Falamos com Campello: ‘Vasco é hoje um boeing que queremos levantar’
Novo presidente do Vasco recebe o LANCE! em São Januário e abre o jogo sobre finanças, plano de sócios, expectativas para gestão, patrocínio, venda de revelações e mais assuntos
A vida de Alexandre Campello mudou radicalmente nos últimos meses. Tudo porque o médico, que foi responsável, por mais de 30 anos, de cuidar de alguns dos jogadores mais expressivos da história recente do Vasco, assumiu o desafio de cuidar do caso mais importante de sua vida: a gestão do Cruz-Maltino.
Após um processo eleitoral pra lá de desgastante e um primeiro mês de trabalho intenso, Campello não tem encontrado muito tempo para relaxar. E foi em uma dessas janelas, que ele atendeu a reportagem do L! na sala da presidência, em São Januário. Em 30 minutos de conversa, o presidente traçou um perfil do que encontrou no clube, falou sobre alguns tópicos polêmicos, como o valor da adesão do sócio geral, mas, acima de tudo, garantiu que o Vasco do presente e, principalmente, do futuro será ainda mais democrático. Como um médico que cuida do paciente, Campello vê um cenário inicial difícil, mas com possibilidades de recuperação:
– Minha maior expectativa em relação ao clube é terminar minha gestão com o Vasco reestruturado financeiramente, e a partir da próxima começar a decolar. Hoje o que a gente vê é um grande Boeing com nariz apontado pra baixo. Queremos retomar, fazer esse Boing botar o nariz pra cima e o motor a todo vapor.
Mudou muito a sua rotina agora como presidente do Vasco? Tem conseguido dormir bem à noite?
(Risos) Sem dúvida mudou muito a minha rotina. Trabalhava um período do dia, tinha um horário livre na maior parte da semana. Hoje, tenho que concentrar meu trabalho na manhã, segunda, terça, quarta e sexta. As quintas trabalho no final do dia. O restante do tempo todo me dedico ao Vasco. Chego no clube geralmente no início da tarde e não tenho hora pra sair.
Você tem apenas um mês no cargo, mas ficou surpreso com a situação do clube com o que encontrou até agora?
Sabia que o clube enfrentava dificuldades financeiras, mas confesso que o comprometimento financeiro é um pouco maior que a gente imaginava. Todos os nosso cálculos, projeções eram baseados no balanço 2016. Não tínhamos acesso ao de 2017, porque nós que vamos publicar. Realmente esse números parecem ter piorado em 2017 em relação aos de 2016.
Já conseguiu ter a dimensão real do tamanho dos problemas, sobretudo financeiros, que precisará resolver?
Já sabia que o clube tinha endividamento grande, perfil de curto prazo importante. Mas desde que assumimos a direção, temos um grupo que vem trabalhando no levantamento de contratos, da real situação do clube pra que a gente consiga tocar esse primeiro mês e fazer o clube funcionar. Mas não é
suficiente pra ter o conhecimento real da situação do clube. Para isso, nós
estamos negociando com algumas empresas, e não são negociações
rápidas. Estamos falando de um custo elevado, que precisamos conversar com mais de uma empresa pra chegar a valores perto de uma realidade possível de pagar. Tentar um parceiro para minimizar os custos. Hoje (ontem) ou amanhã (hoje) estarei assinando alguns contratos e pretendo anunciar uma série de medidas que irão balizar essa nova gestão.
Qual tópico te preocupa mais? A situação do clube no Profut e no Ato Trabalhista como estão?
O Ato Trabalhista a gente não tem preocupação, porque está sendo cumprido. Esses valores já saem diretamente de um dos contratos para a Justiça do Trabalho. O Profut temos sim preocupação porque encontramos alguns atrasos nesses compromissos. Mas o que mais chama atenção é o comprometimento severo das receitas do clube. Causa uma certa imobilização dos atos da direção.
