Luiz Gomes: ‘Questão de ética’
'Vencer uma Copa América, ainda mais dentro de casa, é fundamental para o futuro de Tite na Seleção Brasileira. Ainda que à custa de seus valores, da ética que diz defender'
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Tite chegou ao comando da Seleção, nas eliminatórias da Copa da Rússia, como uma rara unanimidade nacional em um país com profundas divisões ideológicas e de costumes, num ambiente de radicalismos exacerbados. Chegou avalizado pela trajetória bem-sucedida à frente do Corinthians e por uma imagem de seriedade e credibilidade construída dentro e fora de campo. Para boa parte da opinião pública já deveria ter sido o técnico quatro anos antes, na Copa ocorrida no Brasil, em 2014.
Para dirigir a Seleção, Tite reviu posicionamentos que tinha assumido até então. Foi servir, emprestando sua imagem, a uma CBF que poucos meses antes tinha criticado ao assinar um manifesto, com personalidades do esporte e de outras áreas, pedindo mudanças, uma renovação necessária e o fim da dinastia Teixeira-Marim-Del Nero. Justificou com o discurso de ajudar o futebol brasileiro e a garantia de que teria autonomia plena na gestão dos assuntos que envolvessem a seleção.
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A insatisfação com os resultados e, principalmente, com os métodos truculentos característicos da era Dunga, bem como a campanha irrepreensível nos primeiros meses, classificando o time para o Mundial com uma facilidade que há muitas eliminatórias não se via, fizeram com que as contradições de Tito fossem relevadas, que os questionamentos da mídia e da sociedade sobre a mudança de lado do treinador fossem apenas superficiais, quase irrisórios, mantendo sua imagem praticamente sem arranhões.
Só com a derrota para a Bélgica, que acabou com o sonho do hexa, as críticas começaram a aparecer, surgiram as primeiras ondas a agitar o mar de tranquilidade em que o técnico navegava. Poucos questionaram sua permanência no comando – a continuidade de um trabalho bem feito, e isso é inegável apesar da eliminação na Copa, sempre foi uma reivindicação geral. Mas, daí para frente, convocações, escalações, posturas táticas, a relação com uns e com outros jogadores passaram a ser vistas também sob outro prisma. E o que um dia fora intocável passou a ser, de fato, questionado.
O ponto que cabe aqui é saber o que mudou. Se foi Tite e seu jeito de ser e de dirigir a Seleção ou a mídia – e o torcedor - no jeito de enxergar o treinador.
A entrevista coletiva de sexta-feira, depois do anúncio dos 23 jogadores convocados para a Copa América, foi reveladora. Ela não deixa dúvidas de que Tite sempre foi Tite e que nós é que só agora estamos percebendo isso. Ou só agora estamos dispostos a perceber.
Tite mais uma vez jogou para escanteio seus princípios, da mesma forma como lá atrás passou por cima de suas restrições à CBF para virar técnico. Agora, além de convoca Neymar – o que não chega a ser nenhuma surpresa - fugiu das perguntas se ele será ou não capitão do time, se ele merece a “honraria” de usar a braçadeira de líder mesmo depois do episódio de ter agredido um torcedor na final da Copa da França e estar sob investigação da federação de lá.
A atitude de Neymar, vale lembrar, é infinitamente mais grave do que a de Douglas Costa, cortado por Tite depois de uma cusparada num adversário em jogo do futebol italiano. Ambos são fatos condenáveis, mas os pesos e as medidas claramente foram diferentes, por mais que a comparação irrite o treinador. Nem a promessa de que vai conversar a sério com o seu camisa 10, atenua a diferenciação. A tal conversa, que seria segundo ele baseada nos princípios da boa educação, não passa de um jogo de cena, de um papo na linha do me engana que eu gosto, apenas para dar satisfação a quem se incomoda com a situação.
Sim, na verdade, o perdão do treinador a Neymar já foi dado, com sua inclusão na lista dos convocados. No fundo, pode ser até que Tite tenha uma ponta de constrangimento interior com tudo isso, vamos admitir. Mas, ao agir assim, iguala-se aos mais legítimos representantes da mais baixa estirpe do futebol brasileiro, não estando preocupado com o que é certo ou errado, mas tão somente levando em conta a sua própria sobrevivência. E vencer uma Copa América, ainda mais dentro de casa, é fundamental para seu futuro no cargo. Ainda que à custa de seus valores, da ética que diz defender.
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