SAF em pauta! Veja as mudanças e os próximos desafios em torno da lei sancionada por Bolsonaro
Lei que viabiliza que clubes se tornem sociedades anônimas tem vetos que reduzem a transparência e afetam parte tributária. Congresso tem 30 dias para deliberar o assunto
Nem mesmo o fato do presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) ter sancionado a lei que viabiliza a transformação de clubes em Sociedades Anônimas do Futebol (SAFs) fez com que o assunto deixasse de ficar em evidência na esfera esportiva. A proposta original teve vetos significativos do presidente da República.
Além de retirar dois itens que aumentariam a transparência quanto aos proprietários dos clubes, o presidente vetou um planejamento bastante elaborado na parte tributária. Outras mudanças foram em relação a leis de incentivo ao esporte, além das debêntures e valores mobiliários.
Formulador do Projeto de Lei original, o advogado Rodrigo Monteiro de Castro lamentou as decisões presidenciais. Contudo, apontou que esta situação não chega a ser inédita na história dos governos.
- São vetos muito significativos, mas, se olharmos bem, em nenhum governo houve uma política de Estado que desse maior relevância política, social e econômica e se voltasse para a questão tributária do esporte. O atual governo não percebeu que nosso intuito era criar um Marco Geral, Marco Regulatório para induzir um mercado para os clubes-empresas. Os clubes associativos hoje não contribuem para a riqueza do Brasil. Ao vetar a Tributação Especial do Futebol (TEF), por exemplo, o atual governo reitera erros anteriores e vê os clubes aumentarem a lista de dívidas e seus tributos que não são pagos - afirmou, ao LANCE!.
O intuito do Projeto de Lei era de que, nos primeiros cinco anos, cada SAF destinasse 5% de suas receitas mensais, apuradas pelo regime de caixa (à exceção das transferências de jogadores) ao Governo Federal. Após o sexto ano e em definitivo, a alíquota seria reduzida para 4% sobre as receitas mensais. Porém, haveria o acréscimo das transações de direitos de atletas.
José Francisco Manssur, advogado que também formulou a proposta inicial da lei, apontou como este veto pode afetar a "migração" dos clubes para o novo modelo.
- Diminui bastante o estímulo para a transformação em uma SAF. E não se justifica o argumento do governo. Os impostos que são recolhidos atualmente têm receita zero. Eles passariam a ser recebidos a 5%, depois a 4%. À medida que as entidades continuarem a aderir à SAF, mais o Governo Federal vai arrecadar. O país acaba perdendo - declarou.
Manssur apontou o que pode ter contribuído para uma cautela maior por parte do Governo.
- Atribuo a um receio de liberdade fiscal, mas não haveria renúncia na prática, e sim uma alíquota menor. Não é justo exigir que um clube centenário de um dia para o outro tenha de se adequar a uma taxa de 34%. isso cria um impacto negativo nas atividades. É necessário um estímulo diferente para os clubes se tornarem SAFs e encontrarem o caminho da modernização. Há pessoas mobilizadas para que ocorra esta mudança no futebol brasileiro - destacou.
Monteiro frisou que há um erro de interpretação na maneira como o governo enxerga outras questões da SAF.
- Houve uma visão míope em relação às debêntures. Apontaram que um clube, uma associação sem fins lucrativos, não pode emitir títulos, ações. Mas trata=se de um instrumento que seria aplicado para que as pessoas investissem em um novo mercado. Vamos criar um caminho de arrecadação - e deixou uma preocupação:
- Com estes vetos, milhões que seriam investidos acabam se perdendo. A geração de empregos também é perdida - complementou.
Entre os clubes de maior projeção, Cruzeiro já aprovou em seu estatuto a transformação em uma SAF. Já o Botafogo vê no projeto um caminho para a modernização do futebol nacional.
- Esse veto tem um efeito pesadíssimo sobre a intenção de vários clubes em se tornarem SAF. Alguns clubes estavam planejando a transformação logo após a vigência da lei, estimulados pelo regime de tributação favorecido. Com o veto, esses planos foram suspensos, pelo menos momentaneamente, já que existe uma expectativa de sua derrubada pelo Congresso Nacional - afirmou Eduardo Carlezzzo, especialista em Direito Desportivo.
RISCO À TRANSPARÊNCIA?
