A Polícia Civil do Rio de Janeiro, por meio da Delegacia de Defraudações, investiga desde o início do ano um suposto crime de fraude aos credores na venda de Paulinho pelo Vasco ao Bayer Leverkusen, da Alemanha, em 2018. No mês passado, o delegado Marcos Cipriano de Oliveira Mello abriu um inquérito para seguir a investigação devido a suspeita de uso de uma conta no exterior para movimentar os R$ 76 milhões pela venda do jogador. O LANCE! teve acesso exclusivo aos bastidores do caso, e apresenta nesta reportagem especial todos os desdobramentos até agora.
Policiais suspeitam que o dinheiro da venda de Paulinho nunca circulou no Brasil em uma espécie de drible aos credores, escapando de bloqueios e penhoras. Os investigadores querem descobrir quem operava esta conta em nome do Vasco no Banco Paulista – em seu depoimento, Campello negou que tenha participado diretamente das tratativas e informou ainda que a conta já existia anteriormente à sua eleição como presidente. Após o fim das investigações, o inquérito será encaminhado para o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que decidirá se oferecerá denúncia ou não junto ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ).
Foi instaurado um inquérito policial do caso e as investigações seguem em andamento. Os bancos serão oficiados pela DDEF
O LANCE! teve acesso a documentos e a depoimentos já prestados sobre o “caso Paulinho”. O último a comparecer na delegacia, até agora, foi o presidente Alexandre Campello, o qual a reportagem detalhará na sequência. O mandatário do Vasco compareceu para depor no dia 30 de agosto e citou o deputado federal Paulo Ganime – NOVO/RJ (ex-vice de gestão estratégica do Vasco, deixou o cargo em março deste ano após ter se afastado em agosto de 2018) e Orlando Marques (vice de finanças até maio de 2018) como responsáveis por operacionar o câmbio, fazendo o hedge bancário junto ao Banco Paulista, banco alvo da Operação Lava Jato há quatro meses – sem ligação com este caso de envolvendo o Vasco.
Este Banco Paulista fez a operação de câmbio do Vasco em conta no exterior. O banco de câmbio teria utilizado uma conta no Bank Of America, de Londres, na Inglaterra, local em que o Bayer Leverkusen fez o pagamento de forma direta pela compra do jogador em 18,5 milhões de euros, como mostra o Invoice acostado na investigação.
Ainda em seu depoimento, o qual o LANCE! teve acesso, Alexandre Campello informou que o Vasco não descumpriu leis, em especial a do Profut. Sobre o fracionamento do dinheiro referente à venda de Paulinho, o presidente esclareceu que “foi uma decisão conjunta entre a diretoria financeira” e ele. Campello ainda disse que “transferia do Banco Paulista na medida das demandas do clube, para outras contas do clube, onde houvesse necessidade”.
Foi dito ainda pelo presidente do Vasco no depoimento que “todas as tratativas referente à venda e transferência do Paulinho foi feita no Brasil” e que nem ele “ou o Vasco receberam repasse ou vantagem ilícita na venda do jogador e todo o histórico, tanto do recebimento ou utilização dos valores estão devidamente documentados”.
O LANCE! procurou o Vasco, que respondeu: “O Presidente Alexandre Campello esteve espontaneamente na Delegacia de Defraudações, em quase três horas de depoimento, respondeu a todas as perguntas formuladas pelos investigadores, esclarecendo completamente os fatos, e está sempre à disposição das autoridades para as informações que se fizerem necessárias. O Clube reitera, mais uma vez, que a operação relativa à transferência do atleta Paulinho foi devidamente registrada e declarada à Receita Federal e aos órgãos de controle e fiscalização do sistema financeiro”.
EX-VICE DE GESTÃO ESTRATÉGICA DO VASCO
Deputado explica caso: ‘Foi tudo transparente’
Os investigadores da Delegacia de Defraudações da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro irão chamar nas próximas semanas o deputado federal Paulo Ganime, do NOVO-RJ, para prestar esclarecimentos sobre o caso. Ganime é ex-vice de gestão estratégica do Cruz-Maltino e foi citado pelo presidente Alexandre Campello em seu depoimento como um dos responsáveis por fazer o hedge bancário da operacionalização de câmbio junto ao Banco Paulista. Por ser deputado, tem foro privilegiado e pode escolher onde e quando depor. Ele explicou o caso em conversa com a reportagem do LANCE!.
