Libertadores ‘à brasileira’! Veja o que levou o futebol nacional à supremacia nesta edição da competição
Valores de mercado no país, clubes com aporte financeiro, oscilações nos sul-americanos... LANCE! ouve especialistas e aponta o cenário da competição continental
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A Copa Libertadores de 2021 ainda está longe de acabar. Porém, entrará para a história como prova da supremacia do futebol brasileiro: Flamengo, Palmeiras e Atlético-MG estão entre os quatro clubes que ainda brigam pelo troféu mais cobiçado do continente. Do bom desempenho em campo à superioridade nas finanças e nas gestões, sobram fatores que explicam esta edição com tom mais abrasileirado.
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Sócio da Sports Value, Amir Somoggi destaca que o contraste no mercado da América do Sul não chega a surpreender.
- Demorou muito para essa supremacia se refletir dentro de campo. A diferença é absurda financeiramente. O mercado brasileiro já chegou a faturar US$ 1,5 bilhão (por volta de R$ 8,4 bilhões). Os chilenos faturam US$ 200 milhões (em torno de R$ 1 bilhão) e os clubes argentinos, por questões de câmbio, faturam muito menos. Esta demora aconteceu pois os clubes daqui do Brasil tinham sido pouco eficientes, tiveram excesso de gastos. Mas, mesmo em meio à pandemia, hoje a diferença econômica é muito grande. Só valores dos contratos de televisão tornam o futebol brasileiro maior do que o mercado mexicano, que é bem grande. Neste período de pandemia, o Brasil, mesmo com altos e baixos, passou a se impor, pois as cotas de televisão continuam altas ao comparar com os demais países (somente em cotas de TV, os clubes da Série A repartem mais de R$ 1,7 bilhão). Além disto, os clubes ganham com transferência de jogadores, patrocínios, sócio-torcedor... - afirmou ao LANCE!, destacando:
- Com isto, hoje temos um Flamengo supercompetitivo, um Palmeiras supercompetitivo, o Atlético supercompetitivo. Tende a ser corriqueiro nestas competições continentais ter ao menos dois brasileiros. Talvez três, quem sabe um dia até quatro semifinalistas... - completou.
Consultor de gestão e finanças do Esporte, Cesar Grafietti realçou o contraste.
- As economias dos demais países são menores e o futebol recebe bem menos dinheiro - declarou.
Em contrapartida, Grafietti vê na Libertadores um aspecto na curioso.
- Além do futebol brasileiro ser mais forte de forma geral, está também presenciando um distanciamento interno, tendo em evidência Flamengo, Palmeiras e Atlético-MG. A Libertadores passa a repetir um movimento do Campeonato Brasileiro - destacou.
Mesmo com um resultado que salta aos olhos, a visão sobre as gestões dos clubes é feita com cautela. Diretor da Egon Zehnder, consultoria voltada para o recrutamento do desenvolvimento de lideranças, Luis Giolo vê contrastes na diferenças na conduta dos respectivos mandatários.
- Não tenho uma visão de que este resultado se reflita na gestão, pois temos três clubes em situações distintas neste aspecto - afirmou, avaliando:
- O Atlético-MG tem uma dívida de R$ 1,2 bilhão, mas conta com um patrocinador de peso. O dono da MRV (Rubens Menin) está financiando a construção do estádio, é fundamental para trazer contratações de peso como Hulk. Outras negociações têm acontecido com a ajuda dos patrocinadores. É menos uma competência da gestão do que recursos de investidores - completou.
Giolo tem uma visão semelhante em relação ao Palmeiras.
- O clube conta com a Crefisa, que é um patrocinador com uma ingerência muito grande. Tem um jeito de trabalhar como foi a Parmalat na década de 1990 - disse.
Aos seus olhos, do trio que está na semifinal, o Flamengo é o exemplo mais bem-sucedido.
- O clube não tem um patrocinador como âncora. É uma gestão bem articulada pelo (Rodolfo) Landim e pelo restante da diretoria. Quando houve queda de receitas na pandemia, por exemplo, contestaram que o Flamengo... não estava fazendo grandes contratações, não renovou com Rafinha. Mas tudo isto passou por uma meta para conseguir manter boas receitas - e Luis Giolo foi categórico:
- Diria que é o clube que está colhendo frutos da boa gestão. Os demais colhem frutos de bons investimentos e de bons patrocinadores - complementou.
BARCELONA DE GUAYAQUIL, O 'INTRUSO' DA SEMIFINAL
A semifinal da Copa Libertadores esteve próxima de se tornar completamente brasileira. Porém, o Barcelona de Guayaquil, graças a um empate em 1 a 1 com o Fluminense, garantiu a vaga para encarar o Flamengo. A equipe equatoriana vai na contramão dos atuais favoritos brasileiros.
Repórter da DirecTV Sports no Equador, Theo Posso afirmou que os Toureiros não têm uma meta financeira tão alta.
- O Barcelona tem em torno de US$ 50 milhões (por volta de R$ 270 milhões) em dívidas e não conseguem pagar rapidar. Para tentar contornar esta situaçao, o presidente Carlos Alfaro Moreno, um ex-jogador e grande ídolo do clube, estipulou um teto baixo. Para todo o ano, o objetivo é ter um time que custe US$ 10 milhões (cerca de R$ 54 milhões) - e destacou:
- A fórmula foi apostar em um treinador que estava há muitos anos no futebol equatoriano. Fabián Bustos comandou equipes modestas, conhece muitos jogadores. Então, ao assumir Barcelona no ano passado, trouxe muitos atletas. Além deles, quem veio do exterior funcionou e o time deu certo. O fator psicológico de contar com muita adesão da torcida foi crucial para, fase a fase, conseguir se impor - declarou.