Então, é o nosso trabalho no sentido de reorganizar esse fluxo, e buscar soluções a curto-médio prazo para que tenhamos um fluxo de caixa que nos permita trabalhar. Projeção é que tenhamos um ano de 2018 muito difícil, e um início de 2019 também com dificuldades. Possivelmente teremos melhoras a partir do meio de 2019, e uma melhora substancial em 2020. Esse é o cenário que encontramos e obviamente estamos em busca de novos receitas.
Qual a previsão para o pagamento da cota a qual o Vasco tem direito sobre a venda do Phillippe Coutinho para o Barcelona?
O caso do Coutinho, o mecanismo de solidariedade tem um tempo a ser cumprido e em alguns dias devemos receber a primeira parcela. Esse pagamento será feito em três parcelas: uma agora, outra no meio do ano e outra no início do ano que vem. Não vamos receber de imediato porque a venda foi feita em três parcelas. Eventualmente posso negociar com clubes para dar um desconto e receber tudo agora, mas não deve ser feito.
Como foi a negociação para a permanência do Zé Ricardo?
Zé Ricardo sempre teve um comportamento ético e profissional e me procurou. Disse que não achava que o momento era o melhor, mas havia recebido uma proposta de fato muito boa dos Emirados Árabes (Al Ahli). Era uma proposta significativa do ponto de vista financeiro. E isso vazou, ele não gostou por conta do nosso momento. Conversamos com ele no sentido de mantê-lo aqui. Vale
lembrar que o Zé Ricardo tem um perfil muito interessante: é jovem, com conhecimento muito grande, estudioso, com vivência relevante no futebol de base, inclusive já tinha trabalhado aqui. A meu ver, é o treinador ideal para o Vasco. Até porque enfrentou todo esse momento de dificuldade e turbulência política, conseguiu sobreviver a tudo isso mantendo uma equipe unida, bem
organizada e solidária. É um treinador que caiu nas graças da torcida. E isso passou a ser uma cobrança pra gente, manter o Zé Ricardo. Hoje seria muito ruim mudar o treinador. Quando estava em campanha já havia sinalizado que queria manter ele. A primeira coisa que fiz quando assumi foi procurá-lo para ratificar essa posição. A partir daí construimos uma relação de confiança.
E isso, aliado a outros fatores, foi determinante para a sua permanência?
Essa primeira vitória da diretoria pode ser vista como uma mudança de credibilidade do Vasco junto ao marcado?Não tenho dúvida. A escolha dele em permanecer sinaliza para o mercado a confiança que ele está tendo no Vasco e nos dirigentes que aqui estão. É de fato um sinal bastante positivo e contribui muito para melhorar a imagem e confiança do clube no mercado.
O torcedor sempre quer reforços, mas a diretoria passa a mensagem que, neste momento, o importante são os salários em dia? Como lidar com isso?
Expectativa é que a gente consiga pagar normalmente fevereiro e manter os salários em dia. Mais do que ter um bom elenco, é fundamental manter os salários em dia. Quem é do meio sabe, é muito importante. Temos uma equipe competitiva, bem ajustada, dentro de uma seriedade e planejamento financeiro. Se não tiver isso, endividaremos cada vez mais o clube e teremos menor capacidade de investimento. Precisamos quebrar esse processo.
Como pretendem solucionar as pendências (salário de dezembro, 13o, férias) com o elenco deixados pela antiga gestão?
Estamos trabalhando para acertar tudo isso. O que ficou para trás estamos negociando para pagar parcelado, acho que é a melhor maneira para ter fôlego. O salário está sendo pago em dia.
O Vasco tem jovens de muito potencial no elenco, como o Paulinho. Se chegar uma boa proposta, terá como segurar esses jogadores?
Quando você pensa em orçamento de clube, uma das rubricas que existe é venda de ativos. Nada mais é que venda de jogadores. Em alguns casos, essa rubrica tem valores bastante significativos. Se olhar para as condições do Vasco, temos um déficit importante no orçamento. O ideal é reter os atletas por mais tempo. Eles são muito novos, todos sub-20. Esses jogadores têm muito para evoluir, especialmente em um ou dois anos. E o valor deles de mercado também cresce. Se em um dado momento não tiver outra solução, teremos que vender.
