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Escrito nas estrelas: a carta de Maurício sobre o título carioca de 89

Ao LANCE!, herói do título estadual, que completa 30 anos nesta sexta-feira, comenta sobre o fim do jejum sem conquistas que perdurava por 21 anos e sua relação com o Botafogo

Maurício - Botafogo 1989
Maurício e a comemoração que ficou eternizada para todos os botafoguenses (Foto: Reprodução)

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Há 30 anos, Maurício dava o título do Carioca de 1989 ao Botafogo, derrotando o Flamengo na final. Mais do que uma simples conquista, este campeonato representou o fim de um jejum sem títulos que perdurava há 21 anos no clube de General Severiano. Três décadas depois, o atacante, autor do gol que deu à conquista, escreveu ao LANCE! uma carta falando sobre a campanha:

"Meu nome é Maurício de Oliveira Anastácio, vim do América, contratado pelo Botafogo em 1986 e fui emprestado para o Internacional em 1988. No ano seguinte, jogando pelo Colorado, o Emil (Pinheiro) me pediu para voltar, cheguei no segundo turno do Campeonato Carioca. Fiz a preparação física no Rio Grande do Sul, então cheguei aqui em ritmo fortíssimo, tanto fisicamente quanto tecnicamente, com a intenção de ajudar o Alvinegro no Carioca.

Foi uma emoção muito grande, já tinha estado no Botafogo anteriormente. Em 1981, estava no Bonsucesso e fugi para fazer um teste no Botafogo, sempre quis jogar lá. Passei. Fiz alguns amistosos e, na época, o treinador Joel Martins pediu a minha contratação. Ficava me escondendo, pediam meu documento e eu fugia, mas teve um dia que não deu para escapar e revelei que meu passe era do Bonsucesso. Ouvi que o Botafogo não comprava jogador, apenas se o clube liberasse, mas eles não conseguiram negociar.

Saí de Marechal Hermes chorando até a estação de trem da Pavuna, onde morava. Cheguei em casa muito triste, falei para a minha mãe que fiz o teste no Botafogo e passei, mas eles não conseguiram negociar. Foi algo que doeu bastante, mas Deus sabe de todas as coisas e, passaram alguns anos, fui destaque no Bonsucesso na segunda divisão, depois fui para o América e, aí sim, cheguei no Botafogo, onde começou minha história.

Foi difícil lidar com a pressão do jejum de 21 anos, mas estava acostumado a desafios. Quando você vem de um time pequeno, os desafios são maiores. Como estava em um time grande como o Botafogo, aquilo não passava de uma coisa normal. O número de torcedores que ficavam cobrando era grande, havia a pressão por título mas sabia que, mais cedo ou mais tarde, nós daríamos a volta por cima.

O trabalho feito pelo Emil Pinheiro e pelos dirigentes foi muito bom, trazendo jogadores de qualidade. Montaram uma grande equipe. Quando cheguei, já estava praticamente tudo pronto, só faltava me encaixar, mas eu e Josimar já tínhamos um entrosamento e isso me ajudou a fazer um bom campeonato.

O elenco já estava arrumadinho e faltava o Maurício para completar. Foi um presente para a minha vida entrar em uma equipe que falava o mesmo linguajar, era um por todos e todos por um. Não tinha individualismo. Nós tínhamos o pensamento de modificar a história do Botafogo, queríamos acabar com aquele jejum de 21 anos, a torcida era merecedora dessa nossa dedicação para mudar esse panorama. E nós conseguimos. Foi um presente do grupo para a torcida e para a diretoria, que apostou em um elenco que não tinha nome. Não havia nenhum grande destaque, mas bons jogadores. O que fez a diferença foi a nossa união.

Minha relação com o Valdir Espinosa era ótima, eu tinha visto o trabalho dele no Grêmio, era um cara acostumado a ser campeão, de grupo, que aceitava o argumento do atleta e também aconselhava. Era um pai, amigo, conselheiro e psicólogo que conseguiu unir todos os jogadores daquele grupo. Ele não prestigiava um ou outro, tratava todos de uma forma única. Também sempre reunia as famílias. Fora dos jogos a gente almoçava junto com as esposas, nos acostumamos a estar sempre juntos e acabamos virando uma família. Foi por isso que era difícil ganhar do Botafogo, nós tínhamos essa filosofia de correr um pelo outro.

