CAMPO NEUTRO: ‘O fundamental, o fatal e o letal’, por José Inácio Werneck
Karim Benzema novamente aproveitou um erro de saída de bola para marcar pelo Real
Em 1964, eu estava um dia na lateral do gramado em Álvares Chaves, campo do Fluminense, que seria campeão carioca naquele ano. Era manhã de treino coletivo, que acontecia em geral às quartas e sextas feiras.
A meu lado, Elba de Pádua Lima, mais conhecido como Tim, grande jogador no passado e naqueles dias técnico do Fluminense, observava o que se passava em campo, depois de ter instruído o time.
De repente, quase que falando para si mesmo, ele disse:
"Enquanto a bola está com seu time, não está com o time adversário."
Ora, amigos, digam-me se isto não é, sem tirar nem por, a filosofia do "tiki-taka", da posse de bola, que consagrou Pep Guardiola como um dos maiores técnicos de todas as gerações.
Certa vez, em uma entrevista, Guardiola descreveu o gol que mais gostaria de assistir: dez jogadores de seu time trocando passes, de pé em pé, sem o adversário tocar na bola, até ela chegar ao 11° companheiro, que simplesmente a empurrava para as redes vazias.
Tenho certeza de que Tim diria a mesma coisa.
O futebol mudou muito em preparo físico, em material, desde a bola até as chuteiras ultra leves e as camisas que "respiram", sem grudarem, ensopadas de suor, no corpo dos jogadores, mas sua essência pode ser resumida nesta simples verdade: "enquanto a bola está com seu time, não está com o time adversário".
Mas vou recuar ainda mais no tempo, até 1962, ainda no campo do Fluminense, mas com o time, naquela ocasião, sob o comando de outro famoso ex-jogador e, naquele momento, técnico consagrado: Zezé Moreira.
Ele dizia, a mim e a quem mais estivesse disposto a ouvir: "a defesa nunca deve sair jogando com passe paralelo à sua grande área".
Simples, não? Mas quantas vezes, ao longo dos anos, da décadas e provavelmente até dos séculos, não seremos obrigados a ver times punidos por este erro elementar, ainda mais agora quando técnicos exigem que seus goleiros saiam jogando com os pés?
Quem terá esquecido o catastrófico passe paralelo à nossa grande área com que Toninho Cerezo presenteou Paolo Rossi naquela fatídica derrota do Brasil para a Itália em 1982?
E, entretanto, não foi também o que se viu ontem, 40 anos depois, pelas quartas-de-final da Champions League, quando o goleiro Édouard Mendy, do Chelsea, sepultou as esperanças de reação de seu time antes mesmo de completar-se o primeiro minuto do segundo tempo?
Postos à parte os méritos do Real Madrid e de seu centroavante Karim Benzema, o Chelsea tinha diminuído o marcador desfavorável de 2 a 0 para 2 a 1 no fim do primeiro tempo.
O time entusiasmou-se e creio que o técnico Thomas Tuchel deve ter traçado planos táticos para serem usados depois do reinício da partida.
Mas que táticas podem superar um erro como aquele? Édouard Mendy está com a bola nos pés, o time do Real Madrid está recuado, Rüdiger, o zagueiro do Chelsea, está a três metros de Mendy, exatamente na mesma linha.
A linha paralela à grande área.
Vem o passe de Mendy para Rüdiger, passe que é interceptado por um atento Benzema. Ele marca o terceiro gol, terceiro gol seu e de seu time, praticamente decretando o sepultamento de qualquer reação do Chelsea.
Méritos, evidentemente, para Karim Benzema, um extraordinário atacante, que sempre foi bom, excelente mesmo, mas que começou a aparecer mais, a brilhar mais, depois que Cristiano Ronaldo saiu do Real Madrid.
Mas há verdades que não mudam em futebol. A posse de bola é fundamental. Começar o jogo a partir da defesa com um passe paralelo à grande área é fatal.
E eu poderia acrescentar outra: em matéria de Champions League, o Real Madrid é uma presença letal.
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Brasil Copa70 e José Inácio Werneck