Outra medida tomada por Jair Bolsonaro em relação ao projeto enviado tem a ver com os acionistas à frente da SAF. Um dos vetos tem a ver com fundos de investimentos: quem tem participação maior do que 10% sobre o clube-empresa deve revelar os nomes de seus cotistas.
- A gente sabe que muitos fundos estrangeiros são marcados por investidores que não gostam de aparecer. Só que o futebol brasileiro tem uma peculiaridade de um passado muito obscuro, de muita falta de transparência. Surpreendeu muito este veto - afirmou Monteiro.
Além disto, o clube-empresa deve informar a sua composição acionária, com nomes, quantidade de ações e percentual de cada acionista. O intuito é reduzir crimes como lavagem de dinheiro, participação de investidores em mais de um clube e até manipulação de resultados (com a possibilidade do mesmo acionista estar em mais de uma agremiação).
José Francisco Manssur ainda vê outra situação fundamental nesta parte do projeto original.
- No futebol, especialmente brasileiro, que passou por tantas situações de desorganização, temos de pensar em uma norma que seja salutar para o torcedor ficar a par do que acontece no clube - declarou.
Rodrigo Monteiro de Castro foi categórico sobre estas determinações vindas do presidente Jair Bolsonaro.
- Os vetos vindos da sanção presidencial dão a sensação de que está incompleta a lei. Não adianta estimular a SAF se ao arcar com a tributação, tenho de pagar 34%, mais PIS, Cofins. A gente tem de parar de pensar pequeno e ambicionar um mercado mais pujante para o futebol - afirmou.
A QUESTÃO TRIBUTÁRIA NA BERLINDA
A reação negativa de Bolsonaro à proposta tributária despertou reações entre quem lida há muito tempo com o mercado. Consultor de gestão e finanças do Esporte, Cesar Grafietti atribui a decisão do governo em relação ao Regime de Tributação Especial do Futebol (TEF) a um erro de perspicácia.
- A sanção desta lei deixa de lado o que tem de mais importante. Na verdade, creio que a determinação tem um erro conceitual. Quando o Governo fala que significaria abrir mão de um imposto, isto não é verdade. Só abriria mão se reduzisse em relação à carga das associações. Você está aumentando a carga das SAFs em relação aos clubes associativos. As instituições pagam muito poucos encargos, a avaliação foi equivocada - afirmou.
Já o ex-ministro do governo de José Sarney, Maílson da Nóbrega, faz ressalvas à tributação pensada originalmente.
- Por mais que proposta de sociedade anônima do futebol tenha funcionado em outros países, propor um regime especial de impostos como este agora é irracional. O Brasil chegou a um dos seus piores sistemas tributários, há um grande risco, por melhor intencionado que seja o projeto. O ideal é termos uma tributação igual para todas as empresas - declarou.
O economista diz que os clubes encontrarão caminhos para chamar investidores.
- Os clubes que têm interesse em atrair benefícios, investidores serão os que coordenarem melhor suas campanhas. Para isto, precisam de um argumento procedente e não de um benefício. Imagine se cada sociedade anônima cria sua legislação própria, o caos que seria! Quanto mais regras, mais complexo fica - afirmou.
Maílson crê que a situação fiscal do país não permite mudanças ou abatimentos nos impostos.
- O país lida com um déficit público, precisa arrecadar receita, não pode distorcer suas contas com novos incentivos. Precisamos ter uma percepção da taxa de risco do Brasil. Os governos anteriores agravaram muito a parte fiscal. Somente com gastos tributários, temos 3% do PIB. São mais de R$ 300 bilhões em gastos tributários. É hora de rever estas renúncias políticas, sociais e reforçar as receitas - pontuou o ex-ministro.
Cesar Grafietti reconhece as dificuldades causadas pelos problemas que assolam o Brasil. Contudo, destaca que esta situação afeta o futebol nacional, que precisa achar uma saída.
- Não é questão de ter muitos impostos. O país tem um problema de carga tributária que é extremamente ineficiente e, por isso, você tem de criar alternativas que se adaptam a algumas indústrias de forma específica. A indústria do futebol, que nem é tão gigante assim, tem suas especificidades. Temos de pensá-la de maneira mais linear. Por exemplo, se não terá um imposto específico para a SAF e tem que seguir o padrão de qualquer empresa, a solução é pegar o futebol associativo e tributá-lo. Tira a parte de clube social, esporte olímpico e tudo mais. Tudo que é gerado pelo futebol tem de ser tributado como clube-empresa, pois é atividade profissional - e enfatizou:
- A gente tem um problema para resolver. Vetar o artigo sem propor uma solução é simplesmente empurrá-lo para debaixo do tapete - complementou.