– Eu trabalhei na parte financeira do Vasco no período. Não participei da venda do jogador e não tinha nenhum poder de gestão, mas participei do contato com o Banco Paulista. A operação foi registrada no Banco Central, estava no balanço também, assim como foi feito na venda do Douglas pela gestão anterior. Foi tudo transparente, esta conta já existia quando a atual gestão assumiu o Vasco, apenas seguimos utilizando-a – afirmou o deputado em contato com o L!, completando:
– Posso falar do período que lá eu estava, não tem nada disso de fraude ao credor, contratamos empresas para negociar com os credores, pessoas físicas, pessoas jurídicas, e fechamos inúmeros acordos... Nossa intenção sempre foi prezar pela sanidade financeira da instituição e garantir o pagamento dos funcionários, prestadores de serviços e credores.
O deputado federal e ex-dirigente do Vasco ainda lembrou em conversa com o LANCE! que esta conta usada pelo clube no Banco Paulista foi alvo de penhoras e bloqueios em outros processos, como na venda de Douglas ao Manchester City, da Inglaterra, em julho de 2017, o que derrubaria as suspeitas de que o Cruz-Maltino queria “esconder” o dinheiro da venda de Paulinho dos credores que possui em áreas trabalhista e cível. Por fim, lembrou também que o Vasco foi um dos clubes que mais reduziram suas dívidas em 2018 no Brasil.
SEQUÊNCIA DA INVESTIGAÇÃO
Instituições bancárias serão chamadas
As instituições bancárias que participaram de todo o processo da venda de Paulinho pelo Vasco ao Bayer Leverkusen, da Alemanha – o Banco Paulista e o Bank Of America – serão oficiadas para prestar esclarecimentos à Delegacia de Defraudações (DDEF) da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. A informação foi confirmada ao LANCE! pelo delegado Marcos Cipriano, titular da DDEF, por meio da assessoria de imprensa.
Ainda não há uma data para que estas instituições prestem os esclarecimentos neste inquérito policial instaurado pela especializada no mês passado. As investigações irão seguir durante as próximas semanas.
No caso do Banco Paulista, em nota oficial enviada ao LANCE!, a assessoria de imprensa informou que “a instituição informa que detalhes a respeito de operações financeiras são protegidas por sigilo bancário, mas destaca que todas as suas operações cumprem a legislação cambial vigente”. A reportagem também tentou contato com o Bank Of America, por meio de sua assessoria de imprensa especializada na América Latina, e foi dado o retorno que o banco não iria comentar sobre o caso.
LANCE! EXPLICA
O crime de fraude contra credores está previsto entre os artigos 158 e 165 do Código de Processo Civil do Brasil. Está incluso no capítulo do CPC que trata dos defeitos do negócio jurídico e, com isto, é considerado um vício social e não de consentimento. Estas práticas são configuradas antes que se haja demanda judicial do credor. São uma espécie de drible aos credores, escapando de bloqueios e penhoras.
O QUE DIZEM OS CITADOS
Confira trechos dos depoimentos - obtidos pela reportagem - já prestados à delegacia e entrevistas ao LANCE! por citados até agora na investigação sobre o caso em inquérito da Policia Civil do Rio de Janeiro
Alexandre Campello
Presidente do Vasco
O presidente do Vasco foi na Delegacia de Defraudações prestar o seu depoimento no dia 30 de agosto deste ano na investigação da Delegacia de Defraudações sobre o caso.
‘‘(...) a venda e transferência do jogador Paulinho foi devidamente transparente e legal, tendo sido analisada pela CBF que deu parecer que não havia ilegalidade alguma, e (...) o balanço do Vasco foi auditado pela empresa de auditoria BDO (...) sem qualquer ressalva (...) sendo certo que os valores recebidos (...) foram recepcionados pelo Banco Paulista, esclarecendo que o Vasco já era titular da conta (...) antes à sua eleição (...) perguntado, negou que tenha participado diretamente das tratativas de como seria a operacionalização de câmbio, (...) não foi a pessoa que fez o hedge bancário, indicando as pessoas Orlando (...) e Paulo Ganime (...) que nem o declarante ou o Vasco receberam repasse ou vantagem ilícita na venda (...).’’
Paulo Ganime
Deputado federal NOVO-RJ
O atual deputado federal, ex-vice de gestão estratégia do Vasco, será intimado para depor nas próximas semanas por ter foro. Ele conversou com o LANCE!.
‘‘Eu trabalhei na parte financeira do Vasco no período. Não participei da venda do jogador e não tinha nenhum poder de gestão, mas participei do contato com o Banco Paulista. A operação foi registrada no Banco Central, estava no balanço também, assim como foi feito na venda do Douglas pela gestão anterior. Foi tudo transparente, esta conta já existia quando a atual gestão assumiu o Vasco, apenas seguimos utilizando-a. Posso falar do período que lá eu estava, não tem nada disso de fraude ao credor, contratamos empresas para negociar com os credores, pessoas físicas, pessoas jurídicas, e fechamos inúmeros acordos... Nossa intenção sempre foi prezar pela sanidade financeira da instituição e garantir o pagamento dos funcionários, prestadores de serviço e credores. A gestão atual pegou o Vasco em uma situação financeira muito ruim, com quase toda sua receita comprometida, ainda sim o Vasco foi um dos clubes que mais reduziram suas dívidas no ano passado".
