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Tabu e falta de informação sobre doenças mentais levam tenistas ao limite

O suicídio de um jovem tenista e um programa de saúde mental implementado pela ATP re-aquecem discussões sobre transtornos emocionais na vida dos tenistas

Sebastian Peñaloza, tenista da NCAA que cometeu suicídio aos 25 anos
imagem cameraFoto: Redes Sociais
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Lance!
Porto (Portugal)
Dia 04/06/2020
11:48
Atualizado em 04/06/2020
13:11

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Por Ariane Ferreira - O tênis é considerado por atletas e profissionais de psicologia um dos esportes mais exigentes do ponto de vista emocional/mental, porém os tabus sociais vinculados a doenças desta ordem têm levado profissionais ao limite.

No início do mês de maio, o tênis sul-americano, em especial o chileno, ficou em choque com a notícia de que Sebastian Peñaloza, de 25 anos talentoso ex-top 100 juvenil local que atuava na NCAA [campeonato universitário de tênis dos Estados Unidos], colocou fim ao sofrimento emocional causado pelo diagnóstico de um transtorno esquizoafetivo e o peso emocional das frustrações em quadra.

Para tratar da abordagem da saúde mental, o Tênis News conversou com o psicólogo esportivo, Felipe Vardiero, conhecido por seu trabalho com atletas do MMA e que trabalha com o paranaense Thiago Wild, do Instituto Tennis Route, do Rio de Janeiro, e com Marcelo Zormann, uma das grandes promessas do tênis brasileiro, que parou a carreira há dois anos para tratar sua depressão.

Com a morte de ‘Sebita’ questionamentos sobre a assistência em termos de saúde mental dos tenistas foram levantados, principalmente a respeito da assistência dada aos profissionais e a resposta, apesar de indireta, foi dada pela ATP duas semanas após o ocorrido através do anúncio de um programa de cuidados com a saúde mental dos profissionais do tênis, não apenas atletas, mas profissionais ligados à ATP.

O programa foi motivado pela crise da COVID-19 e se anunciou com o intuito de “proporcionar um espaço seguro e confidencial para discutir o bem-estar emocional e a saúde mental". Para Zormann a iniciativa é positiva, apesar de atrasada: “Precisou ter uma pandemia para os caras perceberem a realidade dos jogadores. Dá pra ver que muitos jogadores depois que param, têm algum doença, muitas de ordem mental mesmo. Veio tarde, mas antes tarde que nunca. Ser atleta é muito difícil, às vezes, o cara não tem com quem se abrir, se cobra demais. O esporte, em si, é saudável, o esporte de alto rendimento não é. Espero que os jogadores aproveitem e usem disso. Às vezes tem muito tabu entre os jogadores, tem uns que não procuraram porque acham que não precisam”, ressaltou Zormann.

Para Vardiero, a busca por um trabalho de psicologia durante essa pandemia é um movimento global, porém, o cenário de atletas da ATP é um pouco diferente: “Os caras do vivem para o circuito e aí há essa ruptura. O que acontece é que hoje eles não têm uma data pra voltar. Já escutei muita data. Então, o atleta perde fica meio desorientado. ‘Pra que eu estou treinando?’ ‘Qual meu objetivo?’”, inicia explicando.

“O tenista tem de se reinventar. Foi e está sendo muito complicado esse momento para atletas, não só os de tênis, claro. Mas a ATP fez uma iniciativa muito legal porque isso, agora, é de uma importância ímpar, no sentido de recriar objetivos. Recriar motivos para que eu queira treinar forte. Recriar, dentro das famílias, estímulos, para poder se nortear de novo”, seguiu o psicólogo.

“Muitos atletas, creio que a maioria, já voltou a treinar, e isso ajuda muito. Mas num primeiro momento em que você não tem nenhum torneio à vista, tem uma pandemia e não pode nem treinar, que é algo que ajuda muito o atleta, pois se treina bem, aduba crenças positivas. Imagina, ele ficar ali apenas contemplando uma nova data”, completou Vardiero.