Arte - Aspas Maurício
(Arte: Marcelo Moraes/Lancepress!)

A força e a união superam a técnica. Sou dessa política e todos nós apostamos nessa filosofia do Valdir Espinosa. Corria pelo Josimar, o Josimar corria por mim, o Lusinho corria pelo Carlos Alberto, que corria pelo Vitor. Nossa filosofia era de não reclamar. Se um jogador errasse nós tínhamos que correr, corrigir o erro. O que tivesse que ser discutido, a gente falava no vestiário, mas dentro de campo a gente sempre lutou um pelo outro. Isso que prevaleceu, a gente foi se superando.

Nós tínhamos algumas jogadas ensaiadas, consegui alinhar a força que herdei por conta do meu preparo físico no Rio Grande do Sul com a técnica. Quando voltei, procurei explorar essa forma física, sempre que um outro jogador tinha a bola, eu fazia o facão, entrava em diagonal, atrás da defesa, e conseguia fazer o gol ou passava a bola para outro jogador. Nós fizemos esse tipo de jogadas em vários jogos, surpreendemos todo mundo porque ninguém conhecia essa forma de jogar. Foi uma adaptação rápida, me entrosei com todos os atletas, eles me aceitaram bem.

O 3 a 3 foi o jogo mais importante daquela campanha. Fomos jogar contra o Flamengo e eles fizeram 1 a 0 com Zico, eu empatei. Depois, o Renato fez 2 a 1 e o Alcindo fez 3 a 1. Eles estavam cantando “É campeão, é campeão”, mas o Botafogo era aquilo, nós tínhamos um time muito unido. Nos olhamos, fomos correr atrás, pressionamos o Flamengo. Gonçalves recuou a bola mal, nós aproveitamos e fizemos 3 a 2 e, aos 42 minutos do segundo tempo, quando nosso torcedor já estava indo embora, o Vitor recebeu um lançamento, driblou o Jorginho e o Zé Carlos e fez o gol. Ali foi uma prova que nós poderíamos dar a volta por cima e ser realmente campeão. Nosso pensamento, nossa vontade e nossa determinação foram concretizadas.

Todos os jogos eram decisivos. Nós tínhamos que colocar isso na cabeça. Jogar contra o Olaria, decisão. Bangu, decisão. Flamengo, decisão. Fluminense, decisão. Não tinha time mais fraco, subestimar o adversário, não tinha esse negócio. Jogávamos três vezes na semana, hoje em dia o atleta joga uma vez ou outra e reclama que está cansado, a gente não fazia isso não. Não tínhamos estrutura e nem metodologia de hoje em dia, mas corremos e passamos por cima de todas essas dificuldades.

Nossa motivação vinha da vontade de superar esse obstáculo de 21 anos sem título. O Botafogo se superou quando viu a possibilidade desse título vir para Marechal Hermes. Nos dedicamos, lutamos e os resultados comprovavam isso. Foi um time vencedor, não perdemos para ninguém, campeões invictos com muita justiça. Fomos para a final com saldo positivo, o empate era nosso. Foi uma campanha digna de elogios. Para provar que o time estava embalado fomos campeões em 1990 também. Ninguém pode contestar.

Na preparação antes da final, o Valdir nos levou para Friburgo, enquanto o Flamengo ficou no “já ganhou”. A diretoria levou os familiares para estar conosco, treinamos a semana toda, foi algo maravilhoso. Saímos de lá com um grande astral, Friburgo abraçou o Botafogo de uma forma maravilhosa. Deu tudo certo, aquele momento era do Botafogo e já estava escrito nas estrelas, Deus já tinha decretado o título do Botafogo.

Após o primeiro jogo da final, nós voltamos para a concentração, mas acordei com a perna inchada, na segunda-feira. O médico olhou e me disse que ia passar, mas, na verdade, foi uma infecção, que gerou uma íngua e eu tinha que tomar medicamentos. Comecei a vomitar, passei muito mal. Tinha o jogo na quarta e passei mal na segunda, na terça e só fui melhorar um pouco na quarta de manhã. Subi para o treino e falei para o Valdir e os diretores que não podia trair meu grupo e não jogaria. Por conta da dificuldade, seria injusto da minha parte jogar febril tendo gente saudável para entrar.