Conforme o LANCE! antecipou no mês passado, o Vasco entrou em novo ato trabalhista e não é mais penhorado nele
Orlando Marques
Ex-vice de finanças do Vasco
Vice de finanças do Vasco até maio do ano passado, Orlando Marques prestou depoimento sobre o caso na delegacia no dia 15 de março deste ano.
‘‘(...) desconhece o conteúdo, os termos e toda a transação que envolveu a venda do jogador Paulinho; que o motivo da saída do declarante da vice-presidência de finanças foi porque não conseguia ter acesso a documentos de controle interno do clube, que eram somente acessados pelo presidente da diretoria administrativa Alexandre Campello (...) que desconhece como se davam as dinâmicas das operações envolvendo o Banco Paulista e o clube; que os bancos que operava eram Banco Bradesco e Caixa Econômica Federal; que os contratos eram assinados pelo presidente do clube e não apresentados ao declarante, o que levou a insatisfação do mesmo, o que culminou em sua saída (...).’’
Paulinho
Ex-atleta do Vasco, atleta do Bayer-ALE
Ex-jogador do Vasco, atual atleta do Bayer Leverkusen, da Alemanha, Paulinho esteve na delegacia para prestar depoimento no dia 2 de julho deste ano.
‘‘(...) que é jogador profissional de futebol, tendo iniciado sua base, isto é, sua primeira federação no Vasco, sendo certo que no mês de abril do ano de 2018 teve seus direitos federativos transferidos ao Bayer Leverkusen, transação esta intermediada por seu agente, Carlos Leite; que sua transferência foi levada à efeito em julho do ano de 2018, após ter completado 18 anos de idade e aberta a janela de transferência internacional; (...) que na transação de sua venda (...) recebeu a quantia em torno de R$ 12 milhões (...) recebendo o valor bruto e posteriormente pagando os impostos (...) que não repassou qualquer tipo de verba ou benesse para dirigentes, agentes ou outras pessoas, ligadas ou não aos clubes envolvidos em sua transferência.’’
L! ANTECIPOU
Sem penhoras trabalhistas pelo ato do mês passado
Conforme o LANCE! antecipou no dia 9 de agosto, o Vasco obteve uma liminar para ter um novo ato trabalhista. O jurídico do Cruz-Maltino conseguiu uma vitória contundente na Justiça, visando a equilibrar novamente as finanças do clube – desde então, todas as penhoras na área foram canceladas, entrando as dívidas dos credores em um centralizador de execução no Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região (TRT-1).
O clube presidido por Alexandre Campello terá seis anos para pagar a dívida trabalhista estimada em R$ 125.064.079,54, oriunda de 494 ações ainda vigentes que o Vasco responde no TRT-1, em parcelas mensais de R$ 2 milhões. Vale lembrar que todas as ações impetradas no tribunal após 9 de agosto, no deferimento do novo ato, não entram na conta – o que faz, no futuro, possíveis condenações serem passíveis novamente de penhoras.
No período em que a transferência de Paulinho foi concretizada, o Vasco ainda sofria penhoras trabalhistas por conta do último ato ter sido datado anos antes.
No entanto, o Vasco segue sofrendo penhoras na área cível, em processos do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). A direção cruz-maltina busca negociações por acordos para que haja um equilíbrio na esfera, assim como conseguiu na trabalhista por meio do novo ato.
AS DEMAIS POSIÇÕES
Banco Paulista
A reportagem do LANCE! entrou em contato com o Banco Paulista, que respondeu em nota: “A instituição informa que detalhes a respeito de operações financeiras são protegidas por sigilo bancário, mas destaca que todas as suas operações cumprem a legislação cambial vigente”.
Bank Of America
O LANCE! tentou contato com o Bank Of America, a qual o Vasco teria utilizado uma conta por meio do Banco Paulista de uma agência de Londres, na Inglaterra, por e-mail do responsável pela assessoria na América Latina. O banco respondeu à reportagem que não iria se pronunciar sobre o caso.
Polícia Civil
Por meio de nota oficial ao LANCE!, a assessoria da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro informou que “de acordo com o delegado Marcos Cipriano, titular da Delegacia de Defraudações (DDEF), foi instaurado um inquérito policial e as investigações seguem em andamento. A especializada vai oficiar as instituições bancárias que participaram de todo o processo da venda do jogador”.