Porém, a ajuda da ATP não chegou e nem chegaria à Sebastian Peñaloza, que atuava na NCAA, onde segundo seu pai, Jorge, conhecido treinador de tênis juvenil no Chile, foi diagnosticado como portador do transtorno esquizoafetivo aos 17 anos, quando se mudou para os Estados Unidos onde foi viver com a mãe, relevou ao jornal La Tercera.

O jovem, segundo o pai, não aceitava a doença e buscou ter a vida corriqueira, conquistou uma bolsa na Morehead University de Kentucky, mas acabou a perdendo por envolvimento com vício em álcool três anos mais tarde. Posteriormente, o chileno voltou a conquistar uma bolsa de estudos para jogar tênis, desta vez por uma universidade de Massachussetts, onde vivia com a mãe até sua morte.

“Ele [Sebastian Peñaloza] podia tomar um ou dois copos, mas o efeito era de ter tomado seis. Ele começou com álcool e depois somou a ele maconha, que é super comum por lá; Eu comecei a observar atitudes estranhas, ficava paralisado, olhando fixamente. Escutava vozes. E uma das formas de se desvencilhar disso era consumindo essas coisas”, contou Jorge Peñaloza ao jornal chileno.

O transtorno de Sebastian combina um conjunto de sintomas típicos da esquizofrenia combinados com oscilações de humor e quadros depressivos. Sem conhecer o caso do chileno, Vardiero pontua que sua situação deve-se muito mais ao transtorno que possuía do que aos desgastes decorrentes das cobranças do tênis.

“É um transtorno mental, aí já é um pouco diferente de tudo que a gente pode falar de tênis. É diferente de lidar com uma pressão, ansiedade ou um momento ruim que o atleta pode passar no circuito. São transtornos no quadro da esquizofrenia, que podem ser potencializados pelas frustrações do esporte, mas não desencadear os episódios”, pondera o psicólogo.

O transtorno esquizoafetivo é uma doença majoritariamente genética, crônica, que precisa ser acompanhada com por profissional preparado para lidar com esse transtorno. Além das terapias tradicionais, parte do tratamento é medicamentoso diário. Peñaloza não aceitava a doença e não se dedicava integralmente ao tratamento, como revelou o pai: “Ele me dizia: ‘Papai, não tenho nada disso’ e eu também negava, preciso confessar, achava que estavam equivocados” disse a respeito dos médicos estadunidenses. O chileno ainda passou de juvenil promissor a ter maus resultados e ganhou muito peso, cerca de 20 quilos, o que o frustrava.

Reconhecer que se pode estar com uma doença mental pode ser um dos momentos mais difíceis da vida de um paciente: “Uma pessoa normal já não quer aceitar, mas o atleta em si não quer demonstrar fraqueza. Ele não quer meio que, talvez, aceitar a derrota”, ressalta Zormann que revelou ter lutado cerca de um ano com seus sintomas antes de reconhecer que precisava de ajuda.

“A partir do momento que você tem os sintomas da depressão, não tem luta. Você não vai vencer aquilo sozinho. É forte dizer isso, mas, talvez, você já perdeu. Você tem que procurar ajuda, é o único caminho. Não há outra alternativa”, assevera o tenista paulista.

Marcelo Zormann resume o sentimento do paciente de algum tipo de transtorno mental: “Querendo ou não é um tabu, na sociedade em geral”. “Na primeira sessão, a psicóloga me disse que mais de 70% das pessoas têm algo assim, e eu não sabia. Saber disso me incentivou inclusive a falar sobre”, reconhece.

“Quando algo não é comum, ou parece incomum, a pessoa acha que tá sozinha”, pontua o tenista. As pessoas em volta pioram aquilo. As vezes nem com maldades, a pessoa age de um jeito ruim, e piora a situação”, ressalta.