Aos olhos de Cesar Grafietti, consultor de gestão e finanças do Esporte, é o sinal de que as brechas no sonho de títulos continentais são mais desafiadoras, mas existem.
- Sempre haverá uma chance de alguém participar da festa, mas cada vez menor. Tivemos um Independiente Del Valle, um Defensa Y Justicia na Sul-Americana, por exemplo. Mas é futebol... - acredita.
A AUSÊNCIA DE EQUIPES ARGENTINAS
Esta edição também ficou marcada por uma surpresa: depois de 15 anos, não haverá argentinos postulantes ao título. O último "hermano" que se frustrou foi o River Plate, eliminado nas quartas de final pelo Atlético-MG. Jornalista do "La Nación", Alejandro Casar González traz os fatores que levaram à queda de rendimento das equipes locais.
- O Campeonato Argentino está deteriorado. Devido à pandemia, por questões políticas a competição não terá descensos até o fim do ano que vem. Hoje são 26 equipes, depois serão 28. Na Segundona, já há mais de 30 - e trouxe a situação delicada dos clubes locais:
- Dos 20 milhões de euros (cerca de R$ 126 milhões) que os clubes argentinos gastaram, por volta da metade saiu dos cofres do Boca Juniors. A maioria não tirou um centavo do bolso. Os Xeneizes venderam jogadores como Norberto Brisco, Esteban Rolon, Capaldo. Além disto, o clube se desfez de atletas com contratos altíssimos como Tevez, Zárate, Ábila e assim conseguiu gastar... - complementou.
Diante disto, frustrações com Argentinos Juniors e Vélez Sarsifield na Libertadores não chamaram atenção.
- São equipes medianas ou pequenas. O futebol argentino se reflete demais como o campeonato que deixou de ser competitivo em um momento do país com moeda fraca e lidando com o "cepo cambiário". - declarou.
A disparidade em relação ao Brasil também é forte em relação às costas de televisão. Presidente do Argentinos Juniors, Cristian Malaspina desabafou no Twitter sobre os valores pagos em cotas de TV.
La TV es el principal ingreso de la mayoría de los clubes argentinos; en él año 2017 el contrato representaba 100 millones de dólares billete al año; en 2021 representa 43 millones de dólares billetes al año. Sin plata no hay jerarquía, no busquen más; Hay que actualizar!
— Cristian Malaspina (@MalaspinaC) August 19, 2021
"A TV é o principal ingresso da maioria dos clubes argentinos. Em 2017, o contrato representava US$ 100 milhões (na época, por volta de R$ 333 milhões) ao ano. Em 2021, representa US$ 43 milhões (cerca de R$ 231 milhões). Sem dinheiro, não há hierarquia, não se consegue buscar mais. É preciso se atualizar".
Os valores com cotas de TV são em torno de nove vezes menores do que no futebol brasileiro. Professor de Economia da Universidad de Buenos Aires, Ariel Coremberg destrinchou a situação da economia argentina.
- O "cepo cambiário" traz uma desvalorização do peso argentino e à escassez do dólar. Isto repercute em restrições para que haja acesso aos dólares e culmina em uma desconfiança dos argentinos a respeito também da sua própria moeda. Algumas medidas tomadas no mandato de Alberto Fernández durante a pandemia acentuaram a crise, que se assemelha muito à que aconteceu no final da década de 1980 - apontou.
Coremberg enumerou alguns problemas que assolam o país economicamente.
- Há um déficit fiscal, o país não alcança arrecadação positiva. Outro problema é que a Argentina convive com o fantasma da hiperinflação, que chega a 50% ao ano. Com isto, há desvalorização a cada dia do peso argentino. A alternativa de muitas pessoas tem sido comprar dólares no mercado paralelo - disse.
Cesar Grafietti sinaliza que também há grandes diferenças financeiras nos contratos dos clubes sul-americanos.
- Acabamos espantados quando vemos clubes como Boca Juniors e River Plate com patrocínios elevados fora da Libertadores. Mas os demais argentinos e clubes de outros países recebem bem menos - disse.
VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA
Por mais que venha se sobressaindo, o futebol brasileiro traz ainda algumas desconfianças na forma como se torna potência da Copa Libertadores. Especialista em marketing e gestão financeira, Amir Somoggi alerta para a visão em torno dos clubes que estão na briga pelo título.
- A gente vê um River Plate, Boca Juniors, Barcelona de Guayaquil lutando sem grande apoio financeiro. Enquanto isto, o Palmeiras contou com ajuda financeira do Paulo Nobre e conta com a Crefisa. O Atlético-MG tem investidores sem nenhuma garantia... O dinheiro está circulando mas não porque os clubes são competentes. Fica claro que o Brasil está subindo pelo meio que encontrou para crescer - e ressaltou que clubes brasileiros ainda têm de fazer ajustes de padrão:
- Prova disto é que o Santos e São Paulo não chegaram, Grêmio, que não tem aparato de empresários, não chegou... O Flamengo é quem se estruturou de verdade - completou.
Cesar Grafietti reconhece que sobram desafios aos concorrentes de outros países.
- Os demais sul-americanos sofrem com mercados menores, menor poder de compra e ainda revelam menos jogadores. Além disto, têm dificuldade ainda maior para reter os atletas. Isto culmina em uma estratégia de formação de equipes baratas a partir das categorias de base - disse.
Grafietti atribui o cenário mais propício para clubes brasileiros também ao formato da Copa Libertadores.
- O fato é que, a não ser que mude a regra, a tendência é de termos sempre mais brasileiros nas fases decisivas. Reflexo também de uma competição inchada e que colocou mais equipes fortes na disputa. No entanto, todas do mesmo país - afirmou.
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