Alto risco x elevar receita: modelo de transmissão do Carioca 2021 divide opiniões entre especialistas e clubes
Clubes apostam na fragmentação dos direitos para alavancar o faturamento do Estadual, porém, nova realidade, segundo consultores, ainda apresenta riscos aos times brasileiros
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Com técnicos e jogadores recém-contratados e um novo formato de disputa, o Campeonato Carioca de 2021 trará uma série de novidades para os torcedores. Mas, a principal delas está fora de campo e divide a opinião entre especialistas e clubes: o inovador modelo de transmissão das partidas, pautado na fragmentação dos direitos e na aposta na vendas de pacotes de pay-per-view.
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Antiga detentora de todos os direitos de transmissão, a TV Globo não aceitou abrir mão da exclusividade e teve a oferta de R$ 45 milhões recusada pela Ferj e pelos clubes. O motivo principal foi justamente a possibilidade de fragmentar a negociação dos direitos (TV aberta, fechada, OTT e outras propriedades comerciais) em busca de aumentar o faturamento.
Diante desse contexto, a Record TV superou a concorrência acirrada do SBT e adquiriu os direitos do Carioca-2021 na TV aberta. A emissora irá transmitir ao vivo 15 jogos da competição. Os valores do negócio não foram divulgados.
O outro caminho da negociação apontou para a tentativa no aumento das receitas através do pay-per-view. As equipes vão arrecadar 53% do produto comercializado via operadoras: Claro, Sky e Vivo. O valor, porém, será dividido conforme a demanda de cada torcida. O assinante poderá informar sua preferência no momento da compra.
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A soma da receita ainda vai contabilizar as assinaturas de pay-per-view nos canais dos clubes, com um diferencial: a arrecadação será de 100%. Um fato que também gerou entusiasmo nos envolvidos nas negociações.
O novo modelo, no entanto, não empolga e recebe ressalvas de especialistas ouvidos pelo LANCE!. O principal questionamento é a grande dependência dos clubes no sucesso do pay-per-view para fazer receitas que antes eram certas. Dessa forma, para o economista Cesar Grafietti, o formato traz um alto risco.
Grafietti: 'Momento com mais interrogações que afirmações.'
- Acredito que será um grande desafio tornar o Estadual rentável. Qualquer Estadual. E o modelo do Carioca mostra isso, uma vez que mistura tantas possibilidades de acompanhamento que fica até difícil fazer uma avaliação justa. Haverá quem opte por acompanhar apenas na aberta, e quem resolva pagar o OTT do clube, ou mesmo quem prefira o conforto da TV assinando via operadora - disse o especialista em Gestão e Finanças do Esporte.
Outro ponto em debate é se a qualidade do produto está de acordo com os preços cobrados no pacotes de pay-per-view (R$ 129,90 para todos os jogos, a R$ 49,90 mensal ou R$ 59,90 para um jogo avulso). Segundo Amir Somoggi, diretor da Sports Value, o modelo de OTT, para gerar lucros, depende de um conteúdo valorizado e que tenha apelo, o que não é o caso dos campeonatos estaduais.
- Formatos dependem do conteúdo. Você pode transmitir em OTT a quinta divisão do Pernambucano e ninguém vai assistir. Não é porque você cria uma nova plataforma que o conteúdo vai ser valorizado. O OTT é mais interessante para ir além do jogo, mostrar bastidores, entrevistas, etc. Apenas transmitir as partidas não vai incrementar o negócio, já que os Estaduais são as competições com menor impacto e apelo na temporada.
Somoggi: 'Apenas transmitir as partidas não vai incrementar o negócio, já que os Estaduais são as competições com menor impacto e apelo na temporada'
Já Luis Padilha, sócio-fundador e CEO North Business Acceleration, destaca a rápida transformação de mercado vista nessa mudança no formato de transmissão do Carioca. Se antigamente o modelo era sustentado pela publicidade, a partir de agora ele passa a se voltar especialmente para o valor da assinatura dos consumidores, que neste caso são os torcedores de futebol.
- No formato anterior, as receitas que os clubes recebiam das transmissões eram 100% de publicidade intermediada pela Globo. Isso agora está sendo subvertido nesse modelo em que se abriram os sinais de transmissão, e os clubes estão apostando muito em um modelo de assinatura, em que o consumidor vai pagar por esse conteúdo. Assim, eles deixariam de ter a dependência da receita publicitária que vinha das transmissões dos jogos.
E justamente esse consumidor é o item de preocupação de Marco Sirangelo, Head de Projetos da OutField Consulting. De acordo com ele, esse novo modelo de negócio pode tornar o futebol menos acessível para pessoas de classe baixa ou média, que não têm condições de assinar o plano de pay-per-view, e para pessoas que não são tão fanáticas por futebol.
- Para o torcedor, eu tendo a ver essa mudança de um ponto negativo, porque, no geral, vai ser mais difícil de se assistir futebol. A gente já tem visto que tem mais pessoas que gostam menos de futebol do que há 10, 20 anos atrás. Uma pessoa que não é tão fanática vai ter dificuldade ao ligar a TV para ver um jogo. A Record vai colocar os jogos às terças e sábados e isso pode confundir ainda mais.
CLUBES APOSTAM NO AUMENTO DAS RECEITAS
Do outro lado da balança, os clubes enxergam essa oportunidade como uma forma de romper com o modelo ultrapassado de exclusividade e dar um passo para o futuro. De quebra, abriria a possibilidade de gerar mais receita e de estreitar a relação com os próprios torcedores.
