Reviravoltas, tensão e muita garra… Lembre como foi o último ouro do Brasil no futebol masculino no Pan
Em 1987, comandados de Carlos Alberto Silva conseguiram alcançar o sonho dourado nos gramados pela última vez. Atletas revelam bastidores e opinam sobre jejum da Seleção
Não procure pelo Brasil no torneio de futebol masculino dos Jogos Pan-Americanos de 2019, que está sendo disputado em Lima, no Peru. A Seleção ficou na quinta colocação do hexagonal final do Campeonato Sul-Americano Sub-20, que dá vagas para o Pan e para a Copa do Mundo da categoria. Equador, Argentina e Uruguai se classificaram, enquanto o Peru tinha a vaga garantida por ser o país-sede. Assim, restaram aos brasileiros longínquas memórias do seu mais recente ouro na competição.
Em 1987, o Brasil reunia-se para a disputa do Pan-Americano de Indianápolis, nos Estados Unidos. Porém, o grupo lidou com severos desfalques. Carlos Alberto Silva, inicialmente, se baseara no elenco que havia disputado o Pré-Olímpico em abril daquele ano para fazer a convocação. No entanto, jogadores como Romário, Jorginho, Bebeto e Mirandinha não foram liberados por Vasco, Flamengo e Palmeiras, respectivamente.
Entre lesões e atletas vetados pelos clubes, o Brasil teve apenas 11 jogadores no primeiro treino realizado em solo americano - incluindo Raí e Douglas (do Cruzeiro), que também apresentavam problemas físicos.
- A gente precisou de muita garra lá em Indianápolis. O Vasco não liberou jogadores, o Flamengo também boicotou. A gente teria só 11 jogadores, e ainda com algumas complicações. Aí o "seu" Carlos Alberto (Silva, treinador) teve de chamar mais gente. Foi aí que vieram o Careca, do Cruzeiro, que jogou muito, o Washington (Fluminense), Ademir (Cruzeiro), André Cruz (Ponte Preta) - conta o zagueiro Geraldão, na época, jogador da Raposa.
- Era meu primeiro ano como profissional, tinha acabado de ser campeão mineiro pelo Cruzeiro. Estava na minha casa passando uns dias quando chegou o pedido para eu me apresentar lá na CBF. Aí, foi aquela correria para arrumar as malas, porque eu ia para o Pan-Americano em Indianápolis - contou Careca, que acabou disputando o Pan com uma numeração nada comum para um atacante:
- Pois é, joguei com a 2 e até hoje não sei o motivo. Acho que foi para confundir os adversários (risos).
Também influenciado pelos percalços em relação à convocatória, Ricardo Rocha teve de voltar às suas origens:
- Eu, que já jogava de zagueiro há um ano e meio, tive que voltar à lateral. Porque alguns, como o Jorginho, foram cortados. Foi tudo muito conturbado, eu fazia uma nova readaptação, mas foi preciso. Precisávamos nos unir. Era um grupo unido, consciente das limitações que tínhamos.
AUXÍLIO...DA SELEÇÃO DE HÓQUEI!
Mesmo com os desfalques, a Seleção que seguiu para o território estadunidense contava com ótimos nomes: Além de Taffarel e Ricardo Rocha, que mais tarde seriam campeões da Copa do Mundo de 1994, estava Valdo, convocado para o Mundial do ano anterior e que depois esteve na Copa de 1990.
Outros nomes com "bagagem" de decisões eram Evair e João Paulo, que ao lado de Ricardo Rocha, chegaram à final do Campeonato Brasileiro de 1986, com o Guarani. Enquanto sobrava qualidade, faltava em quantidade. O número reduzido de jogadores proporcionou uma situação para lá de inusitada, lembrada com carinho pelo elenco brasileiro.
- Tínhamos em torno de 15 jogadores, não havia como fazer coletivos. Então o Carlos Alberto pediu o apoio da galera da seleção de Hóquei (de Patins), e os garotos foram sensacionais (aos risos). Eles faziam coletivo com a gente, posicionamento...depois que a gente conta, a gente ri, brinca, mas foi tudo muito complicado. Depois coroamos com o título, mas foi uma coisa engraçada - conta Ricardo Rocha.
Valdo, meia que marcou época em clubes como Grêmio, Benfica, Cruzeiro e Botafogo, também recorda em tom de brincadeira a rotina curiosa:
- Muitos deles tinham talento para futebol, não em alto nível, mas tinham o dom. Mas ainda bem que foi a seleção de futebol que teve lesões, porque se fosse ao contrário, seria muito mais complicado.
ENCONTRO 'INDIGESTO' COM CHILENOS
No dia 10 de agosto de 1987, a Seleção Brasileira estreou no Pan-Americano de Indianápolis com uma goleada por 4 a 1 sobre o Canadá, considerado o time mais frágil da competição. Em seguida, venceu por 3 a 1 a equipe de Cuba, que era fisicamente muito bem dotada, mas, como ainda é hoje, não carregava tradição no futebol.
O primeiro grande desafio, no último jogo da primeira fase, seria contra o Chile, que um mês antes tinha sido o algoz da equipe canarinho na Copa América. Com o Brasil já classificado, Carlos Alberto Silva poupou alguns jogadores e o duelo acabou sem gols. As equipes viriam a se enfrentar novamente na final da competição, mas antes, o time brasileiro teve pela frente uma verdadeira batalha nas semifinais, contra o México.