Mas chegou alguma proposta?
Até agora, para mim, não.
De que maneira se chegou a esse valor de dois mil reais para o título de sócio geral?
Hoje, o Vasco tem um programa de sócio bastante amplo, que atende a cada tipo de vascaíno. Tanto aquele que quer ver todos os jogos, o que vai eventualmente, e também o de fora do Rio. É preciso que a gente crie uma comunicação melhor com esses sócios, com mais benefícios do que já existe. Eles precisam ficar mais participativos dentro da vida do clube. O marketing está trabalhando bastante nisso. Por outro lado, vejo que estão usando muito isso politicamente. Há uma exploração que não ajuda em nada o Vasco, só atrapalha. Em vez de criar toda essa baderna, era melhor captarem mais sócios, se são vascaínos como dizem. Não acho que é caro (o plano de sócio geral). O Vasco facilita em quatro vezes o pagamento da taxa de adesão. A mensalidade de R$ 70 reais não é caro, ser sócio com direito a voto, não acho caro. Quer pagar menos? Existem outros planos mais baratos dentro do programa.
Existe, neste trabalho que será feito para modernizar o processo eleitoral do clube, a possibilidade do sócio torcedor votar? Vê a medida com bons olhos?
Foi montada uma comissão para estudar as mudanças no estatuto. Ela vai receber sugestões de todos os conselheiros. Qualquer conselheiro que quiser dar sugestão vai poder encaminhar. Isso sera fruto de discussão e terá que ser aprovada dentro do conselho. Óbvio que quando se fala em mudança de estatuto, todas as possibilidades devem ser analisadas. Vejo com bons olhos (o
sócio torcedor votar), sem nenhum problema.
O aumento expressivo na taxa de adesão do sócio geral tem como uma das funções impedir possíveis novos ‘mensalões’?
Com certeza. Não só isso, como a mudança no estatuto aumentando tempo de contribuição para que tenha direito a voto. Temos que criar mecanismos para defender o clube dessas medidas.
Essa verba oriunda do sócio geral será aplicada em coisas mais ligadas ao clube, como o quadro social, ou onde for mais necessário naquele momento?
Para ser sincero, no que tiver mais necessidade hoje. O que entra é utilizado pra fazer o clube funcionar, essa é a verdade.
O torcedor vascaíno sempre questiona sobre obras e a modernização de São Januário. Existe algum planejamento para esse tema a longo prazo?
Isso é controverso. Durante o ano, quantas vezes você vê São Januário com excesso de público? Acho que precisa ser modernizado, precisamos investir. Amanhã, podemos criar algum projeto. Mas para ampliar, tem que tratar do entorno. Não adianta aumentar a capacidade do estádio para 40 mil pessoas e ter dificuldades fora. Então talvez seja melhor explorar a capacidade de 25 mil pessoas de uma forma melhor do que a ampliação. Mas não está descartada.
O último processo eleitoral do Vasco foi muito desgastante.Seu nome acabou sendo associado ao de Eurico Miranda Acredita que seu grande legado, independente de títulos, é provar que deixou o clube novamente com ares de democracia?
Esse tipo de associação vai deixar de existir a medida que as demonstrações acontecerem. Em um mês, já demos demontrações bastante significativas de isenção e autonomia da gestão do clube. Essa abertura já acontece desde o
primeiro dia. Desbloqueamos mais de 10 mil internautas nas redes sociais. Abrimos pra vocês da imprensa pra ter livre circulação. Vocês estarem me entrevistando é uma demontração disso, acho que vocês não seriam recebidos. Os ex-ídolos têm portas abertas. O torcedor visita São Januário com maior tranquilidade. Pretendemos aumentar essas atitudes de proximidade com o torcedor e quebrar essa desconfiaça. Isso que acho que é importante. O Vasco está à diposição do vascaíno.