Segundo o especialista, há outro aspecto que a lei não soube contemplar.
- O que me incomodou é que ela beneficiava demais clubes endividados. Criou projeto de transferência de ativos de associação para a SAF sem aprovação dos credores, o que não existe em lugar nenhum, nem em Código Civil. Além disto, criou um modelo de amortização de dívidas de renegociação de pagamentos, de limitar em 20% da SAF para pagar as dívidas. Neste momento, ela simplesmente disse que o máximo que a associação pagará é de 20% anualmente do que a SAF gera, e isso até dez anos. Imagina um clube que tem R$ 500 milhões, R$ 700 milhões em dívidas? - e foi categórico:
- A SAF traz como ideia positiva criar um clube-empresa com tributação aceitável, que gera competitividade, mas quando entra no campo desnecessário da gestão das dividas presta um desserviço. Ela teria de determinar os impostos, a transferência de ativos precisa para um acordo entre credores e associação e ponto final. Até poderia dizer da manutenção da existência dos nomes, da localização dos clubes... Mas a lei não colocou com clareza quem são os novos acionistas dos clubes, coisa que tem em todas as ligas. Nem a regra sobre como a SAF pede uma recuperação judicial ou entra em falência é muito clara. Volta para a associação? A associação fica na mesma divisão? A lei me parece que tem boa questão de formação de empresas e é omissa em outros pontos - encerrou.
A ESPERANÇA AGORA É NO CONGRESSO
Após os vetos presidenciais, os holofotes se voltam outra vez para o Congresso Nacional. Haverá uma nova articulação para definir a situação.
- O Congresso Nacional tem 30 dias a partir do veto para deliberar sobre sua derrubada ou não. É importante constatar que o projeto foi aprovado tanto na Câmara quanto no Senado com amplo apoio, portanto pode ser um bom indicativo sobre uma possível derrubada do veto - recordou o advogado Eduardo Carlezzo.
Antes de chegar às mãos de Bolsonaro, houve 207 votos na Câmara dos Deputados a favor do Projeto de Lei 5516/2019. No Senado Federal, 41 senadores aprovaram.
Relator do PL, Carlos Portinho (PL-RJ) contou como está a expectativa em relação a um novo passo.
- As negociações foram feitas junto ao ministro (da Economia) Paulo Guedes e ao senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG). É imprescindível derrubar, até porque não é verdadeira a justificativa que a Receita Federal apresentou ao presidente, de que não há estudo de impacto, pois o estudo está lá, ao lado do Projeto de Lei apresentado. Mostra um aumento da arrecadação de 20 a 50% - afirmou.
Em seguida, Portinho opinou sobre o que culminou para a decisão de Bolsonaro.
- Acho que a Receita orientou mal o presidente, fez com que ele tivesse de ser cauteloso por conta da Lei da Responsabilidade. É papel do Congresso derrubar os vetos todos. Certamente, a parte tributária, já discutida com Paulo Guedes, que gostou muito dos resultados, dos ganhos com a tributação, induzindo as instituições que nada pagam a se transformarem em sociedades anônimas. Haverá responsabilidade não só dos gestores, como um aumento comprovado de arrecadação, tomando por base clubes que implementaram modelos de governança, como Flamengo e Athletico-PR. Se hoje fossem sociedades anônimas contribuiriam muito mais para o Governo do que contribuem agora como associação civil - disse.
Portinho também se mostrou otimista quanto à emissão de debêntures em valores mobiliários.
- Na verdade, a proposta de lei trazia uma debênture incentivada como há no setor da infraestrutura, com 0% para investimento nacional e 15% para investimento internacional. O que buscamos é derrubar este veto pelo mesmo argumento. A Receita sustenta que não houve estudo de impacto e realmente não houve por uma questão óbvia: nunca houve debênture incentivada no esporte, no futebol. O governo não está renunciando a nada, não pode renunciar a uma receita que nunca teve - e destacou:
- Na verdade, qualquer impacto é positivo. As debêntures ajudam na capitalização dos clubes, das sociedades anônimas, são importantes como instrumento de atração de mercado, de recursos importantes para o país, pois são riquezas chegando. Assim como os outros vetos, tentaremos a derrubada de todas, pois as debêntures-fut não existiam. Vamos para a derrubada e temos apoio para isso - completou.