O Maracanã é Mário Filho, parte da identidade nacional
Sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Rogério Baptistini aborda a mística do estádio dentro da cultura brasileira e reforça a importância do jornalista para a construção
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No dia 16 de julho de 1950, diante da incredulidade de quase 200 mil pessoas, o Brasil conheceu a sua maior tragédia esportiva até então: perdeu, em casa, a possibilidade de tornar-se campeão do mundo de futebol. Aos 34 minutos do segundo tempo da partida final, o uruguaio Ghiggia acertou um chute cruzado, rente à trave, e emudeceu o "maior estádio do mundo".
O lance, na descrição do escritor Eduardo Galeano, produziu o "mais estrepitoso silêncio da história do futebol". Depois daquela data, a expressão Maracanazo foi incorporada à mística uruguaia, designando as vitórias que acontecem na adversidade. Um nome, um episódio, um símbolo.
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Maracanã é uma palavra da língua tupi. Conforme o Dicionário Unesp do Português Contemporâneo, organizado pelo professor Francisco S. Borba, designa um "grande periquito de mais de 30 cm, cor verde e branca na região dos olhos".
Estes, eram encontradas em grande quantidade no local em que foi construído o estádio sede da final da Copa do Mundo, narrada em tons contrastantes por brasileiros e uruguaios: para nós, uma tragédia; para nossos vizinhos do sul, uma verdadeira epopeia. O saldo, na memória coletiva, foi a criação de uma coleção de heróis e vilões. O uruguaio Obdúlio, um condutor; Barbosa e Bigode, os que falharam. Nomes e personagens.
A construção do Maracanã, iniciada em 1948, gerou protestos e acusações. Carlos Lacerda, à época deputado federal, era adversário do prefeito do Rio de Janeiro, então Distrito Federal e capital da República. Seu desejo era que a construção fosse em Jacarepaguá, no terreno do Derby Clube. O custo da obra também mereceu a sua reprovação.
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E foi graças ao empenho do jornalista Mário Filho, que fez campanha cotidiana a partir do seu Jornal dos Sports, que o palco dos jogos foi afinal construído na zona Norte, em região de fácil acesso por trem, o que permitiu o seu desfrute democrático. No dia 16 de junho de 1950, um jogo entre as seleções paulista e carioca inaugura oficialmente o Estádio Municipal, o maior do mundo! Um mês depois, a tragédia.
O futebol é uma construção coletiva. Sua força reside no imaginário, nas imagens que são criadas a cada jogo e recriadas pelos torcedores a partir de suas visões particulares. É difícil dizer o que cada um faz com as imagens que os habitam. Lugares, eventos, personagens, contudo, compõem narrativas que estruturam algo que é comum e preenche de sentido o mundo, forma uma espécie de consenso. A associação entre nomes e lugares no futebol, por exemplo, em que pese a atual tendência que mercantiliza tudo e todos, alimenta a memória afetiva e, paradoxalmente, mantém a aura do esporte.
O jornalista Mário Filho nasceu em Pernambuco, mas viveu como carioca, intimamente ligado à cidade do Rio de Janeiro. Sua contribuição não se esgotou na campanha para a construção do Maracanã, mas se estendeu à cultura do futebol e ao seu estudo. É notável o seu livro "O negro no futebol brasileiro" (1947), uma verdadeira sociologia capaz de refletir o contexto da sociedade brasileira entre as décadas de 1930 e 1950, momento de transição para a modernidade das formas urbanas e industriais.
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Intelectual, jornalista e escritor, era capaz de se comunicar com o povo, especialmente com os que se apropriaram do esporte nascido branco e elitista, com sotaque britânico e praticado pelas chamadas "pessoas de school" em clubes de regatas. Fazia isso com o seu jornal, cujo nome - Jornal dos Sports - traía influência de outra época, elitista e excludente.
Após o seu falecimento, em 17 de setembro de 1966, Mário Filho foi oficialmente associado ao Maracanã, que passou a se chamar "Estádio jornalista Mário Filho". Desde então, não há Fla-Flu sem que uma emissora de rádio, sintonizada por um humilde torcedor, deixe de associar nome e lugar, mobilizando o imaginário que dá vida ao futebol. Negócio para uns e objeto de manipulação demagógica para outros; para a multidão, memória coletiva que compõe a identidade nacional.
Rogério Baptistini é Sociólogo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor e mestre em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp; bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp.
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