Felipe Vardiero pontua que em atletas quadros de transtorno de ansiedade são mais comuns, muitos dos sintomas são similares ao da depressão, e por isso é necessário que o atleta, e mesmo a pessoa comum, precisa estar atenta aos sinais que o corpo dá.

“Presença de ansiedade (como pensamentos repetitivos entorno de uma situação), insônia, dificuldades para comer, cumprir suas rotinas, dificuldades para conseguir se preparar pro jogo. Um sintoma muito comum é o cansaço, de querer largar numa gira no meio por exemplo”, destaca o profissional que pontua que no caso da ‘pessoa comum’ a dificuldades de lidar com a rotina do dia a dia, seja em casa ou no trabalho, é um sinal de que algo não está bem.

Vardiero destaca ansiedade excessiva nos momentos prévios a uma partida ou mesmo em momentos de uma partida como sinais claros. Tais como frequência cardíaca elevada, respiração rápida e uma forte sensação de cansaço.

Os sinais devem e podem ser adaptados à realidade do dia a dia das pessoas como gatilho para buscar ajuda.

De acordo com o psicólogo, para se ter atenção aos sinais é preciso um autoconhecimento muito grande para percebê-los e no caso de profissionais do esporte pode ser ainda mais difícil: ‘O atleta está tão no tênis, que ele passa a ter suas emoções todas ligadas ao esporte”, as associando às situações do circuito, o que pode atrasar a busca por ajuda.

Zormann viveu o que o psicólogo retrata: “Fiquei um ano lutando contra a situação. Meio que não aceitando. Foi muito duro.Treinar, que era uma coisa que eu adorava, já não era algo que eu queria fazer, eu arrumava desculpa para não ir. Antes,eu não faltava ao tênis. Se eu não fosse tão forte assim, mentalmente, que era até meu ponto forte como jogador, acho que eu teria feito outro tipo de merda. Acabou que isso me ajudou a buscar uma solução”.

Casos como o de Zorman são mais comuns do que se imagina. O último relatório detalhado da Organização Mundial da Saúde (OMS) a respeito de depressão e outras doenças comuns de ordem mental no mundo, publicado em 2018 com dados de 2015 a 2017, aponta que mais de 246 milhões de pessoas sofrem de depressão em todo o mundo.

O estudo aponta que no Brasil, cerca de 5,8% da população são de casos diagnosticados de depressão e outros 9,3% de pacientes portadores de transtorno de ansiedade. Porém o diagnóstico de uma doença mental não é uma sentença, como esclarece Vardiero:

“A pessoa que tem um distúrbio emocional/transtorno mental pode fazer tudo na vida, desde que ela esteja equilibrada em termos de tratamento, em um momento sem intensos sintomas. A doença não é impeditivo de nada, de atuar em nenhuma profissão. É claro que neste espectro de transtorno, estamos falando aí de milhares de doenças, temos exemplo - que não cabe aqui citar - de grandíssimos atletas com distúrbios emocionais e, às vezes, com sintomas bem claros”, pontua.

Felipe Vardiero aproveita para dar um recado: “A pessoa com dificuldades emocional pode e deve conseguir fazer tudo que quiser na vida dela. É tudo uma questão de estar bem tratada, tomar as medicações dela, fazer uma psicoterapia ou outros, cada caso é um caso”.

O psicólogo recomenda a prática esportiva moderada de qualquer modalidade para todas as pessoas, seja como prevenção, seja como auxílio ao tratamento tradicional de transtornos mentais: “O esporte libera uma quantidade de hormônios importantes para o corpo, ajuda na centralidade e distrai”.

Além disso, tanto Marcelo Zormann como Felipe Vardiero ressaltam a importância de dedicar um tempo à atividades que não estejam relacionadas à vida profissional. “Ter uma socialização é importante”, destaca Zormann que é um aficionado dos E-sports

“É preciso ter uma vida além do tênis, no caso do profissional. Vale pra tudo. ter um hobby, fazer algo que gosta, estar com a família e amigos. Essas coisas são importantes”, destaca Vadieiro.

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