Os jogadores falaram que iam correr por mim. O grupo todo me pediu para jogar, que eu fazia gol no Flamengo, que contavam comigo. Isso foi fundamental. Era um grupo forte, e eles passaram para mim o desejo de voltar a jogar e eu aceitei. Foi uma sensação única e mexe comigo até hoje, jamais vou esquecer aqueles momentos.

Tem uma fala do Valdir Espinosa e uma fala do nosso mito Nilton Santos que me marcaram antes do segundo jogo. A do Valdir foi “Maurício, eu sonhei que você faria o gol do título”, e a outra foi do Nilton, que viu que estava febril, tive 39 graus de febre antes da partida, não ia jogar, ele chegou para mim e disse “Maurício, eu sei o que você está passando, mas quem vai entrar em campo hoje com você será Mané Garrincha”, fui escolhido de fazer aquele gol e hoje ser enaltecido por todos.

Arte - Aspas Maurício
(Arte: Marcelo Moraes/ Lancepress!)

Saiu, acabou o jejum. Minha sensação foi de alívio, de missão cumprida. Imagina você, passando mal, doente, jogando com febre, superar tudo isso e fazer o gol. Toda energia ruim se tornou uma energia positiva. A torcida enlouqueceu o estádio, não parava de cantar o tempo todo, aquilo me fez driblar, fazer jogadas de linha de fundo, correr, comecei a fazer lances de Garrincha. Eram coisas que eu não podia fazer, mas depois daquele gol parecia que tudo era possível. Foi indescritível, foi algo único.

No fim do jogo, o placar do Maracanã me mostrava que o dever foi cumprido, que tudo aquilo que nós conseguimos fazer tudo aquilo que foi proposto com muito afinco, muita dedicação e me mostrou que nada era impossível. A gente tem que buscar o máximo, pensar que é possível superar as dificuldades.

O Botafogo é supersticioso porque tudo vinha a calhar. Vamos lá: 21 de junho de 1989, 21 graus, o jogo começou às 21 horas e fiz o gol aos 12 minutos, que ao contrário é 21. O que você deduz disso aí? Que era algo escrito nas estrelas, nossa vitória já estava decretada. Não dava para o Flamengo não, me desculpe. Podia jogar mais duas horas e eles ficariam sofrendo. Não ia ter jeito, estava escrito nas estrelas.

Hoje, não consigo parar no Nilton Santos. Não consigo sentar no meio da torcida do Botafogo e ver o jogo tranquilo, tenho que ver o jogo de camarote porque é muita emoção. Vem muito torcedor pedir foto porque tem uma geração que não me conheceu, que não teve o prazer de ver a gente jogar. O pai fala “Filho, esse cara é o autor do gol que deu o fim do jejum”, aí o garotinho vem, me beija, bate foto, e não dá para fugir. Se vier 50 pessoas, vou atender todas, sou assim. Sempre que me veem, eles cantam meus hinos: “Recordar é viver, o Maurício acabou com você...” e “89, foi o começo de uma era, acabou com a espera, é Maurício para a galera”.

Nunca imaginei que minha vida chegaria a esse ponto. Vendi pipoca no Maracanã, via os jogos e jamais pensei nisso, mas queria. Como uma criança criada na Pavuna, com mãe merendeira, pai taxista e uma dificuldade monstra pensaria nisso? Estava escrito nas estrelas. Fui um garoto de muita dedicação, gostava de treinar, quando senti que através do futebol podia dar o conforto para a minha família, corri mais ainda, me identifiquei cada vez mais. Joguei no Bonsucesso, fui para o América, mas queria um time maior ainda, aí fui para o Botafogo, ganhei títulos e cheguei na Seleção. Parecia impossível, mas consegui chegar onde poucos chegaram.

Devo tudo ao Botafogo. Foi meu divisor de águas, aquele que me lançou no mercado de trabalho de uma forma brilhante. A luz da estrela brilhou em minha vida e me tornei um astro. Jamais irei me comparar a Zagallo, Garrincha, Jairzinho, Nilton Santos, Didi, esses monstros sagrados, mas sei que minha estrela pequeninha está marcada no Botafogo junto com esse grupo de 1989. Devo muito ao Botafogo por esse amor e essa paixão. Ele me fez renascer e me mostrou que podia chegar em um lugar maior. É o que eu digo: o América me projetou, mas quem me consagrou foi o meu Botafogo, que amo de paixão.”

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