GUERRA CONTRA OS MEXICANOS
A seleção mexicana, com um time semelhante ao que havia disputado em casa a Copa do Mundo de 1986, era a favorita à conquista em Indianápolis. No duelo entre 'La Tri' e o Brasil, porém, a expectativa por um duelo técnico ruiu diante de muita rispidez. Ainda no primeiro tempo, Ademir e España foram expulsos. A violência continuou no intervalo, quando os jogadores encontraram-se no túnel dos vestiários e trocaram fortes agressões, como revelou Geraldão:
- O jogo com o México foi uma guerra. O nosso vestiário era próximo ao do México e, quando nós passamos, os caras puxaram o Ricardo Gomes pela camisa e encheram ele de porrada. Tanto que ele nem jogou contra o Chile. Bateram muitos nos nossos, o intervalo foi muito tenso. Foi o jogo mais brigado que tivemos, mas conseguimos vencer.
Mais tarde, em entrevista, o técnico brasileiro revelou que o centroavante Careca, muito alto, forte e muito corpulento, foi quem ajudou a segurar as pontas na 'guerra' no corredor dos vestiários:
- Geraldão, eu e Ricardo Gomes fomos para cima e deu uma confusão. Foi uma pancadaria! Mas na bola, a gente ganhou - comentou o ex-atacante do Cruzeiro.
No mesmo depoimento, Carlos Alberto Silva disse que o auxiliar técnico mexicano foi ao alojamento da Seleção, no dia seguinte, pedir desculpas. Segundo o auxiliar, o treinador Mario Velarde teria dito aos seus jogadores, na preleção antes da partida, que o técnico brasileiro desejava para para os adversários um terremoto tão grave quanto o ocorrido dois anos antes.
O abalo sísmico que chegou a atingir 8.1 na Escala Richter deixara cerca de 10 mil mortos na região da Cidade do México. Polêmicas de lado, após o empate no tempo normal, a Seleção Brasileira venceu prorrogação por 1 a 0, com gol de Evair após cruzamento de Valdo, e voltou a encontrar os chilenos na decisão.
FINAL: CLIMA DE REVANCHE CONTRA O CHILE
Cerca de dois meses antes do dia 21 de agosto de 1987, quando Brasil e Chile decidiram o futebol masculino do Pan de Indianápolis, os mesmos países entraram em campo pela Copa América. Também comandada por Carlos Alberto Silva, e com nomes que se repetiam em relação ao time que estavam em solo americano - como Geraldão, Valdo, Edu Marangon, Douglas, Raí, Nelsinho e Ricardo Rocha - o escrete canarinho foi goleado por 4 a 0 pelos chilenos e eliminado na primeira fase da Copa América.
- A gente tinha saído da Copa América justamente para o Chile e, da maneira como foi, passou a fazer a gente encarar como uma "revanche". E o jogo marcou época para muita gente. Washington foi guerreiro, além de fazer gol, no fim da partida estava jogando como lateral, segurando eles. A gente teve muita força - disse Geraldão.
Os dois jogos ainda foram marcados por outra coincidência. Assim como a derrota acachapante em julho de 1987, em Córdoba, na Argentina, a final do Pan teve a expulsão de Nelsinho, lateral-esquerdo do São Paulo. Um filme passava na cabeça da equipe brasileira.
- Nelsinho foi expulso, um jogador a menos, Ricardo Rocha estava lesionado, Douglas lesionado… Teve que haver um espírito de equipe muito grande. Ocupei mais o lado direito, já que o Douglas e o Rocha estavam mal. Jogamos "fechadinhos", saíamos no contra-ataque. Fizemos um grande jogo, baseado na solidariedade, amor e auto-ajuda - contou Valdo.
No fim das contas, o Brasil bateu "La Roja" por 2 a 0, com gols de Washington e Evair. O primeiro deles nasceu em um lance de pura inspiração de Careca, em que o jogador arrancou pela esquerda, passou por dois marcadores antes de cruzar para atacante do Fluminense.
- Era uma jogada que eu sempre fazia desde o meu início no Cruzeiro. Recebi a bola no meio e arranquei pelo lado. Fui até a linha de fundo e joguei para o Washington. Ele era um jogador de área, alto, fazia muito a diferença para nós - explicou Careca.
PAPEL DE CARLOS ALBERTO SILVA
O atacante João Paulo não esconde que Carlos Alberto Silva teve muita força para a Seleção Brasileira conquistar seu ouro nos Estados Unidos:
- Ah, o Carlos Alberto Silva foi muito importante para a gente. Tínhamos trabalhado junto no Guarani, e ele apostou muito no trabalho que a gente fazia. Lembro que, além de mim, ele convocou o Ricardo Rocha e o Evair, que foi meu parceiro de ataque no ano anterior.
HISTÓRICO E JEJUM DE 32 ANOS
O futebol masculino está no programa do Pan-Americano desde 1951. A primeira medalha no Brasil na modalidade veio em 1959 - uma prata, após derrota para a Argentina na decisão, em Chicago-EUA. A estreia no lugar mais alto do pódio foi em São Paulo, em 1963, resultado que se repetiu em 1975, 1979 e 1987.
A partir da competição em Indianápolis, incluindo os jogos de Lima, lá se vão oito edições sem conquistas douradas no futebol para homens. Desde então, a equipe verde amarela levou uma prata, em Santo Domingo-2003, na República Dominicana, e um bronze, em Guadalajara-2015, no México.
- O jejum é uma incógnita para todos nós. Esses 32 anos sem ganhar o Pan-Americano são muita coisa. Não sei, talvez por ser uma competição que não interesse muito ao Brasil. Mas pelo que representa o futebol brasileiro, é muito tempo - opinou Ricardo Rocha.
Valdo também lamenta a seca de títulos:
- É uma pena, porque é uma competição muito bonita, uma 'mini-olimpíada', onde atletas de todas as modalidades, conhecidos no mundo inteiro, se misturam. Alguns atletas, que ainda figuram no amadorismo, se misturam com estrelas do esporte. É muito legal.