. Não, os outros também são bons. Os outros também evoluem, os outros nos estudam. E eu acho que o Brasil foi estudar a Europa naquilo que não precisava estudar.
Que seria…
A forma de jogar. Nós tínhamos que estudar a Europa na forma de organização, as condições de trabalho para os profissionais do futebol. Isso a gente tinha que estudar na Europa. Agora, a forma de jogar, isso não. Isso é característico da nossa escola. Assim como a Argentina tem a escola, assim como a Itália tem a escola dela.
A Itália também era sempre finalista. Quando a Itália começou a perder espaço, a não ir para a Copa do Mundo? Quando a Itália quis mudar a forma, quis mudar a sua escola de jogar futebol. E o Brasil está muito parecido com isso, a começar pelo futebol brasileiro: todo mundo joga igual, mas não dá para jogar igual, porque a gente não tem os mesmos jogadores. Isso é humildade e inteligência. Quando eu souber que eu não posso atacar, eu tenho que jogar para me defender. Quando eu souber que eu sou melhor, eu tenho que atacar. E dentro do jogo eu tenho que atacar e defender. Mas hoje todo mundo quer jogar de igual para igual.
O que acontecia com as seleções? Quando elas queriam jogar de igual para igual com o Brasil, elas perdiam sempre. Elas tiveram que entender que não podiam jogar de igual. Elas tiveram que tirar o espaço dos jogadores brasileiros, tiveram que diminuir o ritmo para conseguir ganhar do Brasil. Quando elas jogam de peito aberto com o Brasil, vão perder. E agora é o momento de transição da nossa Seleção, em que a gente tem que ter humildade e saber que a gente tem que segurar um pouquinho, mas a gente tem que ser mais eficiente. Readquirir confiança, readquirir o nosso jogo para fazer as coisas.
Historicamente, o “camisa 10” surgiu no Brasil. Você já comentou em outros momentos que a gente não está mais formando aquele jogador técnico. É uma falha do Brasil ter deixado de produzir esse tipo de jogador?
É muito boa pergunta, mas ela é complexa. Por quê? Antigamente nós tínhamos jogadores juniores até os 20 anos, e os jogadores de 17, 18 anos que subiam para o profissional eram uma exceção. Baixamos de 20 para 18. Agora, com 18, todo mundo tem que estar no profissional. E aí perdemos muitos talentos, porque ele não está preparado fisicamente, tecnicamente. E jogador dessa idade tem que jogar. E aí começou a se fazer o quê? Como ele tem 18 e não está preparado fisicamente, tecnicamente, o número 10 a gente põe para o lado do campo. E aí a gente começou a perder o número 10.
A gente copiou tudo da Europa. Por quê? Porque a gente acelerou o processo. O jogador para jogar de número 10 tinha que ter uma condição física melhor, tinha que ter noção tática, tinha que jogar mais.
Acho que o Brasil tem que dar um passo atrás e voltar os jogadores até 20 anos nos juniores. Porque é mais 10 horas de treinamento. É muito matemático: o jogador sobe para o profissional e fica na reserva, não joga 90 minutos. No outro dia ele treina menos. Na véspera do jogo, treina menos. São tudo horas a menos de treinamento que ele precisa. O jogador já com uma certa idade não precisa disso. Mas o mais jovem precisa.
Mas como casar o fato de o jogador brasileiro sair cada vez mais cedo para a Europa com isso? O Endrick foi negociado antes dos 18, o Estevão antes dos 18, o Vini Jr. antes dos 18… Como casar essa formação com a necessidade de os clubes venderem os atletas?
Mas nós vamos perder esse jogador. No caso do Endrick agora: em um mês (que ficou na reserva do Real Madrid), quantas horas ele deixa de jogar? Quantas horas ele deixa de treinar? E ele tem que treinar, ele tem que jogar. O amadurecimento dele vai ser atrasado. Porque em vez de ele estar pronto com 22, 23 anos, ele vai estar pronto com 24, 25.
Quantos anos tem o Vini Jr.? Ele saiu do Flamengo, foi para o Real Madrid B, ficou um, dois anos, até conseguir chegar. Diferente de um tempo atrás, que nossos jogadores iam para a Europa com 25, 26 anos. Já iam prontos para a Europa, o cara já tinha rodagem. Quantos jogadores a gente perdeu que poderiam ser melhores, que foram para a Europa com essa idade e não tiveram a sequência da carreira, tiveram que retornar para o Brasil? Mas tem esse frenesi de vender o jogador…
Aí vem outro aspecto do futebol brasileiro. A gente vende um jogador com 17, com 18 anos, que tem um potencial de crescimento enorme, que a gente pode ganhar muito dinheiro ainda com ele… E a gente pega o dinheiro desse jogador, vai lá e compra um cara (que estava na Europa) com 35 anos. Dali um ano a gente não tem nem o jogador, nem o dinheiro. Pô, mas a gente não foi copiar da Europa, a gente não quer transformar o futebol brasileiro em SAF, em empresa? Que empresa é essa que se desfaz do seu material, que vai te dar os recursos técnico e financeiro?
Dunga sobre Neymar na Seleção: 'Só depende dele'
Vini Jr. foi eleito na terça-feira o melhor jogador do mundo pela Fifa, o primeiro brasileiro depois de 17 anos. O que isso traz para o Brasil, num ponto de vista macro?
