Medalhista olímpico lidera jovens e se reencontra no vôlei aos 45 anos
Prata em Pequim nas areias com Fábio Luiz, Márcio Araújo disputa os Jogos Universitários Brasileiros, monta rotina entre praia e quadra e diz que veia competitiva não o deixa parar
Se há algo que não incomoda Márcio Araújo é acumular trabalho, contanto que o vôlei esteja presente na rotina. Medalhista de prata nas areias nos Jogos Olímpicos de Pequim-2008, ao lado de Fábio Luiz, o cearense de 45 anos se destaca dentro de quadra na Fase Final dos Jogos Universitários Brasileiros, em Maringá (PR), entre dezenas de jovens estudantes. Grita, cobra, pede desculpas quando erra e mantém um foco: vencer.
O jogador, que resolveu interromper a aposentadoria de quase dois anos e retornar para o Circuito Brasileiro de praia em setembro, defende as cores da UniAteneu, de Fortaleza. Ele cursa o quarto período de Educação Física e, por isso, se credenciou a disputar a competição, organizada pela Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU).
– É uma veia que tem dentro da gente, que não sei explicar. Sou muito competitivo. Competir move o atleta. Foram muitos anos, e depois que você para, fica um pouco sem norte. Então, resolvi tirar o bagaço da laranja e ver até onde dá para ir. Na etapa de Vila Velha, fizemos quinto lugar. Batemos na trave, mas já já a bola entra – disse Márcio, antes de entrar em quadra no JUBs.
Márcio treina todos os dias da semana na praia, de 7h às 9h. Na quadra, se reúne com os colegas de faculdade às segundas, terças e quintas-feiras, das 19h às 21h. Durante o dia, trabalha como presidente de um instituto da prefeitura de Fortaleza, que inclui jovens em áreas como esporte, cultura, arte, educação e tecnologia, chamado Rede Cuca.
De todas as metas, a maior no momento é recuperar as primeiras posições no ranking nacional de vôlei de praia, ao lado do parceiro Allison Francioni, de 25 anos. Mas Márcio não perde a paixão pela quadra, onde começou a carreira e agora tem a oportunidade de transmitir lições aos colegas.
O veterano é utilizado na função de oposto passador. A idade não o impede de acertar ataques potentes e sacar viagem, como nos velhos tempos. A carreira livre de lesões graves foi um trunfo.
– Quando eu comecei a estudar, ainda fazia Circuito Mundial e ciclo olímpico. Foram quase 20 anos na elite, e não conseguia me dedicar à faculdade. Ainda não tinha ensino a distância. Agora, que não tenho tantos compromissos no esporte, consigo estudar até presencialmente, jogar e me divertir com os meninos. É um sentimento bom de juventude. Eu me sinto mais novo – contou o medalhista olímpico.
A caminhada da UniAteneu no JUBs não começou fácil. O time de Márcio Araújo acumulou derrotas para a UNG (SP), por 3 a 1, e para a Upis (DF), por 3 a 0. Hoje, enfrentaria adversário não definido até o fechamento desta edição. Para o experiente jogador, o nível da competição foi uma surpresa.
– O nível é bem alto. Eu não esperava que fosse tanto. Como hoje tem educação a distância, muitos conseguem conciliar melhor estudos e o esporte. Tem atletas fortes – falou Márcio.
Além da prata olímpica, o atleta tem no currículo o título mundial em 2005, com Fábio, além de uma prata no torneio em 2011 e um bronze em 2003. O cearense foi premiado no Circuito Mundial como o melhor levantador em 2006, 2007 e 2008, e como o melhor jogador defensivo em 2005.
BATE-BOLA
Márcio Araújo, medalhista olímpico, ao LANCE!
Como foi a sua entrada no esporte universitário?
Eu já treinava com eles na quadra, já que sou aluno de Educação Física. Concilio estudo, trabalho e treinamentos. E voltei a disputar o Circuito Brasileiro. Voltar para a quadra foi interessante, pois é onde eu comecei. A oportunidade surgiu na faculdade. Ganhamos o JUCs (Jogos Universitários Cearenses), nos classificamos para a fase regional do JUBs e viemos para cá. Estou me divertindo muito.
É difícil conciliar vôlei de praia e quadra? Pensa em voltar para o Circuito Mundial ainda?
Vou até o final da temporada do Brasileiro. O Circuito é pontual, uma etapa por mês. Aqui, na quadra, tem períodos de quatro, cinco, seis meses. Na praia, você faz ciclos. No Circuito Mundial, provavelmente não. De repente alguns torneios, de duas ou três estrelas. Mas como trabalho, não posso me ausentar demais. Então, o Brasileiro está bom demais.
E conciliar a vida de atleta com a vida acadêmica? Como é?
Quando eu comecei a estudar, ainda fazia Circuito Mundial e ciclo olímpico. Fiz os ciclos para Sydney, Atenas, Pequim e Londres. Tive quase 20 anos na elite, e não conseguia me dedicar à faculdade. Ainda não tinha o ensino à distância. Agora, que não tenho tantos compromissos no esporte, consigo estudar até presencialmente, jogar e me divertir com os meninos. É sempre um sentimento bom de juventude. Eu me sinto mais novo.
Qual o saldo desse retorno ao Circuito Brasileiro?
Treino com o Alisson, moramos em Fortaleza, estamos juntos no dia a dia. Tenho o objetivo de voltar para o ranking. Zerei meus pontos depois de me aposentar. Agora, voltei que nem criança (risos). Passei dois anos fora, então meus pontos expiraram. Já estou entre os 25. Quando chegar entre os 16, saio do qualifying e entro no ranking. Disputar o quali é duro. Quando não mata, aleija (risos).
Como é a troca de experiência com os jovens estudantes no time?
Tem que saber separar o quarto da diretoria dos meninos mais novos (risos). Nos organizamos bem, batemos um papo e entramos em um acordo entre todos. Levamos numa boa.
Pesa chegar ao JUBs com um currículo como o seu?
São coisas diferentes o que eu vivi e representei para o país e o que vivo hoje. A conquista olímpica e os Mundiais são muito relevantes. Mas vivo dia após dia. Hoje, o que é mais importante é jogar bem o Circuito Brasileiro e ajudar meus companheiros de universidade na quadra. Acho que estou conseguindo.
Ainda tem contato com o Fábio Luiz, parceiro da prata em Pequim?
Estive com ele no domingo. Fui almoçar na casa dele. Hoje, é subsecretário de esportes do Espírito Santo e pudemos conversar bastante.
COM A PALAVRA
Tarcísio Almeida, técnico da Uniateneu
É um trabalho novo que temos feito, e o Márcio tem nos ajudado bastante. Ele é fenomenal. Me ajuda dentro e fora de quadra, como um segundo técnico. É muito legal termos a experiência dele aqui. Sua volta alavancou o vôlei na nossa universidade. Assumi a equipe há cinco meses. É um grupo homogêneo. Treinamos três vezes por semana, às vezes quatro. Ainda temos que crescer.
O Márcio é um oposto diferenciado. Ele é um dos principais atacantes, mas também o utilizo no levantamento, pois domina muito o fundamento.
Eu e ele jogamos juntos na escola, na quadra. Nos conhecemos quando eu tinha 16 anos. Ele seguiu a carreira como atleta, e ganhou o mundo na areia, e eu me tornei técnico, na quadra. O Márcio é diferenciado. Não para de treinar. É o que mais treina, se dedica mais. Não é medalhista olímpico à toa.
* O repórter viaja a convite da CBDU