Luiz Gomes: ‘Como o futebol europeu age para sufocar o Brasil’
'Europa, definitivamente, está decidida a dar as costas para o resto do mundo'
Ao tornar pública sua preocupação e apelar diante das câmeras por amistosos do Brasil contra seleções europeias, Tite, de certa forma, jogou pressão nos ombros do presidente interino da CBF, Ednaldo Rodrigues, e especialmente em Juninho Paulista, o coordenador de seleções. Mas, diga-se de passagem, é muito pouco o que eles podem fazer.
E a razão é simples. No cenário atual do futebol, a Europa, definitivamente, está decidida a dar as costas para o resto do mundo. E isso em um momento em que a Fifa procura criar um discurso bem-intencionado, falando em globalizar ainda mais o esporte - com o aumento do número de países participantes e a redução no intervalo entre as copas do Mundo.
Ao criar em 2018 a Liga das Nações, competição bianual entre seleções, em anos alternados com a poderosa e rica Eurocopa, a Uefa deu um verdadeiro golpe de mestre, criou um calendário de jogos relevantes para as seleções locais, aumentando o intercâmbio entre elas e desenvolvendo o futebol nos países mais fracos do continente.
Mas, ao usar as chamadas datas Fifa para os jogos da Liga, a Uefa dificultou em muito – ou praticamente matou - a possibilidade de que as seleções europeias façam amistosos internacionais com times de outros continentes. Ou seja, o resto do mundo que pague a pato. Nós aqui, inclusive.
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A consolidação do torneio europeu certamente vai agravar ainda mais as diferenças técnicas que separam o futebol dos dois lados do Oceano Atlântico – uma situação que já ficou clara na Copa da Rússia quando nenhum país sul-americano chegou sequer às semifinais, inteiramente dominadas pelos times europeus.
Tite sabe disso e sofre na pele os efeitos da discriminação europeia. Desde a eliminação para a Bélgica, na última Copa, o Brasil jogou amistosos contra adversários como Panamá, Honduras, Qatar, EUA, Arábia Saudita, Peru, Colômbia, Senegal, Bolívia, Nigéria e Coreia do Sul, a Argentina, tecnicamente um caso à parte, e uma única seleção europeia, a mediana República Tcheca há mais de dois anos, em março de 2019, em Praga.
Tivemos neste período duas Copa Américas, vencemos uma e perdemos a outra para os Hermanos, e nos gabamos agora de, nessas Eliminatórias, ter 100% de aproveitamento. O que não chega a ser nenhuma façanha a julgar pelo nível dos adversários, ainda mais prejudicados pela pandemia. A manter-se esse cenário, nos restará medir forças com Argentina e Uruguai - quantas vezes isso for preciso - se quisermos de fato avaliar mínima e precariamente onde poderemos checar no Qatar.
A ideia de criar as datas Fifa foi colocar ordem na baderna que eram os jogos amistosos entre seleções, valorizando e protegendo estes confrontos e eliminando os conflitos de interesse com os clubes e as federações nacionais. Foi isso que tornou obrigatória a cessão de jogadores para as partidas entre países e, em contrapartida, as competições nacionais passaram a ser suspensas, evitando prejuízos aos times que cedem seus craques.
Bem ou mal a ideia deu certo e todo mundo se adaptou. Ou quase todo mundo já que aqui, como acontecerá mais uma vez em outubro, a bola vai continuar rolando e só Flamengo, Palmeiras, Atlético-MG e Internacional, que tiveram jogadores convocados por Tite, terão jogos adiados - o que mesmo assim vai fazer o Brasileirão entrar por dezembro.
É evidente que não se tem na América do Sul, o mesmo poder econômico, a estabilidade e a solidez de organização do futebol da Europa. Mas cabe à Conmebol, e a suas afiliadas mais fortes como a CBF, a AFA argentina e a AUF uruguaia, trabalhar junto à Fifa, para frear essa tendência isolacionista dos países europeus e da Uefa. A hora é essa, quando um novo calendário mundial está em discussão.
Se isso não for feito, não há como escapar: ao menos quando o assunto for seleção teremos de nos acostumar a ver pela TV o futebol de qualidade que a gente gosta de ver.