Para iniciar a venda de pacotes de pay-per-view do Carioca, o Flamengo lançou a "FlaTV+", sua plataforma própria de streaming. Para Gustavo Oliveira, vice-presidente de Comunicação e Marketing do clube, esse novo serviço permitirá dinamizar a produção de conteúdos exclusivos para os torcedores e aumentar o faturamento do Rubro-Negro.
- A FlaTv+ é um passo importante para fortalecer nosso relacionamento direto com a espetacular Nação Rubro-Negra. Ela é mais uma prova de que o Flamengo está na vanguarda do mercado esportivo. Com o lançamento da plataforma, vamos dinamizar ainda mais a nossa produção de conteúdos relevantes para os torcedores, aumentando tanto o engajamento com a torcida quanto as receitas para o clube. Temos certeza de que será mais um enorme sucesso.
Uma das ações que o Fluminense trabalha é na captação de assinaturas via canal próprio. O presidente Mário Bittencourt ressaltou a importância da adesão "caseira" para alavancar a receita para a temporada.
- A gente vai poder transmitir os nossos jogos pela FluTV através de uma outra plataforma. Faço um apelo ao torcedor. O Fluminense vai vender pelo seu aplicativo o pacote pay-per-view, inclusive com outros jogos do campeonato. Então é muito importante que o torcedor compre por aqui, por uma questão simples: comprando pela FluTV, o Fluminense ficará com 100% das receitas.
Além dos possíveis resultados financeiros e da liberdade comercial atrelada a esse novo modelo, outro ponto destacado é a possibilidade de os clubes negociarem em conjunto e sentarem do mesmo lado da mesa. Para Caio Araujo, Gerente de Negócios do Botafogo, as diretorias devem se espelhar no futebol europeu e separar a rivalidade em prol do futebol carioca.
- Pelo Botafogo, enxergamos que a rivalidade pode existir em campo e nas arquibancadas, mas que há pautas comuns entre os clubes - que precisam se entender enquanto “indústria” e pensar coletivamente, principalmente no que diz respeito à comercialização dos direitos de transmissão. Mercados mais maduros demonstram o benefício de negociações deste formato - disse Araujo, ao LANCE!.
Em exemplo de negociação coletiva, Botafogo, Vasco e Fluminense fecharam acordo com a empresa TV NSports para o desenvolvimento das próprias plataformas de OTT - informação divulgada inicialmente pelo L!. Cada clube terá conteúdo exclusivo, voltado para as respectivas torcidas e que poderá ser explorado comercialmente de diferentes maneiras. Segundo o VP de Marketing do Vasco, Vitor Roma, esse viés mais digital, inclusive, pode ser visto como mais um atrativo da competição.
- O que tá se propondo para o Carioca é uma releitura da competição dentro de uma linha de um oferecimento multiplataforma. Nós vamos ter transmissão na TV aberta, via pay-per-view, via TV dos clubes, estamos vendo Tik Tok, Twitch e toda plataforma possível para levar o Carioca ao torcedor aonde ele estiver e em que plataforma ele quiser assistir. É a primeira etapa de transformar um campeonato num produto digital.
LABORATÓRIO PARA FUTURAS NEGOCIAÇÕES
Pioneiro no Brasil e cheio de incertezas, este novo modelo do Carioca pode ser, inclusive, tratado como uma laboratório para futuras negociações de direitos de transmissão. Ao fim da competição, os clubes poderão analisar os erros, os acertos e os números de faturamento para, enfim, terem uma noção da sustentabilidade deste formato a longo prazo.
A principal observação será a venda dos pacotes de pay-per-view em múltiplas plataformas em operadoras de TV e em canais próprios. Com o contrato com a Globo pela transmissão do Campeonato Brasileiro até 2024, os clubes terão três temporadas para observar o potencial e os ganhos do novo modelo em relação ao que ocorre atualmente na Série A.
Para Cesar Grafietti, as diretorias dos quatro grandes do Rio de Janeiro devem usar a experiência no Estadual para repensar a estratégia e achar um modelo mais rentável e com menos riscos. Segundo o economista, o modelo atual ainda está longe de ser ideal e pode ser comparada à Medida Provisória 984, também conhecida como MP do Mandante.
- O Carioca pode ser um indicativo dos problemas que os clubes e o futebol enfrentarão caso a MP do Mandante seja reeditada e colocada em prática. Negociações individuais, com risco de receita, fragmentadas. Totalmente diferente do que se faz. De qualquer forma será um bom teste, até para que os clubes repensem a estratégia de negociação de direitos para o futuro, migrando para modelos mais rentáveis e menos arriscados.
O especialista Amir Somoggi é ainda mais contundente nas palavras. Para ele, ao fragmentar o mercado de transmissão sem regulação e liderança, os clubes podem estar reduzindo uma importante fonte de receita. Por mais que o modelo de streaming seja interessante, o baixo apelo do Estadual pode atrapalhar os planos das diretorias.
- Claro que é um laboratório, mas vendendo o pay-per-view por R$ 49,90 por mês você não está revolucionando ou criando um modelo. Os clubes ainda não entenderam como converter as milhões de pessoas que têm nas redes sociais em consumidores, apenas um porcentual mínimo vai pagar pelo PPV do Carioca. Mais importante que a transmissão por OTT é o modelo de negócio para valorizar um produto que não tem apelo atualmente.
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