É sempre bom o brasileiro voltar a ser destaque na Europa, e principalmente no futebol moderno. O Vini mostrou que o jogador tem que ser um atleta (em essência). Às vezes tu não tem as melhores oportunidades, tu não tem o maior talento do mundo, o talento tu não pode controlar… Mas o teu empenho em querer ser melhor profissional, isso depende apenas de você. O prêmio, eu acho que ele é mais para o atleta Vinicius Júnior. Ele conquistou isso, ele teve coragem, ele assumiu, ele foi xingado, ele foi criticado, ele arriscou a jogada, ele fez jogadas que as pessoas não esperavam dele. A coragem, a tomada de decisão dele foi premiada.
Neymar ainda pode dar muito pela Seleção Brasileira?
Depende tudo do Neymar. Qualidade, sem dúvida nenhuma ele continua com a qualidade.
Tem uma coisa que existe muito no futebol brasileiro, o “eu penso que o jogador é craque”, “eu penso que ele pode jogar”. Só que a decisão é dele. Se ele tomar essa decisão, ele vai fazer isso.
Mas no Brasil se fala muito… “Eu acho que esse cara vai ser craque”, aí o cara não é craque e a gente começa a justificar: “ele não é craque porque não deram oportunidade, porque teve lesão, porque isso”. O Ronaldo (Fenômeno) teve várias lesões e continuou sendo craque! A gente começa a colocar muita bengala no futebol moderno. A decisão é dele. Ele tem qualidade, tem potencial. Depende dele.
Falando em Ronaldo Fenômeno, ele anunciou esta semana que quer concorrer à presidência da CBF. Como você esse movimento?
Na Europa, todos os ex-jogadores têm alguma função, pela experiência que eles têm dentro do futebol. O Brasil é Penta, e o único jogador que trabalha com uma função é o Mauro Silva (vice-presidente da Federação Paulista de Futebol), os demais não. “Ah, mas o jogador não tem experiência”. E quem está lá (na CBF) tem experiência? Tudo bem, quem está lá não tem experiência, mas entregou resultado? Entregou melhor? Não, então tem que ter mudança, tem que ter mudança.
No Brasil todo mundo gosta de falar do calendário. O calendário faz 100 anos, já passou 500 caras lá, e o calendário continua o mesmo. É possível? E eu vou colocar mais: convém à imprensa, às federações, mudar o calendário para ter menos jogos ou não? Porque uma coisa é eu chegar lá e falar “tem que mudar, tem que ter menos jogos”. Legal, a teoria é fantástica, mas vamos para o mundo prático: financeiramente, economicamente, vai ser bom para ambas as partes? Não, então vamos focar em tentar melhorar isso, vamos tentar melhorar o que a gente pode mudar.
Mas, seja o Ronaldo ou não, você acha que essa iniciativa de ex-jogadores que têm história na Seleção de querer assumir um cargo de gestão é válida?
Eu acho que é válido, pela experiência que ele tem, mas também acho que a gente não tem que colocar um jogador lá só por ele ter sido jogador. Ele tem que entregar resultado, tem que fazer coisas diferentes do que está sendo feito para melhorar o futebol, e tem muitos jogadores que podem contribuir nesse aspecto.
Quanto que a política e a gestão da CBF refletem na Seleção Brasileira?
Muito, a política reflete em todo o setor da sociedade, e o futebol representa a sociedade. Não adianta a gente querer apartar essas coisas. Só que é bem mais restrito, o futebol é muito mais político do que a própria política. Se eu quiser ser candidato a vereador, deputado, eu vou lá e me inscrevo no partido e sou candidato; na CBF não, eu tenho que ter quatro federações que tem que me dar a chance para eu ser candidato, então não é tão aberto como se fala.
Mas a minha pergunta é: uma gestão que se seja tumultuada, que tenha muita notícia ruim no entorno, reflete no vestiário da Seleção, ou ela consegue se blindar?
É muito difícil se blindar, reflete. Todo mundo gosta de futebol, todo mundo vê notícias, as coisas. Tem pressão, e reflete muito forte. Porque o torcedor vai cobrar o resultado em campo. Lógico que o resultado não está sendo o que todo mundo gostaria, nem eles próprios, mas a gente não pode colocar o resultado apenas em campo. Não foi só o campo que ganhou, foi a organização, a estrutura, a CBF deu as melhores condições, deu o ambiente. O Parreira, o Zagallo, a comissão técnica, os jogadores, o campo, é o final. Agora, se você já começa tumultuado aqui… Ninguém vai cobrar do presidente, do diretor, vão cobrar do treinador. Tudo que acontece em termos de CBF, de jogador, a cobrança é 90% no campo, e isso, de uma certa forma, atrapalha.
Ainda pretende treinar algum clube ou seleção?
Não no momento. Eu tenho algumas prioridades, uma família. Os meus filhos viajaram o mundo todo, juntamente comigo, me deram suporte, então é o momento de eu me preocupar em dar um seguimento na profissão dos meus filhos, deles serem bem sucedidos na profissão deles, eu apoiar eles. De repente, surge uma coisa fora do normal (e eu assuma alguma equipe), mas a prioridade é que os meus filhos tenham o caminho deles como profissionais bem sucedidos.
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